Mesmo após diversos esforços e debates, a cidade de São Paulo mantém pelo menos 20 nomes de ruas, avenidas ou praças que homenageiam pessoas que cometeram violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964-1985). Em 2015, a prefeitura chegou a lançar um programa para substituir o nome dos agentes e colaboradores do regime. No entanto, apenas duas ações foram finalizadas. Atualmente, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos informou que não há proposta do Executivo para promover esse tipo de alteração. Há, entretanto, alguns projetos de autoria de vereadores em tramitação na Câmara Municipal.

Em 2015, o nome do Elevado Costa e Silva foi trocado para Elevado João Goulart. Assim, a via que faz ligação da região central com a zona oeste deixou de ter o nome do segundo presidente do regime ditatorial para homenagear o presidente deposto no golpe de 1964.

O nome da Avenida Golbery do Couto e Silva, na zona sul, foi mudado para Rua Giuseppe Benito Pegoraro. Golbery foi braço direito do primeiro presidente militar, Castelo Branco. Já Pegoraro foi um padre italiano que teve forte atuação na região do Grajaú.

Novas homenagens

Desde então, a única alteração de nome de logradouros que envolveu o tema, mas no sentido inverso, foi a mudança da Ponte das Bandeiras para Ponte senador Romeu Tuma, em abril de 2017.

O Ministério Público chegou a solicitar ao prefeito João Doria que vetasse o projeto de lei que promoveu a alteração, com base na lei e no decreto municipal que proíbem homenagens a personagens que participaram da repressão durante a ditadura. Tuma foi diretor-geral do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) paulista de 1977 a 1982, sendo considerado responsável pelas torturas e abusos cometidos pelo órgão no período. O novo nome da ponte foi proposto pelo sobrinho do falecido senador, o vereador Eduardo Tuma (PSDB).

Apesar da interrupção do processo de remoção dos nomes dos colaboradores da ditadura dos espaços públicos, homenagens para lembrar os que lutaram contra as arbitrariedades do regime ainda têm sido feitas.

Na última segunda-feira (4), o Cemitério Dom Bosco, mais conhecido como Cemitério de Perus, recebeu 31 ipês em memória dos militantes políticos sepultados em uma vala clandestina no local. Também foi instalada uma placa com o nome dos 31 militantes.

A ação, assim como o projeto municipal de retirada dos nomes de violadores de direitos humanos, atende a recomendações das comissões da Verdade Nacional e Municipal de São Paulo.

Reflexos

O presidente do grupo Tortura Nunca Mais, Paulo César Sampaio, que esteve presente na cerimônia no cemitério, diz que há uma disputa para acabar com as homenagens aos que participaram da repressão política. “A gente está lutando há algum tempo para que retire os nomes dessas pessoas. Já conseguimos ali do Viaduto do Minhocão [Elevado João Goulart]”, disse.

A manutenção desses nomes no espaço público passa, na opinião de Sampaio, uma sensação de impunidade, que se reflete até na violência policial nos dias de hoje. “É um desrespeito às pessoas. Você pode colocar o nome de Fernandinho Beira-Mar [traficante carioca] em uma rua? Não, não pode porque é um criminoso. Os torturadores também são criminosos”, enfatiza.

O coordenador do Observatório de Educação em Direitos Humanos da Universidade Estadual Paulista, Clodoaldo Cardoso, tem uma visão diferente sobre o tema. Para ele, o foco deveria ser na educação sobre os temas para que os jovens conseguissem ter uma opinião crítica desses assuntos. “O importante é a educação histórica, o pensamento histórico que nós temos que transmitir. E nessa discussão podemos incluir ou não os logradouros”, ressaltou.

O ensino deveria, na opinião de Cardoso, estabelecer conexões com o passado a partir das questões vividas atualmente. “Tem que começar a história de trás para frente: qual a situação do Brasil hoje e quais são as raízes desses problemas. E não começar com [Pedro Alvares] Cabral e aí não chega nunca aqui. O passado só tem sentido a partir do presente”, destacou.

Câmara Municipal

Entre as mudanças propostas na Câmara Municipal, tramita o projeto da vereadora Adriana Ramalho (PSDB) que pretende mudar o nome do Viaduto 31 de Março para Therezinha Zerbini. Assim, o local deixaria de ser uma lembrança do golpe de 1964 para fazer referência à assistente social que lutou pela anistia de exilados e presos políticos durante a ditadura. Na justificativa do projeto, a vereadora incluí as recomendações da Comissão Nacional da Verdade e o decreto de 2016 que prevê a alteração dos nomes de logradouros que fazem homenagem ao regime militar.

Outras propostas vão mais longe e propõem a retirada de nomes de personagens que violaram direitos humanos em períodos fora da história recente. Um projeto da vereadora Sâmia Bonfim (PSOL) pede a remoção do nome Barão de Joatinga de uma rua no centro paulistano em favor de Dandara de Palmares. Assim, deixaria de se contemplar um escravagista do século 19 para lembrar a ex-escrava rebelde que ajudou a conduzir o Quilombo dos Palmares, um dos marcos da resistência negra.

Há menos de um mês, a remoção de uma estátua de um defensor da escravidão na cidade norte-americana de Charlottesville, na Vírginia, gerou uma série de confrontos. O personagem em questão era o general confederado Robert Lee, um dos nomes importantes do movimento separatista e anti-abolicionista do Sul do país durante a guerra civil (1861-1865). A retirada provocou a revolta de grupos racistas e neonazistas que foram para as ruas e se enfrentaram com defensores de direitos humanos.