Era para ser um ano de festa. Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai completaram em março 30 anos da criação do Mercado Comum do Sul (Mercosul), que juntou os quatro países em uma união aduaneira e de livre-comércio. As “bodas de pérola”, porém, foram celebradas com crise, pressão por mudanças e dúvidas em relação ao futuro do bloco.

“O comércio do Mercosul cresceu 500% de 1991 até 2000, quando houve crise cambial no Brasil e uma enorme crise econômica na Argentina. Temos de reconhecer que, nos últimos 20 anos, porém, o Mercosul esteve em relativa estagnação”, afirma o consultor e ex-secretário de Comércio Exterior Welber Barral.

Para Barral, os momentos em que o grupo teve maior evolução foram quando os governos, principalmente de Brasil e Argentina, gozaram de boa relação – como, por exemplo, entre o governo Michel Temer, no Brasil, e Maurício Macri, na Argentina, o que impulsionou a discussão do acordo entre o bloco e a União Europeia (UE), fechado já no início do governo Jair Bolsonaro. “Estamos com as duas questões negativas agora, na relação entre os governos e no crescimento”, afirma.

Na visão do gerente de Políticas de Integração Internacional da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrizio Panzini, o bloco não pode ser acusado de uma culpa que não tem. “O Mercosul tem problemas de estabilidade econômica, que é a chave para o crescimento.” Ele ressalta que, apesar de o Mercosul ter perdido destaque no comércio exterior brasileiro nos últimos anos, a pauta de exportação para os países do bloco é mais variada do que para a China, o principal parceiro comercial do Brasil. Os produtos vendidos para os parceiros sul-americanos têm valor agregado mais alto, que gera mais empregos e pagamento de tributos no Brasil. “Hoje, temos visões diferentes entre os países, o que pode levar a uma disruptura, paralisia ou a avanços muito moderados. Tratar o Mercosul como algo muito politizado é perder a racionalidade. O caminho é melhorar o bloco e a agenda da região”, disse.

Apesar de o ministro da Economia, Paulo Guedes, já ter dito que o Mercosul “não era uma prioridade”, a relação dentro do bloco “azedou” depois de os liberais brasileiros verem Alberto Fernández assumir o governo da segunda maior economia do grupo com uma política econômica oposta. Desde então, houve bate-boca entre o presidente argentino e uruguaio na cúpula de março e trocas de farpas entre Guedes e o ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán, na segunda-feira. “Não é só uma questão ideológica. A Argentina hoje tem uma crise de dívida externa”, explica Barral.

A estratégia dos brasileiros agora é convencer os vizinhos a aceitarem que cada país adira às mudanças “quando e se” quiserem. “O ministro chegou a mencionar que, se quiserem daqui a quatro anos acompanhar o Brasil, os argentinos são bem-vindos”, disse o secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Roberto Fendt.

Proposta

O Brasil apresentou sua proposta ao grupo esta semana: reduzir em 10% a tarifa externa comum (TEC) – cobrada no comércio com nações de fora do bloco – e permitir negociações individuais com outros países – a regra hoje é que a negociação de tarifa só pode ser feita em conjunto. O Uruguai concordou e o Paraguai, em termos. Aceitou a redução da TEC para 96% dos produtos, o que deixaria 4% de fora, e foi contra a flexibilização nas negociações de acordos.

A Argentina, porém, vetou as duas propostas e sugeriu a redução da TEC em 10,5% para apenas alguns produtos, basicamente insumos. Sem consenso, uma nova reunião foi marcada para maio. Para Barral, a pressão sobre a Argentina será grande neste ano, com um agravante: o Brasil assume por seis meses a presidência do bloco em julho.

Apesar das declarações fortes de Guedes e Fendt, a avaliação de especialistas é de que a saída do Brasil do bloco é improvável. Fendt chegou a dizer que “o Mercosul está afundando” e que o Brasil não quer “afundar junto”, mas negou veementemente a possibilidade de o País deixar o bloco. Barral avalia ser possível, mas não provável a separação, enquanto Panzini enfatiza os benefícios na manutenção do bloco e alerta para as consequências jurídicas de uma ruptura para o setor privado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.