Nos últimos tempos, o bloco do Mercosul teve uma participação importante e altamente lucrativa nas relações comerciais do Brasil. Essa relevância, no entanto, não tem lhe garantido a atenção devida durante o governo Bolsonaro. Ao contrário: o desinteresse a respeito, os comentários invariavelmente jocosos e o tom de provocação na maioria das propostas oficiais levantadas pelo time do capitão dão a entender que a parceria veio se tornando um entrave, ou mesmo um enfado, para os planos nacionais. A visão oficial equivocada, já que se trata de um bloco que é grande promotor de resultados para o País, pode trazer consequências sérias no futuro. O Brasil, em meio a essa postura displicente com os negócios vizinhos, acaba de assumir a presidência temporária desse tratado de mercado comum, com enormes desafios e polêmicas difíceis para driblar. O Uruguai, por exemplo, ensaia uma espécie de rebelião e comunicou no último encontro de cúpula, dias atrás, que irá romper com a regra que proíbe integrantes do bloco de assinarem acordos comerciais independentes com parceiros de fora. Essa conversa com “terceiros”, sem a anuência dos sócios latinos, é uma quebra de paradigma sem precedentes. Na prática equivale a uma senha para que cada um siga por si só daqui por diante. A resolução do Mercosul tomada em 2000 definiu fundamentos básicos de comportamento nesse sentido, estabelecendo que seus membros deveriam sempre “negociar de forma conjunta” qualquer entendimento externo de natureza comercial. Cerca de 21 anos depois, a regra vai sendo revista. O fato é que, dada à celeuma atual, muitos parecem dispostos a seguir a iniciativa uruguaia. A começar pelo próprio Brasil. O presidente Bolsonaro já sinalizou, e pediu aos seus embaixadores para transmitirem aos demais, que é favorável sim a flexibilização nos negócios externos. O ministro Paulo Guedes vai no mesmo caminho e propôs algo além: pregou, não sem muita resistência, a redução dos impostos cobrados por mercadorias que vêm de parceiros fora do bloco. Assunto ainda pendente, gerando críticas de muitas companhias envolvidas. O governo uruguaio fala em “modernização” dos processos, tornando a agenda de negociações externas mais “substantiva, ágil e flexível”. É inegável o clima de animosidade que paira sobre os líderes representantes do bloco no momento. Bolsonaro, por exemplo, está em franca rota de colisão com o presidente argentino, Alberto Fernández, a quem julga ser um esquerdista que atrapalha seus objetivos de pregação de uma onda da direita na região. No recente encontro de cúpula dos chefes de Estado, Bolsonaro chegou a alfinetar o colega, dizendo que os brasileiros venceriam os argentinos por 5×0 no campo, na Copa América. Como visto, deu o contrário. A seleção de Fernández derrotou os canarinhos. No terreno das conversas comerciais, a pressão é enorme. Os argentinos não engolem a ideia de redução da TEC (a Tarifa Externa Comum) para 20%, como prega Guedes. O Brasil, no retorno à liderança do Mercosul, deixou claro que não deseja ficar “amarrado a três parceiros”. Alega querer abrir ainda mais a economia doméstica. Mas mesmo internamente o tema é polêmico. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou nota em que manifesta preocupação sobre as tensões criadas no âmbito do bloco. Alega que o Mercosul precisa de “ajustes e aperfeiçoamentos”, mas não da forma como vêm sendo pensados. No atual momento de decisão, o sonho de um mercado comum latino-americano parece mais em xeque do que nunca.

Carlos José Marques, diretor editorial