Jürgen Ziegler nasceu em Stuttgart, na Alemanha, há 51 anos, mas está há tanto tempo fora de casa que reflete um pouco antes de responder se já perdeu o “jeito”  alemão de ser. “Às vezes me sinto meio chinês, meio turco. 

 

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Jürgen Ziegler, presidente da Mercedes-Benz no Brasil: ”A Mercedes precisa fazer muito mais do que fazemos atualmente”

 

Agora, acho que sou meio brasileiro”, diz, com um português titubeante. Há dez meses Ziegler desembarcou no País para assumir o comando da Mercedes-Benz do Brasil. 

 

Veio direto da Turquia, onde passou os quatro últimos anos. Antes disso, comandou as operações chinesa e indiana. Ziegler está tomando aulas de português, já aprovou a culinária local e aprendeu a gostar de caiprinha – “só de vez em quando e fora do escritório”, apressa-se em dizer. 

 

Apesar da leveza no tom, o executivo sabe que sua missão é árida.  Nos últimos anos, a competição se tornou mais acirrada. Com a estratégia de introduzir no mercado produtos que se adequavam à realidade brasileira, a Volkswagen passou a ameaçar a liderança da Mercedes. 

 

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Em 2008, a Volks se tornou líder na categoria de caminhões acima de cinco toneladas, quebrando uma hegemonia de 50 anos da Mercedes. Em 2009, de acordo com dados da Anfavea, a agora MAN( que comprou a divisão da Volkswagen do Brasil) superou a Mercedes no mercado como um todo (incluindo caminhões de todas as categorias). 

 

Pouco tempo depois de desembarcar no Brasil, Ziegler confirmou sua fama de executivo ousado. Ao estudar o desempenho da empresa em áreas diferentes, concluiu que não fazia sentido manter uma planta de automóveis que fabrica um modelo, o Mercedes CLC, que não vende mais que 600 unidades por ano. 

 

“Esse volume não justifica uma planta”, diz Ziegler. Resultado: a partir de novembro, o modelo passará a ser importado da Argentina e a fábrica de carros de Juiz de Fora, em Minas Gerais, será convertida em uma montadora de caminhões. 

 

“Vamos continuar apostando no mercado de automóveis, mas apenas com a importação”, afirma o presidente da companhia. Segundo ele, a eficiência dessa estratégia foi comprovada pela nova coqueluche da Mercedes, o pequeno Smart, que já vendeu 1,2 mil unidades desde abril do ano passado, quando chegou ao mercado brasileiro. 

 

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“Minha missão é ver o que temos e o que precisamos fazer para atender à demanda no mercado de caminhões pelos próximos dez anos”, diz Ziegler. “Posso garantir que precisamos muito mais do que o que possuímos atualmente.” Ou seja: daqui para a frente, a prioridade da subsidiária brasileira será o negócio de caminhões. 

 

Ziegler sequer desfez as malas quando desembarcou em São Bernardo do Campo, sede da Mercedes no Brasil, em outubro passado. A primeira providência foi visitar a rede de mais de 200 concessionários e os principais clientes da empresa. 

 

Descobriu que a marca é sinônimo de qualidade, mas também ouviu que a companhia precisa ser mais ágil e estar mais próxima do mercado.“Você pode ter o melhor produto do mundo, mas, se não estiver focado na necessidade do consumidor, pode vender uma vez, mas não duas.”  

 

Entre as medidas adotadas de imediato por ele, está a revisão de todos os contratos de manutenção de caminhões. O objetivo é fazer com o que os veículos passem o menor tempo possível sem operar – a exemplo do que acontece na aviação, no ramo de caminhões ficar parado significa perder dinheiro. 

 

Ziegler determinou que sua equipe desenvolva estratégia de vendas para veículos usados. Uma novidade nesta área é a criação de certificações de procedência e de garantia de qualidade dos caminhões de segunda mão da marca. “Vamos oferecer soluções completas, desde carrocerias com especificações técnicas para a necessidade de cada um até pintura customizada da frota”, diz o presidente.  

 

O executivo sabe que, sozinho, não dará a guinada que a companhia precisa. Por isso mesmo, tratou de conquistar mentes e corações dos funcionários. Algo raro no setor, ele é um presidente muito próximo ao chão de fábrica, embora não seja engenheiro por formação – é economista e administrador de empresas. 

 

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Logo que assumiu, fez questão de se apresentar a cada um dos 350 profissionais que trabalham na sede. “Não é só trocar o comando. É preciso mostrar quem está no comando”, resume ele. Andando pelos corredores da companhia, Ziegler mais parece um relações públicas do que o presidente e CEO da empresa. 

 

Como se fosse apenas mais um colega de trabalho, cumprimenta a todos que encontra pelo caminho e, muitas vezes, troca algumas palavras com o subordinado, independentemente do cargo que ele ocupa. 

 

“Para mim, uma das coisas mais importantes é falar diretamente com as pessoas”, diz Ziegler. “Parece simples, mas não é. Às vezes, noto que algumas pessoas ficam com medo de falar comigo.”  

 

Na Turquia, Ziegler comandou a implantação na fábrica da Mercedes do sistema Lean – criado no pós-guerra japonês pela Toyota e que consiste na redução de estoques e no aumento da produtividade – e já começou a adotar o mesmo modelo de gestão por aqui. 

 

“Na Turquia, reduzimos o tempo médio dos processos entre 15% e 20%. Não será diferente aqui. A empresa precisa ser mais eficiente.” Iniciativas como essa revelam como Ziegler está mudando a cara da Mercedes-Benz do Brasil. Mas não apenas porque é simpático ou porque está desenvolvendo um jeito brasileiro de ser em uma empresa com forte DNA alemão. 

 

Acima de tudo, sua missão é levar a companhia de volta ao topo num mercado que deve crescer 40% em 2010. “O movimento da Mercedes-Benz é uma resposta ao aumento da concorrência no setor. Veremos, no curto e médio prazos, a chegada de muitas marcas, inclusive as chinesas”, afirma o consultor José Rinaldo Caporal, da Megadealer Auto Management. 

 

Além de uma competição mais acirrada, o consultor André Beer, ex-presidente da Anfavea e que por mais de 40 anos trabalhou na General Motors do Brasil, acredita que a companhia comandada por Ziegler precisa de fato mudar sua imagem de empresa distante. “Pelo que acompanho do mercado, a Mercedes-Benz sempre teve fama de inflexível e até de arrogante.” 

 

A despeito dos resultados que venha a alcançar, Ziegler já entrou para a história da subsidiária brasileira porque, pela primeira vez em 57 anos de Mercedes-Benz no Brasil, a empresa recorreu ao BNDES e tomou R$ 1,2 bilhão emprestado.  O dinheiro está sendo investido na ampliação da fábrica de São Bernardo do Campo – cuja capacidade passará das atuais 65 mil unidades para 80 mil unidades. Já em Juiz de Fora, a produção inicial será de 50 mil unidades por ano.   

 

Amante dos esportes – ele jogou futebol no Stuttgart por quase 20 anos –, Ziegler pratica natação com impressionante regularidade. Por mais que a agenda esteja lotada e exija compromissos logo cedo, reserva pelo menos 30 minutos todos os dias para pular na piscina.  

 

“Acordo cinco e meia da manhã e nado. São os meus 30 minutos, o momento em que aproveito para me desligar dos problemas.” Na verdade, ele desliga mais ou menos. Quem trabalha próximo a Ziegler confidencia que é fácil saber a hora em que ele sai da piscina. É quando os smartphones da companhia começam a receber mensagens com as ideias que surgiram enquanto o presidente da Mercedes dava suas braçadas. 

 

Ele só parece indeciso quanto a um prosaico dilema. “Toda vez que visito um cliente ou revendedor, me dão a camisa de um time brasileiro. Já tenho 15 camisas na coleção, mas não decidi para que time vou torcer no Brasil.”