Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central americano, pode afirmar que realizou um trabalho excelente durante a pandemia. Na quarta-feira (3) ele anunciou o encerramento do maior programa de estímulo econômico da história recente, que injetou mais de US$ 4 trilhões apenas na economia americana em pouco mais de 18 meses, e conseguiu fazer isso sem provocar maiores solavancos no mercado.

Powell anunciou que vai reduzir as compras mensais de títulos americanos pelo Fed, atualmente em US$ 120 bilhões por mês. O corte será de US$ 15 bilhões mensais, começando já em novembro, até o encerramento total do programa em meados do ano que vem.

Um banqueiro central que anunciasse uma alteração tão drástica nos fluxos de capital para dentro e para fora do mercado provocaria ondas de choque ao redor do globo. Os pregões seriam interrompidos. Bancos mais frágeis e fundos mais alavancados teriam problemas e poderiam até quebrar. E os cálculos de banqueiros centrais e de ministros das Finanças em inúmeros países teriam de ser refeitos. No entanto, as declarações de Powell foram um não-evento.

O índice de ações americano S&P 500 fechou com uma leve alta de 0,65% e cravou mais um recorde, a 4.660 pontos. Os índices Dow Jones e Nasdaq também marcaram novos recordes, sendo que este último avançou 1,04% devido aos bons resultados das empresas de tecnologia. A remuneração dos títulos referenciais de dez anos do Tesouro americano permaneceu praticamente inalterada, a 1,5735% ao ano.

Essa ausência de surpresas permitiu à grande maioria dos participantes do mercado, cada qual seguindo sua estratégia, terem tempo para se posicionar de maneira a enfrentar o esvaziamento gradual do pacote de ajuda sem que isso provocasse solavancos nos preços.

A razão para tanta tranquilidade é que Powell foi extremamente competente na gestão das expectativas. Ninguém se surpreendeu quando ele confirmou que o Fed iniciaria a redução das compras de títulos públicos e hipotecários ainda neste mês de novembro. Da mesma forma, o valor da redução mensal não foi algo inesperado. E Powell reiterou que ainda não é o momento de elevar os juros americanos. O mercado temia esse ajuste, pois o aumento do custo do dinheiro em uma situação em que estão todos bastante alavancados já provocou choro e ranger de dentes em momentos passados. Ao descartar a hipótese de alta nas taxas, o principal temor permanece afastado.

Claro, ainda há riscos à frente. A inflação americana permanece bastante acima de sua meta informal de 2% ao ano, o que indica que as taxas de juro deverão subir para ajustar esse percentual. No entanto, o Fed tem sido bastante sensível ao fato de que boa parte da alta de preços nos Estados Unidos decorre de eventos não-recorrentes, como a alta dos preços do petróleo, a desarticulação das cadeias internacionais de comércio e uma fricção no mercado de trabalho. Com a superação desses obstáculos, espera-se que a inflação nos Estados Unidos convirja “naturalmente” para mais perto de sua meta, o que reduzirá a dose necessária de medicamento para curar de vez o doente. Há incerteza, mas pouca. E a convicção de que Powell saberá manejá-la.