Dois números contam bem a mudança das expectativas do mercado financeiro entre dezembro e meados de março. A última edição de 2020 do relatório Focus, levantamento realizado pelo Banco Central (BC), mostrava que os prognósticos para a inflação neste ano eram de 3,32% e previam uma taxa referencial Selic encerrando 2021 a 3%. Na edição publicada na segunda-feira (8), essa projeção havia subido para 3,98% e a estimativa da Selic avançara para 4% ao ano. Em termos absolutos, esses percentuais não parecem ser assim tão diferentes. Na prática, porém, eles indicam uma deterioração das expectativas. Na quinta-feira (11), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou uma alta inesperada de 0,86% no IPCA de fevereiro. Agora, o índice que serve como parâmetro para as metas fixadas pelo BC acumula uma alta de 5,20% em 12 meses. Nos 12 meses até janeiro, a variação acumulada dos preços era de 4,56%.

Essa aceleração inesperada provocou uma forte alta nos juros no mercado futuro. Na manhã da quinta-feira, os contratos com vencimento em janeiro de 2022, que indicam a projeção para os juros no fim deste ano, eram negociados com uma taxa de 4,09%. Ou seja, mais do que o dobro da Selic corrente. Para prazos mais longos, a diferença é ainda maior. Os contratos com vencimento em janeiro de 2023, que indicam os juros previstos para o fim de 2022, são cotados a 5,91%, quase o triplo da Selic.

O aumento dos preços dos combustíveis e dos alimentos devido à alta do dólar pressiona o IPCA, que chegou a 5,20% em 12 meses

Os profissionais do mercado dão como inescapável uma elevação dos juros para conter a inflação, apesar de a economia estar longe de mostrar sinais de aquecimento. Entre terça-feira (16) e quarta-feira (17), o Comitê de Política Monetária (Copom) fará sua segunda reunião de 2021. E crescem as expectativas dos investidores sobre o comportamento da autoridade monetária: os juros vão começar a subir, resta saber quando.

Esse fenômeno não se restringe ao Brasil. Nos Estados Unidos, as taxas dos títulos do Tesouro de dez anos vêm rondando a marca psicológica de 1,6% ao ano, após passarem vários meses abaixo de 1,3%. As diferenças, de novo, parecem pequenas. No entanto, no trilionário mercado de títulos do Tesouro americano, qualquer centésimo de ponto percentual representa bilhões de dólares.

PREOCUPAÇÃO O comportamento das taxas de juros no mercado futuro, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, reflete uma preocupação crescente dos investidores com relação ao comportamento da inflação. Lá como aqui, inúmeros indicadores econômicos mostram uma aceleração dos preços. A causa é diferente, porém. Nos Estados Unidos, os preços sobem pela gradativa volta da atividade econômica e pela inundação de recursos no mercado. Ambos os fatores pressionam os preços para cima. Em suas declarações mais recentes, Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tem reforçado que o Fed será capaz de conviver com uma inflação um pouco mais elevada durante algum tempo para não interromper prematuramente a recuperação econômica.

em 31/12/20 a selic prevista para dez/21 era de 3%

em 08/03/21 a projeção subiu para 4%

Aqui, porém, o caso é diferente. A inflação vem subindo porque combustíveis e comida estão mais caros, seguindo a apreciação do dólar em relação ao real, e não porque a demanda está aquecida. “A alta do dólar pode aumentar a expectativa de que o Banco Central eleve ainda mais a taxa de juros, além de impactar na inflação”, disse o especialista em investimentos João Beck, sócio do escritório de investimentos BRA. No entanto, a despeito das causas, o remédio amargo é o mesmo: elevar os juros para tentar conter a elevação dos preços.