Os últimos dias de abril foram um momento de turbulência extrema nos mercados de câmbio e de ações. Em poucos dias, tanto o dólar quanto o Ibovespa mudaram de patamar. A moeda americana subiu 7% em pouco mais de duas semanas, e por alguns momentos retornou ao “nível psicológico” de R$ 5,00. E o principal indicador do mercado acionário apresentou um recuo semelhante, perdendo o nível de 110 mil pontos. Foram seis pregões consecutivos em queda, algo que não ocorria desde 2016, época do impeachment de Dilma Rousseff.

O que justificou esse movimento abrupto foi a percepção, pelos investidores, que o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, tinha mudado o tom de sua conversa. Desde meados do ano passado, o presidente do Fed, Jerome Powell, vinha dizendo que era preciso retirar os estímulos à economia americana, mas com cuidado. A política monetária expansionista tinha injetado uma onda de liquidez no mercado e vinha pressionando a inflação nos Estados Unidos, que está nos níveis mais altos desde 1981. Mesmo assim, Powell vinha repetindo que o Fed seria cauteloso, de modo a não comprometer a recuperação da economia.

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“Os bancos centrais demoraram demais para retirar os estímulos à economia” João Luiz Mascolo, Economista da SM Futures.

Porém, no dia 21 de abril, enquanto os mercados estavam inoperantes no Brasil devido ao feriado, Powell mudou de ideia. Ele disse com todas as letras que o Fed iria além de uma política monetária “neutra” e que seria firme para baixar a inflação. Com isso, perderam validade as projeções dos especialistas de que os juros nos Estados Unidos iriam subir em suaves elevações mensais de 0,25 ponto percentual. A nova convicção do mercado é que os Fed Funds (equivalentes à taxa Selic no Brasil), atualmente em 0,25% ao ano, deverão encerrar 2022 ao redor de 3%. Esse percentual é muito superior ao esperado anteriormente. “Os bancos centrais demoraram demais para retirar os estímulos”, disse o economista e sócio da consultoria SM Futures João Luiz Mascolo. “E os governos pioraram a situação, transformando gastos transitórios em permanentes, o que aprofundou o desequilíbrio fiscal.”

DEMORA A correção desses problemas poderia ter sido rápida se os estímulos tivessem sido retirados mais cedo. No entanto, a demora em mudar de direção amplificou os desequilíbrios e tornou a inflação um fenômeno estrutural e de correção mais trabalhosa. Isso vale tanto para os Estados Unidos quanto para o Brasil, onde o Banco Central (BC) manteve os juros em 2% ao ano por quase um ano e, em seguida, elevou as taxas para 11,75%. E como o mercado costuma antecipar as expectativas e amplificar o efeito das decisões, o dólar se apreciou em relação a quase todas as moedas mundiais, e o real não foi uma exceção.
Há um complicador adicional no caso das ações. Ao contrário do que ocorre em mercados desenvolvidos, a Bolsa brasileira é muito ligada ao setor de commodities, com Petrobras e Vale respondendo por quase 25% do Ibovespa. A Vale divulgou seus resultados na quarta-feira (27). O lucro ficou acima do esperado, mas os preços do minério de ferro caíram 15,1% em dólares no primeiro trimestre, em relação ao mesmo período de 2021.

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“As expectativas de inflação são altas para 2022 e 2023, por isso é difícil imaginar que o BC faça um ajuste menor na reunião do Copom em maio” Cristiane Quartaroli, Economista do Banco Ourinvest.

A má notícia é que isso deve continuar. Segundo a economista do banco Ourinvest, Cristiane Quartaroli, além do cenário internacional incerto os investidores terão de enfrentar as incógnitas por aqui. “As expectativas de inflação são altas para 2022 e 2023, por isso é difícil imaginar que o BC faça um ajuste menor na reunião do Copom em maio”, disse ela.
O teto da meta para este ano, com a tolerância de 1,5 ponto percentual, é de 5%. A projeção do mercado para o IPCA é de 7,65%. Ou seja, é quase certo que a meta não será cumprida. Para 2023, o teto da meta é 4,75%, e as expectativas já estão em 4%, perigosamente perto do máximo. “O BC não entregou a meta de inflação em 2021, não vai entregar neste ano e há dúvidas se entregará em 2023”, disse Mascolo. “Em um cenário como esse, um mercado volátil é inevitável.”