O mercado de investimentos está prestes a evoluir em algumas poucas semanas uma geração inteira. O anúncio feito pela XP Investimentos de que seus clientes poderão escolher o modelo de remuneração de seus assessores financeiros, mais do que uma simples mudança dentro da maior plataforma de investimentos do País, é um grande sinal do grau de maturidade da própria indústria. No modelo convencional, o agente autônomo recebe comissão de acordo com o produto que ele vende ao investidor. Pela nova opção, que na XP estará disponível a partir do próximo mês, o investidor pode optar por remunerar o agente com uma taxa fixa sobre o total investido. Segundo Gabriel Leal, sócio-diretor da XP Inc, as taxas ainda não estão definidas, mas devem ficar entre 0,5% e 1%, conforme o produto adquirido. “Todos os agentes vão ter de trabalhar dessa maneira”, afirmou.

A taxa fixa, conhecida como fee based, não é novidade. Ela já é utilizada no Brasil. Mas em nenhuma corretora do porte da XP. O objetivo seria dar mais transparência às operações e às motivações dos agentes autônomos. Por meio de nota à imprensa, a XP explicou que “quem escolher pagar uma taxa fixa pelos serviços receberá, em contrapartida, um rebate (devolução) em dinheiro da remuneração que iria para o assessor”. Em um exemplo hipotético, se o cliente escolher a taxa fixa e ela for de R$ 200 para um produto do qual o assessor receberia R$ 100 de comissão, então é feito um abatimento e o investidor paga apenas a metade da taxação combinada naquele mês. A nota informa ainda que para “o cliente que quiser continuar no modelo de comissionamento por produto investido, a XP trará a abertura da remuneração que cabe aos assessores na distribuição de todos os produtos da sua plataforma”. Mais do que oferecer a opção, a XP está oferecendo transparência. Um ativo cada vez mais decisivo no mercado financeiro.

Leal avalia que a decisão da XP pode ter impacto bastante positivo no mercado financeiro caso outras corretoras sigam o mesmo modelo. Em sua opinião, trata-se de um movimento que fortalece os laços de distribuição entre assessores e clientes. “Em nossa leitura, o melhor modelo de remuneração é aquele que o cliente escolhe”, disse.

Se a movimentação da XP terá força para alterar o modo de remuneração no mercado como um todo só o tempo dirá, mas é fato que a própria ação da plataforma se deu após semanas em que os modelos de remuneração foram abertamente discutidos por todo o mercado. O gatilho foi a polêmica gerada por uma campanha publicitária do Itaú Personnalité, que foi ao ar no fim de junho. A peça do banco — que adquiriu 49% do capital da XP, mas com poder limitado de voto — tratava da questão de que o modelo mais comum no mercado (de comissionamento) causaria conflito de interesses com o agente autônomo, entre oferecer um produto financeiro que poderia ser o mais rentável para o cliente ou que geraria a maior comissão para o assessor. A publicidade terminava dizendo que a prática é comum entre as corretoras, mas não no Personnalité.

Apesar de a campanha não apontar o dedo para algum agente do mercado em particular, a XP tomou à frente na defesa do mercado. E, além de não fugir do debate, optou agora por dar mais transparência aos negócios. “A resposta da XP é mostrar que, se existe mais de um modelo, a gente lança também ele e foca ainda mais no cliente”, afirmou Leal. Para Patrick O’Grady, CEO da fintech de investimentos Vitreo, a ação da XP e toda a discussão em torno da forma de remuneração dos assessores aponta para uma verdadeira evolução darwiniana da indústria financeira. O mercado estaria, agora, entrando na indústria financeira 3.0 – cujo foco é o cliente.

A primeira versão (a 1.0) foi criada pelos próprios bancos tradicionais, com uma arquitetura de atuação totalmente fechada, pois o investidor só tinha acesso a produtos financeiros da instituição onde tinha conta. “Além de impor limitações de acesso, é um modelo focado no produto e não no cliente”, disse. “A prática era oferecer ao investidor o produto mais rentável para a instituição.” A versão 2.0 são as plataformas de investimento. Por meio delas, os investidores não ficaram mais presos aos produtos de uma única instituição. O cliente de uma empresa passou a ter acesso a produtos de outras instituições e de diversas corretoras. Mas o foco continuou a ser o produto, assim como na indústria 1.0, porque o agente autônomo precisa ser remunerado de alguma forma. E essa remuneração é feita conforme o tipo de produto, assim como acontece com o gerente do banco.

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“Se o investidor só está comprando títulos do tesouro, por exemplo, não vale a pena escolher a opção de taxa fixa” Luciano Tavares, CEO da Magnetis.

É aqui o turning point. Esse potencial conflito de interesses tende a ser resolvido na indústria de investimentos 3.0. “Ela mantém a diversidade de produtos disponíveis, mas o cliente passa a ser o foco”, afirmou O’Grady. “A ideia é uma relação em que todas as partes ganham e o cliente, satisfeito, mantenha-se fiel à sua corretora.” Apesar de ver de forma positiva toda essa discussão e entender que as mudanças fazem parte de um processo evolutivo, ele tem críticas ao modelo híbrido que a XP quer implantar. “Tenho ressalvas porque boa parte dos investidores não está devidamente informada. Claro que o investidor experiente sabe, mas o leigo depende do assessor. Como isso vai ser controlado?”, disse. A Vitreo, que em junho se transformou numa corretora e iniciou no dia 21 de julho a comercializar fundos de terceiros, optou por adotar o modelo de “cashback”, no qual todo valor pago de rebate para os agentes acima de uma taxa fixa seria redirecionado para o investidor fazer mais aportes dentro da própria plataforma.

O QUE É MELHOR? Tito Gusmão, CEO da Warren, fundada em 2017, pensa da mesma forma e acredita que delegar a decisão ao investidor não é exatamente a melhor solução. Assim como o executivo da Vitreo, Gusmão considera positiva toda essa mudança no mercado e avalia que a polêmica entre Itaú e XP contribuiu para acelerar o movimento, por cauda do porte e da importância de ambos os players, mas lembra que uma quantidade enorme de pessoas investe sem entender bem o mercado financeiro. “Muitos brasileiros não sabem nem que a poupança é ruim. Como vão decidir o que é melhor: se o comissionamento ou a taxa fixa?”.

A discussão não é simples. Luciano Tavares, CEO da Magnetis, ressalta que mesmo sendo mais transparente o modelo de taxa fixa nem sempre é o mais barato. “Se a pessoa só está comprando títulos do Tesouro Direto, por exemplo, não vale a pena escolher a taxa fixa”, disse. Outras plataformas já defendiam essa prática do pagamento fixo, buscando se diferenciar da concorrência. A Warren, desde a fundação, cobra um porcentual único de 0,5% ao ano e deposita o rebate na conta do investidor. A Magnetis, desde 2015, oferece seus produtos com uma única taxa de 0,6% ao ano. E a Guide Investimentos surgiu, em 2013, oferecendo ao cliente um sistema híbrido similar ao anunciado pela XP, sendo que a taxa fixa varia de 0,3% a 1% ao ano. Até por isso, Alexandre Cassiani, gerente comercial da área de agentes autônomos da Guide, acredita que o mercado terá maturidade na forma como o cliente será auxiliado a tomar decisões. “As informações sobre taxas são abertas e a própria corretora tem um trabalho de diligência. Telefonemas são gravados, há um arcabouço regulatório, enfim, o agente tem de agir de forma ética”, disse. “Além do mais, no final, o cliente não perde, só é feita uma substituição na maneira de remunerar o assessor. No entanto, tudo depende de como o modelo é implantado e de sua condução”.

Alguns assessores já têm familiaridade em lidar com a questão. Daniella Rolim, diretora da Flap Capital, que atua dentro da plataforma Guide, disse que cerca de 35% de seus clientes operam na taxa fixa. Em sua opinião, o percentual não é maior por conta da cultura do brasileiro, que não gosta de pagar por um serviço. Daniella defende que a transparência de uma operação no mercado financeiro não depende do modelo de remuneração e sim da conduta de cada assessor. “É uma profissão muito pessoal com tratativa individualizada”, afirma. Para ela, na maioria dos casos, o investidor não tem conhecimento suficiente para analisar.

Já Alexandre Bueno do Prado, sócio-fundador da RJ Investimentos, que opera na XP, disse enxergar a decisão da plataforma como uma forma de inovação, mas acredita que a adesão não será muito alta em um primeiro momento porque, bem ou mal, é confortável não ter custo nenhum. “Por isso acho que vai demorar um pouco para o modelo engrenar”, afirmou. Mas, a expectativa, no fim das contas, é que a transparência maior traga mais evolução de todos os agentes do mercado. E, com isso, o cliente seja, de fato, o mais beneficiado.