Embora acredite na retomada do setor, o líder da entidade que reúne os distribuidores de veículos critica excesso de impostos no valor da gasolina.

O mercado automotivo faz parte da rotina do empresário José Maurício Andreta Júnior. Aos 67 anos, o bacharel em direito comanda um dos principais grupos de concessionárias do País, o Andreta, com 32 unidades de dez bandeiras, entre as quais Ford, GM e VW. Desde o dia 1º de janeiro, ele também dirige a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). A entidade é a voz de 7 mil concessionários de 52 associações de marca, responsáveis por 4,26% do PIB brasileiro e por 300 mil empregos diretos. Em entrevista à DINHEIRO, o paulista de Amparo defende a concentração de revendedores no segmento, além da modernização constante dos serviços prestados, ao mesmo tempo em que critica o excesso de impostos embutidos no valor do litro da gasolina e a demora para a implementação da reforma tributária.

DINHEIRO — Muitos especialistas colocam em xeque o futuro dos concessionários em razão da venda direta já realizada pela indústria. É isso mesmo?
José Maurício — Não. Cada vez mais a geração de emprego no setor será no varejo. Pode esquecer essa história de que não vai ter concessionário. O cliente quer ver o carro, sentir, experimentar. Agora, tente vender a um frotista, a um taxista, para ver a mão de obra que dá. Fizemos trabalhos com a International Car Distribution Programme, uma instituição inglesa que faz pesquisas para o segmento. E a conclusão é de que os concessionários vão existir ao menos pelos próximos 30 anos. A evolução virá, é necessária, e estamos preparados para ela.

Como o sr. analisa a fase atual do segmento?
Fizemos um estudo em 2019. Tínhamos 4.011 pontos de vendas no Brasil, entre automóveis e comerciais leves, e 1.382 grupos de concessionários. Realizamos outro estudo em 2021 e descobrimos que o número de pontos se manteve, mas houve diminuição de 345 grupos. A concentração aumentou. O segmento mostra evolução, com tecnologia, gestão a distância e desenvolvimento de equipe. Quem conseguiu e teve essa evolução vai continuar. Quem não conseguiu, ou fica na vida dele ou deixa o negócio. Em 27 anos, montei 30 revendas. A evolução é constante e necessária.

Quais os maiores benefícios dessa concentração? Ela não reduz a competitividade?
O custo vai baixar e o consumidor ganhará com isso. Vai ter um grupo mais profissional, mais atualizado, com custos menores para operar, prestando melhor serviço.

“O Brasil dava prejuízo havia muitos anos para a Ford, que fez a escolha de trabalhar com produtos premium. A marca indenizou os concessionários” (Crédito:Divulgação)

Apesar das vendas em queda, que mudanças recentes do setor merecem ser destacadas?
Primeira coisa: a tecnologia do automóvel. Não se pode comparar um carro de 1990 com um de hoje. Antes, se fazia a revisão de um Fusca a cada 1,5 mil quilômetros. Hoje, o cliente faz a revisão a cada 10 mil quilômetros. A qualidade do automóvel mudou. A concessionária tem de acompanhar. Em 1990, havia um computador com cinco terminais. Era chique. Agora, para se ter uma ideia, possuo 800 terminais no meu grupo. Enxergo da minha sala todas as revendas. Até pelo celular. A eficiência da parte contábil é outro destaque. Tenho uma contabilidade e um financeiro que fazem todas as minhas concessionárias.

E o que mudou no comportamento do cliente da década de 1990 em relação ao atual?
Hoje, o problema todo é a fidelização de clientes. A pessoa tem que se sentir na concessionária como se estivesse em casa; que o preço que está pagando é justo; que a qualidade do serviço é perfeita. Então, o nosso foco é a satisfação do consumidor. Somos um centro de serviços de mobilidade. É a evolução. O padrão de qualidade hoje é completamente diferente do que existia havia 20, 30 anos. Isso já é uma adaptação.

Quais as tendências para as concessionárias?
Antes havia uma unidade com 20 mil m2 de terreno e 10 mil m2 de área construída. Hoje, isso virou um complexo. O tamanho do showroom diminuiu. É tudo mais mais eficiente… Muitos grupos estão utilizando um mesmo imóvel para duas, três marcas. O objetivo, atualmente, é reduzir o custo para poder trabalhar com menos margem. Quem fizer isso mais rapidamente, vai ter maior sobrevivência e melhor retorno financeiro.

O que a chegada dos modelos eletrificados muda no trabalho realizado pelas revendas?
O motor de um carro a combustão tem até 4 mil peças. De um elétrico, são 50. Agora pergunto: quantas vezes abro um motor em uma concessionária? Quase nenhuma. Acho que a manutenção vai continuar do mesmo jeito. O carro elétrico é uma realidade. Alguns países usarão mais o modelo. No Brasil, temos o biocombustível, que é um negócio fabuloso pela extensão territorial e pelo uso que fazemos do automóvel. Para mim, o modelo híbrido é muito mais viável. Se você pegar o ciclo, o carro flex praticamente zera o CO2.

Um ano depois, o que pode dizer sobre o fim da produção da Ford no Brasil e o impacto nas concessionárias?
A marca tomou a decisão estratégica de fechar algumas operações que davam prejuízo pelo mundo. O Brasil dava prejuízo havia vários anos. Outras montadoras estão fazendo a mesma coisa [a Mercedes-Benz encerrou a produção em Iracemápolis, no interior paulista, em 2020]. E a Ford fez a escolha de trabalhar com produtos da linha premium. No caso das concessionárias, adaptei as que eu tinha da marca. Eram quatro. Fechei duas, atualizei as outras duas para o padrão novo, e a Ford me deu mais uma. Fiquei com três, que praticamente fazem o mesmo resultado das quatro.

A montadora deu suporte aos concessionários?
Eles indenizaram aqueles que saíram. Com o dinheiro que recebi pelas duas unidades que decidi fechar eu capitalizei a empresa. A concessionária ficou mais bonita, elitizada, para o mercado que querem atingir.

Acredita que outras devam sair, a exemplo da Ford e da Mercedes-Benz?
Tudo é possível. A realidade é a seguinte: a indústria não vai perder dinheiro. Se vai perder, fecha. Senão, ela quebra lá na frente. É o mesmo caso da concessionária. Se estiver dando prejuízo, fecha, porque depois você não recupera mais.

O mercado brasileiro convive com queda na produção e nos emplacamentos. Qual o impacto disso nas revendedoras?
O volume de vendas deu uma caída com a pandemia. Para este ano prevemos um crescimento de 5,2% para o setor como um todo e de 4,4% para automóveis e comerciais leves. Avaliamos esses números a cada três meses. O que acontece hoje é que vivemos um problema mundial, brasileiro e no setor. Por exemplo: falta de componentes. Não é só o chip. É o chip e mais 800 itens. São 5 mil para produzir um carro. Se faltar um parafuso, não se monta o automóvel. Há problema de logística, de contêiner, de porto. Espero que tudo volte à normalidade.

A solução deverá ser localizada ou global?
No mundo, no Brasil e no segmento. Isso ocorrendo a confiança volta, os investimentos voltam. Se estiver tudo normal, o mercado cresce e retoma os patamares anteriores. Imagino que entre 2025 e 2027 a gente retorne para os 5,6 milhões de emplacamentos em todos os segmentos, como em 2012, que foi o pico. Estamos prevendo este ano 2 milhões de carros e comerciais leves.

Qual a relevância do mercado de usados?
O segmento cresceu muito no ano passado em decorrência da falta de produtos zero. Acho que havendo a normalização desse mercado o número de usados voltará ao patamar normal. No caso das concessionárias, os usados são um business importante. Aceitamos na troca e compramos também.

“O Brasil dava prejuízo havia muitos anos para a Ford, que fez a escolha de trabalhar com produtos premium. A marca indenizou os concessionários” (Crédito:Danilo Verpa)

Com aumento dos juros, da inflação e do dólaro que dá para prever para este ano no mercado brasileiro?
É um ano atípico. Nunca tivemos um ano assim, com Ômicron, eleição presidencial e falta de componentes. Por isso, teremos estudos técnicos a cada 90 dias. Antes prevíamos com bastante antecedência. Hoje não dá. Pode mudar do dia para a noite. Para melhor ou para pior. É difícil prever qualquer coisa em 2022.

As montadoras têm buscado a exportação para equilibrar as contas, mas reclamam do custo Brasil. Como analisa a situação?
Acho que isso será resolvido com a realização da reforma tributária e da reforma trabalhista. Que não foram feitas por uma questão política. E, independentemente de quem sentar na cadeira de presidente em 2023, será preciso fazer. Não tem como. O custo Brasil hoje atrapalha demais.

Acredita que os preços dos carros voltarão aos patamares pré-pandemia?
Não. O negócio mudou. A gama de carros está cada vez mais enxuta e os componentes mais caros. Quanto custava um contêiner para vir ao Brasil? Hoje está 20 vezes mais caro. É uma situação mundial. A montadora vai fazer, mas o custo virá. Não acredito que os preços baixem.

A Stellantis foi formada a partir da união da Fiat com a Jeep, a Peugeot e outras marcas. A Aliança é fromada pela Nissan, Mitsubishi e Renault. O senhor vê como tendência a união de montadoras em busca de eficiência, redução de custos e melhores resultados?
É a mesma situação enfrentada pelas concessionárias na atualidade. A indústria automobilística terá a mesma concentração de grupos. Esses grupos vão precisar de menos fábricas, menos mão de obra. É uma tendência. Tanto as montadoras como os concessionários fazendo a mesma coisa, seguindo para o mesmo caminho.

E o que pode dizer sobre o valor dos combustíveis?
A Petrobras não é mais estatal. Tem ação em bolsa. Tem compliance. Não pode repetir o que fazia antigamente. O que precisa haver é uma redução de impostos. Não é possível pagar metade do preço da gasolina em impostos. É uma coletoria.