A popularidade do presidente Jair Bolsonaro atingiu em abril seu menor patamar em 16 meses de governo. O motivo é a condução do País frente aos desafios trazidos pela Covid-19. Com 42% dos brasileiros considerando a atual gestão como ruim ou péssima, caiu para 32% os que consideram o governo ótimo ou bom. Em vez de acalmar os ânimos, o presidente da República segue com suas falas polêmicas. E colocou na linha de tiro o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, figura que detém o dobro de aprovação de Bolsonaro junto à opinião popular.

Segundo pesquisa revelada na última semana pela XP Ipespe, o ministro da Saúde soma 68% de aprovação quando o assunto são as ações para conter o avanço do novo coronavírus. A avaliação de 82% dos entrevistados é de que o isolamento social se faz necessário para diminuir a propagação do vírus. A tese, defendida pelo ministro, se opõe à opinião de Bolsonaro, para quem o chamado isolamento vertical pode diminuir as perdas econômicas em um momento tão delicado para a arrecadação pública. “Bolsonaro perde a chance se colocar ao lado dos mais pobres e, dessa forma, capitanear as eleições de 2022, que é claramente o objetivo dele”, afirma Celso Cardoso, professor de gestão pública na Universidade Federal do ABC (UFABC).

Com essa postura, avalia o acadêmico, a perda de popularidade continuará, principalmente entre os mais pobres e aqueles que estavam “cansados das gestões petistas e seus paradoxos”. A relação com o ministro da Saúde, que deveria ser o principal aliado do presidente neste momento, já vinha tensa por algumas semanas, mas ganhou escala ainda maior quando Bolsonaro afirmou que alguns membros do governo estavam “se achando” e que a hora deles iria chegar. “Minha caneta ainda funciona e não tenho medo de usá-la”, disse o presidente.

Sem citar Mandetta, o mandatário tornou pública uma disputa interna, que ganha contornos ainda mais fortes, já que o ministro também foi deputado federal pelo DEM e é amigo pessoal de Ronaldo Caiado, governador de Goiás, que na última semana de março rompeu com Bolsonaro. Questionado sobre a “alfinetada”ao vivo, Mandetta se limitou a dizer que “estava dormindo” e não tinha acompanhado a fala do chefe.Ciente da sua aprovação junto à opinião pública, entidades da saúde e até da oposição, Mandetta desafiou a própria sorte e manteve firme as posições no enfrentamento ao coronavírus, mesmo após a ameaça de Bolsonaro.

Lastreadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), as falas do ministro funcionaram como um tiro na popularidade do presidente. “Quando Sérgio Moro (Justiça) e Paulo Guedes (Economia) tinham mais holofotes do que o presidente, ele cortou o espaço deles”, afirma o professor Cardoso. “O problema é que, com Mandetta, há mais interesse da população em ouvi-lo, e cada vez que ele falar mais vai expor a falta de embasamento de Bolsonaro sobre o combate à Covid-19.” E a situação se complicou na semana passada, qundo o clima de tensão entre Bolsonaro e Mandetta aumentou.

DE PLANTÃO: Depois de ameaçado de exoneração, o ministro Luiz Henrique Mandetta disse que continuará no cargo. “Como médico, não abandono um paciente” (Crédito: Evaristo Sa/afp)

O motivo também foram as redes sociais: o ministro havia entrado ao vivo, dias antes, em uma live da dupla sertaneja Jorge e Mateus, com mais de 1,5 milhão de espectadores, para falar sobre o combate à doença. A ação, na visão de Bolsonaro, feriu o combinado com o Palácio do Planalto, que vinha blindando o ministro de aparições públicas. Com isso, Bolsonaro teria comentado com aliados que assinaria a exoneração de Mandetta, cogitando, inclusive, a condução de Osmar Terra, ex-ministro da Cidadania, ao cargo.

REUNIÃO E MILITARES “Mandetta combina uma coisa com o presidente e faz outra. Isso deixou a relação dos dois em um ponto insustentável”, afirmou um interlocutor do governo na Câmara. No final da tarde de segunda-feira 6, Mandetta e Bolsonaro se encontraram e, após a reunião, o ministro afirmou que não deixaria o governo. “Médico não abandona paciente. E eu não vou abandonar”, disse. Ele confirmou a tensão com o presidente, ao dizer que o dia havia sido “difícil de trabalhar”, e sinalizou que toda a sua equipe também deixaria o governo caso ele saísse. A decisão de manter Mandetta parecer ter ocorrido à revelia do presidente e decidida por seus auxiliares fardados, caso dos militares Walter Braga Neto (ministro da Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (de Governo), que convenceram o presidente a adiar a decisão. Não haveria espaço para a mudança de uma peça tão importante como essa neste momento. E Mandetta, que também é político, sabe bem disso.