16/10/2020 - 13:30
À primeira vista, a disparada do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) nos últimos meses é um motivo de comemoração para os investidores de fundos imobiliários. Calculado pela Fundação Getulio Vargas, o índice é usado como referência para reajustes de contratos de alugueis e de financiamento de compra de imóveis. Nos últimos meses, devido à alta do dólar, esse indicador disparou. Na ponta do lápis, a alta em 12 meses até 10 de outubro é de 19,45%. Ou seja, um aluguel que esteja para ser renovado poderá subir quase 20%, para juros que estão em 2% ao ano. Isso representa potencialmente mais ganho para os fundos, que são proprietários dos imóveis, e mais dividendos aos investidores. Hora de apostar pesado nessas aplicações cujas cotas são negociadas em bolsa?
Calma. Não é porque o IGP-M disparou que o rendimento dos fundos vai subir automaticamente. Um dos principais motivos é que esse não é o único indexador dos contratos de aluguel. Se houver outros índices, como o IPCA, por exemplo, o reajuste será menor. Até setembro, data mais recente disponível, o IPCA acumulado em 12 meses registra uma inflação de 3,14%, muito abaixo da variação do IGP-M. Também pode haver cláusulas que limitam o reajuste. E há outras questões. “Não sabemos se o gestor conseguirá repassar totalmente a variação do IGP-M, ou até se deixará de reajustar para não perder o locatário. O investidor tem de estar consciente dessas possibilidades”, disse Bruno Benassi, analista da Levante Ideias de Investimentos.
“Não sabemos se o gestor conseguirá repassar totalmente a variação do IGP-M, ou até se deixará de reajustar para não perder o locatário” Bruno Benassi, da Levante ideias de investimentos.
Apesar do aquecimento do segmento residencial, o mercado imobiliário não está tão favorável quando o assunto são as lajes corporativas. Com a economia enfraquecida, muitas empresas encerraram suas atividades ou apostaram pesado no home office para reduzir os riscos de contaminação e os custos. Isso pode elevar a taxa de vacância e a inadimplência, o que aumenta a munição do inquilino na hora de renegociar o contrato. Para Benassi, a implantação do home office fará com que o retorno financeiro dos fundos de lajes corporativas, voltados à locação de espaços em edifícios comerciais, demore mais para chegar. “Eu acredito que os fundos de logística estejam em uma situação mais favorável para reajustar”, disse o analista. Sócia da gestora de fundos Habitat Capital Partners, Camila Almeida comentou que tem visto muita gente comemorando a alta do IGP-M sem se dar conta de que isso pode afetar a saúde das carteiras. “O investidor pensa apenas em um dividendo mais alto, mas tem de ficar atento ao que está acontecendo ao fundo.” Se começar a haver inadimplência, é um mau sinal, avalia.
Os especialistas dizem que quem deseja investir agora precisa prestar atenção ao preço das cotas. Segundo o gestor de fundos da XP Investimentos André Massetti a alta do IGP-M se refletiu nas cotações assim que o percentual do índice foi divulgado. “A pessoa pensa que ainda vai surfar na alta, mas já comprou a cota com valor mais alto”, disse ele. Sua sugestão é verificar qual o potencial de alta que o ativo ainda possui. Já o investidor que já possuía esses fundos em seu portfólio e notou uma alta das cotas tem de pensar duas vezes antes de vender e realizar o lucro. “O fundo pode ter subido, mas ainda ter potencial de valorização”, disse Massetti. “Além disso, com os juros muito baixos, é difícil achar bons investimentos.”
RENEGOCIAÇÕES Quem conhece o setor prevê uma boa dose de estresse à frente. “Imagine reajustar o aluguel nesse percentual de uma só vez. Será uma conversa difícil entre o inquilino e o proprietário”, disse o advogado Carlos Ferrari, sócio do escritório Negrão Ferrari. Mas ele afirma que, para a maioria dos casos, o conselho é o de negociar antes de rescindir ou buscar a Justiça. Alguns investidores vinham tentando se proteger dessa incerteza por meio dos fundos imobiliários que possuem contratos atípicos. São contratos com duração acima de dez anos, e multas elevadas em caso de desistência. Em tese, esses fundos não permitem ao locatário renegociar o contrato, o que garante a rentabilidade. Aqui, porém, vale o “em tese”. Em julho, o banco Santander buscou alterar na Justiça os valores do contrato de locação de 28 agências bancárias que pertencem ao fundo imobiliário Rio Bravo Renda Varejo (RBVA11). A Rio Bravo barrou a alteração, mas o processo ainda não foi encerrado. A ação preocupou os investidores, mas a expectativa é que prevaleçam as cláusulas contratuais. Procurados, Santander e Rio Bravo não comentaram.