À primeira vista, a disparada do Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M) nos últimos meses é um motivo de comemoração para os investidores de fundos imobiliários. Calculado pela Fundação Getulio Vargas, o índice é usado como referência para reajustes de contratos de alugueis e de financiamento de compra de imóveis. Nos últimos meses, devido à alta do dólar, esse indicador disparou. Na ponta do lápis, a alta em 12 meses até 10 de outubro é de 19,45%. Ou seja, um aluguel que esteja para ser renovado poderá subir quase 20%, para juros que estão em 2% ao ano. Isso representa potencialmente mais ganho para os fundos, que são proprietários dos imóveis, e mais dividendos aos investidores. Hora de apostar pesado nessas aplicações cujas cotas são negociadas em bolsa?

Calma. Não é porque o IGP-M disparou que o rendimento dos fundos vai subir automaticamente. Um dos principais motivos é que esse não é o único indexador dos contratos de aluguel. Se houver outros índices, como o IPCA, por exemplo, o reajuste será menor. Até setembro, data mais recente disponível, o IPCA acumulado em 12 meses registra uma inflação de 3,14%, muito abaixo da variação do IGP-M. Também pode haver cláusulas que limitam o reajuste. E há outras questões. “Não sabemos se o gestor conseguirá repassar totalmente a variação do IGP-M, ou até se deixará de reajustar para não perder o locatário. O investidor tem de estar consciente dessas possibilidades”, disse Bruno Benassi, analista da Levante Ideias de Investimentos.

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“Não sabemos se o gestor conseguirá repassar totalmente a variação do IGP-M, ou até se deixará de reajustar para não perder o locatário” Bruno Benassi, da Levante ideias de investimentos.

Apesar do aquecimento do segmento residencial, o mercado imobiliário não está tão favorável quando o assunto são as lajes corporativas. Com a economia enfraquecida, muitas empresas encerraram suas atividades ou apostaram pesado no home office para reduzir os riscos de contaminação e os custos. Isso pode elevar a taxa de vacância e a inadimplência, o que aumenta a munição do inquilino na hora de renegociar o contrato. Para Benassi, a implantação do home office fará com que o retorno financeiro dos fundos de lajes corporativas, voltados à locação de espaços em edifícios comerciais, demore mais para chegar. “Eu acredito que os fundos de logística estejam em uma situação mais favorável para reajustar”, disse o analista. Sócia da gestora de fundos Habitat Capital Partners, Camila Almeida comentou que tem visto muita gente comemorando a alta do IGP-M sem se dar conta de que isso pode afetar a saúde das carteiras. “O investidor pensa apenas em um dividendo mais alto, mas tem de ficar atento ao que está acontecendo ao fundo.” Se começar a haver inadimplência, é um mau sinal, avalia.

Camila Almeida, da Habitat “O investidor pensa apenas em um dividendo mais alto, mas tem de ficar atento ao que está acontecendo ao fundo”.

Os especialistas dizem que quem deseja investir agora precisa prestar atenção ao preço das cotas. Segundo o gestor de fundos da XP Investimentos André Massetti a alta do IGP-M se refletiu nas cotações assim que o percentual do índice foi divulgado. “A pessoa pensa que ainda vai surfar na alta, mas já comprou a cota com valor mais alto”, disse ele. Sua sugestão é verificar qual o potencial de alta que o ativo ainda possui. Já o investidor que já possuía esses fundos em seu portfólio e notou uma alta das cotas tem de pensar duas vezes antes de vender e realizar o lucro. “O fundo pode ter subido, mas ainda ter potencial de valorização”, disse Massetti. “Além disso, com os juros muito baixos, é difícil achar bons investimentos.”

RENEGOCIAÇÕES Quem conhece o setor prevê uma boa dose de estresse à frente. “Imagine reajustar o aluguel nesse percentual de uma só vez. Será uma conversa difícil entre o inquilino e o proprietário”, disse o advogado Carlos Ferrari, sócio do escritório Negrão Ferrari. Mas ele afirma que, para a maioria dos casos, o conselho é o de negociar antes de rescindir ou buscar a Justiça. Alguns investidores vinham tentando se proteger dessa incerteza por meio dos fundos imobiliários que possuem contratos atípicos. São contratos com duração acima de dez anos, e multas elevadas em caso de desistência. Em tese, esses fundos não permitem ao locatário renegociar o contrato, o que garante a rentabilidade. Aqui, porém, vale o “em tese”. Em julho, o banco Santander buscou alterar na Justiça os valores do contrato de locação de 28 agências bancárias que pertencem ao fundo imobiliário Rio Bravo Renda Varejo (RBVA11). A Rio Bravo barrou a alteração, mas o processo ainda não foi encerrado. A ação preocupou os investidores, mas a expectativa é que prevaleçam as cláusulas contratuais. Procurados, Santander e Rio Bravo não comentaram.