Eles são médicos, unidos “pela verdade” por trás do que chamam de “a narrativa oficial da covid-19”. Garantem que a OMS mente, que as máscaras, a distância social e os testes PCR não servem e que os governos inflam as estatísticas e manipulam os cidadãos. Em poucos meses, eles têm se expandido para uma dezena de países, e se erguem em uma única voz para divulgar teorias da conspiração surgidas na pandemia sem qualquer respaldo científico.

O interesse por esses grupos na internet disparou em 25 de julho de 2020. Em Madri, houve uma coletiva de imprensa para o lançamento oficial do Médicos pela Verdade, inspirado na versão alemã, Doutores pela Iluminação, liderado pelo médico Heiko Schöning. Desde então, grupos similares surgiram em pelo menos nove países da América Latina.

A tarefa destes grupos é definida por eles mesmo em uma epopeia. Com mensagens em que celebram o sentido da responsabilidade pelo futuro da raça humana, convocam a população a “levantar-se contra a tirania médica” das autoridades de saúde, a “despertar” e “vencer o medo”.

A equipe de checagem da AFP tem detectado uma vertente de afirmações falsas e enganosas nos conteúdos difundidos por esses grupos. Apesar disso, são compartilhados milhões de vezes nas redes sociais.

“As teorias conspirativas tendem a prosperar em tempos de crise, quando as pessoas buscam explicar eventos frustrantes, perturbadores ou difíceis”, explicou Karen Douglas, professora de Psicologia Social da Universidade de Kent no Reino Unido à AFP.

O campo de batalha não se limita somente à internet. Suas ideias impactam na saúde pública, quando, por exemplo, convocam a manifestar-se sem o uso das máscaras e sem respeitar o distanciamento recomendado para prevenir contágios em Buenos Aires, Berlim e Cidade do México. Também quando receitam curas falsas contra a covid-19, incluindo o dióxido de cloro, um desinfetante cuja ingestão pode provocar graves prejuízos à saúde.

“Os chamam de negacionistas, mas eles são os maiores especialistas do mundo”, diz um vídeo de apresentação dos Médicos pela Verdade Espanha em seu site na web. Porém, uma rápida visita pela trajetória de alguns de seus integrantes mais destacados revela que são mais reconhecidos por seu ativismo contra a legalização do aborto, das vacinas e por oferecerem tratamentos alternativos, do que por sua perícia médica.

Consultado pela AFP, Daniel Feierstein, sociólogo e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina (Conicet), afirmou: “A ideia de que qualquer opinião tem o mesmo valor, sem a necessidade de um embasamento (científico), faz com que possamos escolher uma realidade que mais nos agrada”.

Para o especialista, o surgimento do Médicos pela Verdade faz parte “de um processo mais geral: o relativismo científico e moral”. Um fenômeno que, detalhando, “vem junto a um posicionamento fanático diante da realidade, que nos leva a ignorar os dados e sustentar as visões maniqueístas e simplistas”.