Após quatro anos como vice-presidente de operações da Arcos Dorados no Brasil, Paulo Camargo recebeu o maior desafio de sua carreira: o de liderar as transformações na subsidiária brasileira da maior rede de fast food do mundo. E ele está conseguindo

Três vezes por semana, Paulo Camargo se dirige a algum dos 975 restaurantes do McDonald’s no Brasil. Ele não gosta de rotina, mas não abre mão de um sanduíche da marca que virou sinônimo de fast food no mundo. Desde 2015, quando assumiu a presidência da Arcos Dorados, franqueadora máster do McDonald’s na América Latina, Camargo tem liderado transformações em diversos níveis. As lojas estão mais modernas, com totens de autoatendimento e mesas interativas para jogos; há opções para todos os tipos de consumidores e uma cultura de serviço que valoriza a liberdade dos seus 50 mil funcionários. A ideia, com isso, é modernizar a relação com o consumidor, sem nunca se esquecer da interação pessoal. “Estamos em busca de um McDonald’s diferente, um McDonald’s melhor”, diz o executivo.

DINHEIRO – O senhor assumiu a presidência da Divisão Brasil da Arcos Dorados no final de 2015, num momento em que a economia brasileira desacelerava. Isso afetou o desempenho do McDonald’s no País?

PAULO CAMARGO – Sem dúvidas. O varejo, de forma geral, sentiu esse impacto a partir do momento zero. As nossas pesquisas identificam que R$ 0,10 hoje pode impactar na decisão de compra. Mas nós estamos no Brasil há 40 anos. Sabemos como as coisas funcionam. Nessas décadas, nós tivemos praticamente um acompanhamento nas vendas das mesmas lojas em relação ao crescimento do PIB. O que aconteceu com a macroeconomia, especificamente nesses últimos anos, afetou a nossa operação, mas nós temos planos de longo prazo. Não serão dois anos de PIB negativo que vão fazer com que mudemos a nossa estratégia. Já estamos falamos de 160 trimestres de crescimento em receita no País. Em julho, nós batemos um recorde: foi o mês em que o McDonald’s Brasil mais vendeu na sua história. Estamos felizes com os nossos resultados, que são frutos de uma estratégia que temos percorrido nos últimos anos.

DINHEIRO – Os últimos anos também ficaram marcados pelo acirramento da concorrência no mercado de fast food, com o crescimento de redes rivais como Burger King e Subway, além do surgimento de novos modelos de negócios. Como tudo isso impactou o McDonald’s?

CAMARGO – Os últimos anos foram os de maior acirramento do mercado, em termos de competitividade. Quase todas as redes estrangeiras grandes chegaram ao Brasil. Nem todas se deram bem. E tivemos também o surgimento dos food trucks e das hamburguerias artesanais. Concorrência é um negócio que, para o consumidor, sempre é bom. E eu não posso esquecer nunca que também sou um consumidor. Então, eu sou a favor da concorrência. A nossa concorrência não é formada apenas por Bob’s, Burger King, Habib’s e Subway, que estão mais próximos de nós em termos de tamanho. A pessoa que come um cachorro-quente da “Dona Maria”, não vai querer comer um Big Mac depois. Mas é importante dizer que nós estamos ganhando market share nos últimos anos. Hoje, para chegar ao tamanho do McDonald’s, em termos financeiros, é preciso juntar os cinco concorrentes que vêm em seguida.

Paulo Camargo recebeu o maior desafio de sua carreira: o de liderar as transformações na subsidiária brasileira do McDonald's. E ele está conseguindo
“Voltamos os nossos investimentos para inovação nos pontos de venda. São alguns milhões de dólares nessa conta” (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – O lucro das lojas caiu nos últimos anos diante do aumento das ofertas promocionais?

CAMARGO – O preço dos nossos produtos, obviamente, acompanha o que acontece no mercado. E hoje nós temos algumas promoções focadas em preço que estão abaixo do que estavam em outro momento. Hoje você come um clássico do McDonald’s por R$ 7,90 ou ele está composto na McOferta por R$ 19,90. Ou você pode comer uma combinação de dois sanduíches por R$ 14,90. Nós temos diferentes soluções para diferentes bolsos e gostos. Isso nos trouxe uma menor rentabilidade? Sim, trouxe uma menor margem percentual. A margem bruta, que é a diferença entre o preço de venda e o preço de compra, caiu percentualmente. Como eu cresci em larga escala, tem mais dinheiro envolvido nessa conversa. E eu tenho outras linhas no meu demonstrativo de resultados para melhorar isso. Nosso Ebitda cresceu 28,1% no segundo trimestre do ano. Ou seja, está funcionando.

DINHEIRO – A maior demanda por produtos saudáveis e naturais deve fazer com que o McDonald’s aposte mais nessa categoria?

CAMARGO – Normalmente, o sanduíche vegetariano se encontra em uma linha de hambúrguer de grão de bico ou de soja. Antes de lançarmos o McVeggie, nós testamos. Nunca tínhamos usado um sanduíche com queijo do tipo coalho no Brasil. Fizemos isso quando lançamos o sanduíche da Copa do Mundo, o McBrasil, e percebemos que foi um tremendo sucesso. Foi o sanduíche mais vendido no período da Copa. As pessoas falavam que era o lanche com mais cara de McDonald’s. Não é um típico vegetariano, mas não tem proteína animal. Hoje, ele tem seu espaço no menu. Não é um sucesso de vendas, mas cumpre bem a sua função.

DINHEIRO – O McDonald’s tem investido em produtos da linha Signature, de maior valor agregado. Como vocês olham para o mercado premium?

CAMARGO – O Signature vem exatamente por entender que tinha uma demanda não atendida. Nós lançamos essa linha com um comercial que tinha um food truck que percorria os parques. E era o food truck que mais vendia. Não levava a marca do McDonald’s, apenas um CH, que são as iniciais de Club House. Percebemos uma tremenda oportunidade. É um produto que tem ingredientes exclusivos, essa pegada mais artesanal, mais gourmet e mais premium. Então, nós o posicionamos numa outra faixa de preço. Antes nós tínhamos um cliente que estava indo nessas hamburguerias para pagar de R$ 50 a R$ 60 em hambúrgueres artesanais, com bebida e batata frita. O McDonald’s trouxe isso por apenas R$ 30. Essa foi a estratégia. Nós estamos no oitavo lançamento de sanduíche da linha Signature.

DINHEIRO – Qual a sua avaliação do atual governo? A economia está demorando para decolar?

CAMARGO – Eu acho que as expectativas de todos eram de um primeiro semestre melhor. Mas as coisas atrasaram um pouco. Nós não podemos esquecer que houve modernização, com a reforma da Previdência e outras reformas que são tão necessárias para modernizar o País. Gostaríamos que as coisas fossem um pouco mais rápidas, mas acho que elas estão acontecendo e eu entendo que tanto o Executivo quanto o Legislativo, na medida do possível, vão caminhar para essa modernização.

DINHEIRO – Por falar em modernização, qual sua expectativa em relação à reforma tributária?

CAMARGO – Eu tenho, provavelmente, uma dezena de pessoas cuidando da área tributária. E todos os dias essas pessoas estão tentando descobrir o que está acontecendo com a legislação de algum estado brasileiro. E todos os dias nós temos que lidar com alterações. É uma legislação complexa demais. É difícil até de compreender. E tem um custo desnecessário. É totalmente burocrático. São 20 legislações diferentes e que mudam a todo instante. Estar em compliance com o sistema tributário brasileiro é uma loucura hoje.

Paulo Camargo recebeu o maior desafio de sua carreira: o de liderar as transformações na subsidiária brasileira do McDonald's. E ele está conseguindo
“A concorrência é boa para o consumidor. A nossa não é só Bob’s, Habib’s, Burger King. Há o food truck, a hamburgueria artesanal…” (Crédito:Gerson Lima)

DINHEIRO – O índice de confiança do consumidor, medido pela Fundação Getulio Vargas (FGV), cresceu 1,1 ponto percentual no último mês, chegando a 89,2 pontos, numa escala de zero a 200. Qual a sua avaliação sobre isso?

CAMARGO – Alguns números nossos estão muito superiores ao mercado. De uma forma geral, acho que houve um otimismo exagerado de que as coisas no Brasil aconteceriam mais rapidamente. E os indicadores de confiança foram caindo. Isso tem, sem dúvidas, um impacto para o varejo de uma forma geral e para nós também. Se as pessoas estão com menos dinheiro, vão restringir os gastos, porque elas não sabem como vai ser o dia de amanhã. O grande problema do Brasil é o desemprego. Enquanto não for resolvida essa questão, ela terá um impacto muito grande. Mas isso não significa que nós teremos performances ruins, até porque o meu acionista não aceita isso. Temos que achar soluções. E nós temos encontrado.

DINHEIRO – Qual é a participação do Brasil nos resultados da Arcos Dorados na América Latina?

CAMARGO – É um pouco mais da metade em vendas, algo em torno de 55%. A nossa geração de caixa é aproximadamente dois terços da operação na América Latina.

DINHEIRO – Em 2017, o McDonald’s inaugurou o seu primeiro restaurante conceito no País, que conta com mesas interativas, totens de autoatendimento e outras inovações. Como está o processo de digitalização da marca?

CAMARGO – Nós somos uma marca que está aqui no Brasil há 40 anos. Voltamos os nossos investimentos, que não são poucos, para inovação nos pontos de venda. São alguns milhões de dólares nessa conta. Fizemos uma pesquisa para entender os clientes. Uma das perguntas foi: “De todas as marcas de fast food, qual delas tem os restaurantes mais modernos?” E 75% disseram que é o McDonald’s. Nós perguntamos se o cliente sabe que existe o totem de autoatendimento e dois terços disseram que já viram, 99% falaram que adoraram isso. Então, estamos no caminho certo e sabemos que para mudar a percepção de um McDonald’s antigo, de 40 anos, vamos ter que continuar investindo na modernização dos nossos restaurantes. Até o final de 2019, a maioria dos restaurantes brasileiros já estará com essa nova cara.

DINHEIRO – O delivery é uma venda 100% incremental?

CAMARGO – Os nossos estudos indicam que 70% aproximadamente é incremental. Ou seja, 30% desses consumidores viriam ao restaurante. Tivemos um crescimento absurdo nessa modalidade, como nenhum outro concorrente. No ano passado nós tínhamos por volta de 100 restaurantes fazendo delivery pelo Brasil. Hoje, são mais de 600. E é um setor que não para de crescer. Trabalhamos com todos aqueles que nós chamamos de agregadores: iFood, Rappi e Uber Eats são nossos parceiros. Nós temos uma modernização constante em lojas e em produtos.

DINHEIRO – O atendimento ao cliente nas lojas do McDonald’s antes seguia uma série de padrões. Como essa cultura mudou?

CAMARGO – Nós somos um negócio de pessoas. Se você observar a quantidade de clientes que passa no McDonald’s, só no Brasil, são dois milhões de pessoas. Elas são atendidas por 50 mil pessoas que têm uma interação física, humana. Então, antes de muita tecnologia, nós temos que ter certeza que essas pessoas estão bem. Nós desenvolvemos um processo que se chama “cooltura de serviço”, que é muito simples. Os funcionários no passado eram treinados para repetir uma série de palavras: desde “bem-vindo ao McDonald’s” até “batata frita acompanha?” E assim por diante. E nós quebramos isso. A ideia é que a pessoa fale o que ela deseje falar. A regra hoje é: “seja você mesmo”. Quando nós lançamos esse programa, também decidimos mudar os uniformes. Os funcionários escolheram suas cores de camisetas e os gerentes não usam mais gravata. Nós quebramos os paradigmas. Disseram que precisaríamos de um ano e meio para implantar os novos uniformes, mas nós fizemos isso em pouco mais de uma semana. Essa é uma boa forma de mostrar como é esse McDonald’s diferente, esse McDonald’s melhor.