No fim do ano 2000, quando aceitou o convite para sanear as finanças da Transportes Aéreos de Portugal (TAP) e preparar a companhia aérea estatal para a privatização, o engenheiro brasileiro Fernando Pinto sabia bem os desafios que teria pela frente. Também tinha o receituário para melhorar a saúde da companhia: reduzir as despesas em 10% e aumentar as receitas na mesma proporção. O que ele nem desconfiava era a força das turbulências que encontraria pela frente. Bota turbulência nisso! Próximo de completar uma década no cargo, ele recebeu a DINHEIRO em seu escritório localizado no aeroporto de Lisboa e revelou como se tornou um especialista em crises. 

 

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Fernando Pinto, CEO da TAP: ”Na companhia enfrentamos turbulências em voo e também em solo”

 

No período em que está à frente da empresa, ele enfrentou seis momentos dramáticos para a aviação comercial. Pior: todos foram imprevisíveis. Apesar disso, a TAP fechou 2009 no azul com lucro de 57 milhões de euros. Sua trajetória? Pouco antes de completar um ano no cargo, veio o primeiro golpe: o ataque terrorista de 11 de setembro, que derrubou as Torres Gêmeas do World Trade Center, nos EUA, e, por tabela, o tráfego aéreo mundial. 

 

Menos de um mês depois, a Swissair, única candidata a comprar a TAP, foi à falência. E não parou por aí: o executivo enfrentou queda na demanda dos voos internacionais por conta de dois surtos epidêmicos – a gripe aviária, de 2003 a 2005, e a gripe suína, entre 2008 e 2009. 

 

Também teve de lidar com a explosão do preço no petróleo que, em 2008, bateu na casa dos US$ 100 o barril – cotação recorde desde a revolução industrial, no início do século passado. 

 

Como se não bastasse tudo isso, a crise econômica estourou nos Estados Unidos varrendo as finanças globais e, consequentemente, a demanda internacional na aviação. Quando tudo voltava ao normal e a TAP arremetia rumo ao crescimento, eis que – parece até piada – o vulcão islandês Eyjafjallajoekull, inativo há 200 anos, entrou em erupção e derreteu os ganhos das empresas aéreas na Europa, paralisando o tráfego aéreo no continente. “Aqui na TAP enfrentamos turbulências em voo e também em solo. Depois do 11 de setembro, nunca mais paramos de ter essas surpresas”, diz Fernando Pinto.

 

O executivo já havia passado pelo vestibular da crise, em 1999, quando, à frente da deficitária Varig, teve de administrar a desvalorização cambial do real em relação ao dólar – vale lembrar que 80% dos custos de uma companhia aérea são cotados na moeda americana. Mas ele mesmo reconhece que os ataques terroristas no 11 de setembro foram a sua prova de fogo. 

 

Sem um comprador no horizonte e sem dinheiro para tocar em frente o plano de reestruturação da TAP, a saída, diz Pinto, foi recorrer a empréstimos bancários – pela legislação da União Europeia, os governos do continente não podem injetar capital nas companhias aéreas. 

 

“Não tínhamos a opção de parar no meio do caminho e a saída foi aumentar o endividamento”, afirma Pinto – hoje a dívida da TAP é de 1,3 bilhão de euros, pelo menos 20% maior do que dez anos atrás. “Só que com uma diferença brutal. Hoje nós somos 2,3 vezes maior do que éramos então, nossa capacidade de pagar a dívida é muito maior.” 

 

Os investimentos foram realizados, sobretudo, na modernização e ampliação da frota que saiu de 40 aeronaves para 70 atualmente. O sistema de vendas da companhia também mudou e ela passou a trabalhar menos com pacotes turísticos onde os descontos são sempre maiores. Essas ações trouxeram o azul novamente para o balanço da companhia. Em 2007, a TAP comemorou seu primeiro resultado positivo em décadas de existência: 30 milhões de euros. Era um recorde. 

 

“A receita foi seguir com nosso plano de reestruturação baseado, principalmente, no enxugamento de despesas e aumento de eficiência”, resume o executivo. Mas as nuvens da aviação comercial continuavam densas em todo o mundo e, um ano após comemorar seu primeiro resultado positivo, a TAP sofreu de novo com fatores externos. 

 

Sem contar com sobras de caixa, comprar combustível com antecedência para se precaver contra altas repentinas, o chamado hedge, nunca fez parte do dia a dia da TAP e o resultado com a crise do petróleo em 2008 foi uma despesa de 230 milhões de euros no balanço. 

 

Da noite para o dia, os custos da companhia aumentaram 10% e Fernando Pinto viveu outro momento que classifica como “dramático”. Mal sabia ele que o pior ainda estava por vir. Em setembro daquele ano, o banco americano Lehman Brothers quebrou. Os mercados financeiros desabaram no mundo inteiro. 

 

Segundo Pinto, pelo menos dois fatores salvaram a companhia portuguesa de um mergulho fatal. “A cotação do petróleo voltou para níveis razoáveis e o nosso principal mercado atravessou tranquilamente as turbulências econômicas globais”, diz o executivo se referindo ao Brasil, que responde sozinho por 30% das receitas da companhia. Hoje a TAP opera oito rotas para o mercado brasileiro, num total de 70 voos semanais.

 

Aumentar as frequências para o Brasil, explorar o mercado africano e fazer de Lisboa um centro de distribuição desses voos para o continente europeu, foram uma das principais medidas implementadas por Fernando Pinto quando ele assumiu a companhia. No fim das contas, isso foi fundamental para a companhia aérea portuguesa fechar 2009 com lucro de 57 milhões de euros.

 

Os resultados deixaram o executivo animado com 2010. Afinal, o pior já havia passado. Mas, como um PHD em crises, ele manteve a cautela. E isso foi decisivo. Em março deste ano, depois de 200 anos de inatividade, o vulcão Eyjafjallajoekull, na Islândia, entrou em erupção lançando uma densa fumaça sobre a Europa e paralisando o tráfego aéreo no continente. 

 

Nos primeiros dias do fenômeno, Portugal foi poupado e a TAP conseguiu transportar vários passageiros para, a partir de Lisboa, seguirem viagem por terra. Na segunda semana de atividade do vulcão, porém, a história mudou e o resultado foi um rombo de 22 milhões de euros no balanço da empresa. “Outro dia, voltando de uma viagem, quando sobrevoamos o vulcão pensei comigo: que coisa!”, diz o executivo, balançando a cabeça em sinal de negativo. 

 

Perto do estrago geral causado pelo vulcão islandês, um prejuízo de 1,25 bilhão de euros para o setor de aviação, os 22 milhões de euros perdidos pela TAP até parecem pouco dinheiro. “Diria que os últimos 15 anos foram os piores da história da aviação comercial.  Um quadro que não deve mudar pelos próximos dois anos”, diz Felipe Queiroz, analista da Austin Rating. Segundo ele, concentrar esforços no mercado brasileiro foi, sem dúvida, o caminho mais acertado para a sobrevivência da TAP. “Ainda que não tenham pensado assim dez anos atrás.” Fernando Pinto, que aposta em um crescimento de 10% em 2010, deixará a TAP em 2012 certo de que, definitivamente, fez tudo o que estava a seu alcance. 

 

 

Os próximos passos de Fernando Pinto 

 

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 Conduzirá o processo final de privatização em 2011 

 

 Em maio de 2012 deixará a presidência da TAP

 

 Continuará na Europa e especula-se que será o próximo presidente da International Air Transport Association (Iata)

 

 

Rota problemática

 

2001 – Os ataques às Torres Gêmeas contribuíram para a quebra de muitas empresas

 

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2003 – Epidemia da gripe aviária fez com que milhares de pessoas deixassem de viajar

 

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2008 – No início do ano, o barril do petróleo vai a US$ 100. As empresas  aéreas se endividam

 

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2008 – Em setembro, a economia dos EUA desaba e gera recessão no mundo inteiro

 

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2009 - Mais uma vez uma pandemia prejudica o setor, com a queda no número de viagens 

 

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2010 – A erupção do vulcão Eyjafjallajoekull, na Islândia, causa prejuízos de 1,25 bilhão de euros

 

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