No oceano chamado internet, houve uma visceral virada entre 2016 e 2017. Foi ali, segundo o estudo We Are Social, que o percentual de acessos por meio de smartphones saiu de 39% para 50% do total, superando pela primeira vez na história os internautas que utilizavam desktops para navegar (que caíram de 56% para 45%). Sabe o tal do “mobile first”? De verdade, ele nasceu nesse momento. E a partir do novo hábito – acessar pelo celular mais do que por outros dispositivos – veio o fluxo das bilionárias verbas publicitárias. No mercado brasileiro, 2018 foi o ano da supremacia, quando US$ 2,52 bilhões (55,4%) do total de US$ 4,55 bi de publicidade digital foram dirigidos aos celulares, de acordo com o eMarketer. A projeção é de que, em 2022, a participação fique em US$ 5,05 bilhões (77,9%) do investimento de US$ 6,48 bi.

O dinheiro veio, mas os índices de atenção aparentemente não. Pular os vídeos publicitários no desktop virou um hábito global que permanece no celular. Pesquisa da plataforma americana LaunchLeap mostra que entre os millennials, por exemplo, o porcentual de quem ignora a publicidade assim que pode é de 59%. Nessa geração, também conhecida por Y e que reúne nascidos entre 1980 e o fim dos anos 1990, outros 11% nem isso fazem porque usam bloqueadores de anúncios. Quem realmente consome a campanha mal chega a 30%. Pesquisadores e profissionais de mercado concordam que as estratégias são muito incipientes e que meios portáteis ainda causam estranheza.

Para André França, vice-presidente de mídia da WMcCann, agência responsável por contas como Coca-Cola, Microsoft e Nestlé, apesar das transformações tecnológicas, as redações publicitárias continuam sendo réplicas do passado. “Estamos aprendendo como as coisas funcionam, mas ainda existe bastante ruído. Tem muita coisa acontecendo e ainda não identificamos o formato”, diz. Faz pouco tempo que o maior volume de verbas digitais na publicidade migrou do desktop para o mobile. No Brasil, apenas há um ano. Isso desconcertou uma engrenagem que vinha funcionando por mais de uma década, e o ajuste pode demorar. O problema é que o volume de investimentos no digital parece usar uma velocidade muito superior ao dessa curva de mudança cultural das agências. Nos Estados Unidos, por exemplo, o investimento mobile passou o desktop em 2016, com US$ 36,6 bilhões (50,5%) do total de US$ 72,5 bi, mas em apenas dois anos (2018) já foi de US$ 69,9 bi (65,0%) em US$ 107,5 bi.

João Carvalho, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo e CEO da Hands, agência de marketing mobile, diz que a reestruturação seguirá por etapas. Uma delas será expor aos clientes que o mercado passa por um período de experimentação, e que erros e acertos fazem parte do aprendizado. “As marcas desenvolvem publicidade para desktops há anos. Agora que migraram para o mobile querem os mesmos resultados de forma imediata”, afirma. Para ele, a mudança não se restringe ao formado, mas sim ao comportamento. “No desktop era possível contar toda a história, já o mobile pede algo em pílulas.”

E aí o desafio cresce porque com menos tempo isso se torna mais difícil. Renata Benigna, professora de pós-graduação em Marketing Digital pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), de São Paulo, diz que no mobile as pessoas dão atenção de uma forma mais rápida e com mais foco. “Na TV, geralmente o espectador está disperso fazendo outras atividades.”

Atrair a atenção pode não ser tudo. Para o diretor-geral da Avantgarde Brasil, Luiz Arruda, o maior obstáculo do marketing mobile é criar uma campanha que não se torne invasiva. “A preocupação é reter. Se a ação é realmente genuína, isso gera o principal medidor de uma campanha, que é o índice de engajamento”, diz. Um levantamento encomendado pela Mobile Marketing Association (MMA) tenta trazer luz para um dos pontos principais da propaganda móvel: quanto tempo o cérebro demora para processar e responder a um anúncio? De acordo com o levantamento, 0,4 segundo, a velocidade de uma batida do coração. Supostamente, em um piscar de olhos o espectador já colheu todas as impressões sobre o anúncio para decidir se vale a pena ver até o final. “O cérebro responde de forma positiva ou negativa mais rápido do que pensávamos”, afirma Fabiano Lobo, diretor da MMA para a América Latina.

A indústria do marketing mobile foca em peças de até meio minuto. Para Lobo, o desafio dos criadores de conteúdo móvel é unir em uma fração de segundo emoção e informação suficientes para engajar. “Tornar o anúncio o mais memorável possível”, diz. Pesquisas de comportamento e análise de dados são os principais meios para esse universo em transformação. “Não existe e nunca vai existir fórmula pronta”, diz Marcel Ghiraldini, também docente em pós-graduação em Marketing Digital da ESPM e vice-presidente da agência Math Marketing. “Nosso comportamento muda rapidamente por um motivo: a tecnologia e as formas de consumir informação também mudam muito rapidamente.”