Depois de uma década no encalço das concorrentes, a Marisa retomou o ritmo da acirrada corrida no varejo de moda brasileiro. Os anos de perda de poder aquisitivo da classe média golpearam a empresa, que demorou a reagir à queda das vendas, fazendo seu valor de mercado derreter de R$ 6 bilhões em 2013 para os atuais R$ 1,28 bilhão. A varejista se recuperava em 2019 graças ao plano de reestruturação consolidado três anos antes, mas a ansiada virada veio mesmo — para surpresa até de analistas — na carona de uma das maiores crises do século 21. Embora não tenha ficado imune à pandemia de Covid-19, o fechamento das lojas físicas permitiu à companhia focar no processo de digitalização, que se arrastava desde 2017. Tem dado muito certo.

A combinação de planejamento com o levantamento de R$ 515 milhões por follow-on (oferta pública de ações) meses antes do fechamento do comércio por causa do lockdown funcionou como uma mola para a Marisa, que, capitalizada, conseguiu se levantar em 2020 para diminuir a distância da concorrência. “A redução estrutural do estoque em 30% liberou mais de R$ 160 milhões em caixa e nos ajudou a retomar as margens”, disse o CEO, Marcelo Pimentel. Depois de quase dois anos consecutivos de prejuízo, a operação voltou ao azul no terceiro trimestre deste ano, com lucro líquido de R$ 44 milhões. Reduziu a dependência do markdown (precificação baseada em descontos), mas a lacuna de mercado começou a ser fechada neste mês, com a transformação do e-commerce em marketplace.

Apesar de ter sido uma das primeiras varejistas de moda a se estabelecer no comércio eletrônico, a rede acabou deixada para trás por rivais como C&A e Renner, que inovam nessa área desde 2015. Na Marisa, o até então negligenciado ecossistema on-line virou uma base relevante na pandemia. Com o consumo ainda 0,8% abaixo do terceiro trimestre de 2019, a performance das plataformas, que saltou 96% em dois anos, representou 14% das vendas da empresa no acumulado até setembro. Em 2017, respondia por 2% do faturamento do varejo e, no fim de 2020, havia alcançado 13%. A projeção de Pimentel é que o digital tenha uma fatia de 25% das vendas em até cinco anos.

Enquanto isso, a operação física, dependente do movimento nas ruas, segue impactada pela gestão de home office nas grandes cidades. Para capturar o consumo fora desse raio, a grande estrela hoje é o app. Lançado em 2020, soma mais de 12 milhões de downloads e é responsável por 71% das vendas digitais. Já o novo marketplace é mais um ponto de apoio para sustentar esse crescimento e, segundo a empresa, deve representar 20% das vendas on-line em 2022.

O maior desafio para atender a migração dessa demanda num país como o Brasil é logístico. Por isso, a empresa vem trabalhando para mitigar a pressão sobre o prazo de entrega e custos com frete. “As dark stores, réplicas do centro de distribuição, economizaram 50% do tempo de percurso para capitais estratégicas”, afirmou o CEO. Além da unidade em Itaquaquecetuba (SP), o novo formato ganhou segundo endereço em Belo Horizonte no último trimestre.

Com uma operação apoiada sobretudo em custos fixos, a partir de agora, o aumento das vendas será essencial para a sustentabilidade do negócio. A renovação das lojas, principalmente no portfólio de shoppings, que se mostrou mais resiliente, é uma das apostas. Depois de um bem-sucedido teste na unidade do shopping Dom Pedro, em Campinas (SP), quatro endereços estão sendo repaginados até dezembro. O novo modelo, que alia tecnologia à compra, só ganhará escala ano que vem.

OVOS DE OURO Depois de afastar rumores de uma possível aquisição pela Americanas, a Marisa precisa provar ao mercado sua capacidade de enfrentar os desafios de um futuro não tão distante. Com a dependência da classe C, cuja renda disponível para consumo corroeu quase 10% nos últimos cinco anos, segundo a consultoria Tendências, o cenário no varejo é de risco. “Não podemos congelar diante do contexto econômico e sociopolítico de 2022”, afirmou Marcelo Pimentel.

Neste sentido, o relatório da Genial Investimentos aponta a recente reestruturação do MBank, braço financeiro da companhia, como a galinha dos ovos de ouro da Marisa. A integração com o app elevou a participação do cartão da marca a 40% das vendas no último trimestre, enquanto a receita da operação de concessão de crédito (R$ 53 milhões) aumentou 33% ante o mesmo período de 2020. “Vemos o MBank como alavancador das vendas”, disse o CEO. Mas a retomada mesmo depende da redução do desemprego. A Marisa precisa acelerar as passadas e fortalecer suas bases para correr nessa pista irregular.