O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa ajudou a defesa de executivos da Vale a obterem a absolvição de seus clientes na ação penal em que eram acusados pelo Ministério Público Federal (MPF) em Minas por homicídios e crimes ambientais decorrentes da lama de Mariana.

Barbosa, que hoje atua como advogado, foi chamado em 2017 pelo advogado David Rechulski, que defende oito executivos que representavam a Vale no conselho da Samarco, mineradora responsável pela barragem de Fundão, que se rompeu em 5 de novembro de 2015, provocando uma tsunami de rejeitos que soterraram o distrito de Bento Rodrigues, matando 19 pessoas.

Questionado sobre valores cobrados pelo parecer, Barbosa não se manifestou. O escritório de advocacia que o contratou não retornou os contatos da reportagem. Na condição de parecerista, ele não peticiona nos autos como advogado dos réus, mas elabora um documento usado pelos defensores.

O ex-ministro deu parecer pela inépcia da denúncia da Procuradoria contra os executivos. Já naquela época, a tese de Barbosa era semelhante àquela que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) usou ao conceder um habeas corpus que trancou a ação pelo crime de homicídio, neste ano, para todos os denunciados. Eles permaneceram respondendo por outros crimes ambientais e de inundação.

A Corte entendeu que a participação dos executivos no conselho da mineradora, por si só, não é suficiente para configurar envolvimento direto nas mortes e na tragédia ambiental.

Recentemente, no dia 20 de setembro, seguindo essa decisão, o juiz da Vara de Ponte Nova Jacques de Queiroz Ferreira, em “retratação”, seguiu a decisão da Corte para trancar, para todas as acusações, a ação penal para os oito executivos.

O magistrado citou que a defesa, ao pedir a reconsideração da decisão, apresentou o parecer de Joaquim Barbosa.

Em seu parecer, o ex-ministro afirma que “atrai a atenção na peça acusatória o seu extraordinário e perturbador laconismo no que diz respeito à descrição dos fatos tidos como criminosos, sobretudo o relato quanto às condutas comissivas ou omissivas atribuídas aos consulentes e que supostamente teriam provocado os resultados penalmente reprováveis”.

“No caso que ora se examina, o que mais Essa avareza descritiva, por óbvio, limita sobremaneira o exercício do direito à ampla defesa. A denúncia, portanto, amolda-se perfeitamente ao nada elogiável conceito de ‘Criptoimputação'”, anotou.

Barbosa ainda vê “desacerto” do Ministério Público Federal ao “utilizar teorias inerentes à imputação objetiva e à responsabilidade penal objetiva numa vã tentativa de viabilizar juridicamente a ação penal, o que finda por realçar, em última análise, a inaptidão da denúncia”.

A tese vencedora

Em seu parecer, Barbosa afirmou que as “atribuições dos membros do conselho de administração e da estrutura de governança de uma grande empresa, tipicamente voltadas à macrogestão e à direção estratégica, são por sua própria natureza distanciadas das atividades operacionais rotineiras da companhia”.

Para o ministro, a atuação deles “não se compatibiliza com a figura jurídica do garantidor, que concreta e efetivamente deve ter capacidade de evitar o resultado lesivo”. “Não se pode admitir a figura de um ‘garantidor remoto’, desprovido de meios reais e concretos de ação aptos a impedir a ocorrência de um evento potencialmente danoso”.

O mesmo argumento foi utilizado pelo desembargador Olindo de Menezes, quando julgou, em abril, o habeas corpus que enterrou a ação para o crime de homicídio.

“Teria que ser apontada, em momento ou situação imediatamente anterior à lesão ao bem jurídico protegido, a ação do paciente (garantidor) que pudesse ter evitado o resultado. A denúncia não apontou, na sua conduta, a causalidade de natureza jurídico-normativa, contentando-se com uma suposta causalidade puramente material que, de resto, também, não lhe pode ser imputada, salvo nos domínios da responsabilidade penal objetiva, inadmissível na atualidade penal (art. 13 – CP)”, anotou.

Alertas

Em sua acusação, o Ministério Público Federal sustenta que, além de fazerem parte do conselho da Vale, os executivos foram alertados diversas vezes sobre os riscos de rompimento da barragem de Fundão, e, mesmo assim, se omitiram. Na denúncia, por exemplo, a Procuradoria em Minas ressalta que consultorias alertaram os executivos de que a barragem estava em perigo.

Especificamente sobre os réus já absolvidos, a denúncia ressalta que também foram alertados e nada fizeram em relação aos riscos de rompimento da estrutura, que acabou vitimando moradores de Bento Rodrigues.

Alguns deles, inclusive, segundo a Procuradoria, teriam sugerido reduções de gastos, mesmo diante de imagens e estudos que mostravam as condições preocupantes da Barragem de Fundão.

Por meio de uma cooperação internacional, a força-tarefa de Mariana também afirma ter obtido documento que revela que, desde 2014, as mineradoras eram alertadas.