Trajetória: Marcos Molina, fundador da Marfrig, transformou a empresa na segunda maior em carne bovina (Crédito:Silvia Costanti / Valor)

Desde o fim do ano passado, a Marfrig Global Foods tem entoado uma espécie de mantra. A segunda maior empresa de carne bovina do mundo, com capacidade de abate de 37 mil cabeças de gado por dia e 47 unidades industriais, decidiu focar boa parte de seus esforços na redução de seu endividamento – um compromisso repetido à exaustão para os investidores. Não é à toa. A pesada dívida, que estava em US$ 4,2 bilhões no fim do segundo trimestre deste ano, sempre foi uma das principais inseguranças do mercado financeiro em relação à companhia. Mas, no dia 17 de agosto, parte dessa incerteza começou a ficar no passado. Após uma longa negociação, a empresa fechou a venda da Keystone Foods, sua subsidiária americana de alimentos processados à base de frango, para a também americana Tyson Foods, por US$ 2,4 bilhões. A operação reduz quase pela metade o endividamento da Marfrig e leva a sua alavancagem para o menor nível de todo o setor, com uma dívida líquida equivalente a 2,6 vezes a sua geração de caixa (Ebitda) – o indicador da JBS é de 3,4 vezes, o da BRF, 5,7 vezes, e o da Minerva, 5 vezes. “Agora, estamos com uma estrutura financeira robusta para ser explorada”, afirma Eduardo Miron, vice-presidente de finanças da empresa.

A transação é uma dupla vitória para a companhia do empresário Marcos Molina. Além de ajudar em suas metas financeiras, ela vai de encontro com o novo direcionamento estratégico da Marfrig, anunciado nos primeiros dias de abril deste ano. Na época, junto com a aquisição do frigorífico americano National Beef, por US$ 969 milhões, a companhia divulgou a decisão de concentrar a sua atuação apenas no segmento de bovinos. Para se adequar ao novo plano, portanto, a venda da Keystone se tornou prioridade para a Marfrig – até então, a ideia era realizar uma Oferta Pública Inicial de Ações (IPO) da subsidiária e se desfazer de uma participação minoritária. “A aquisição da National Beef e a venda da Keystone vão criar um modelo em que a Marfrig conseguirá focar em seu negócio principal: a venda de carne bovina”, disse Martin Secco, presidente da empresa, em entrevista à DINHEIRO concedida logo após a compra, em abril.

O comando: Eduardo Miron, CFO da Marfrig (à esq.), e Martin Secco, CEO da empresa, lideraram o processo de redução da dívida (Crédito:Felipe Gabriel)

Apesar dos méritos do negócio, o preço pago na venda desagradou alguns investidores – pelo menos em um primeiro momento. A expectativa no mercado financeiro era a de que a transação saísse por US$ 3 bilhões, cerca de US$ 600 milhões a mais do que o montante final. No pregão do dia 17, as ações da Marfrig caíram 9,3% na B3, reduzindo o seu valor de mercado para US$ 4,3 bilhões. “Há uma grande diferença para o valor patrimonial entre uma venda de US$ 2,4 bilhões e de US$ 3 bilhões”, afirmou o Itaú BBA, em nota enviada a clientes. A avaliação do banco BTG Pactual foi no mesmo sentido. “O preço final da venda ficou abaixo das expectativas”, escreveram os analistas Thiago Duarte e Vito Ferreira.

Segundo Miron, essa diferença se explica, principalmente, pelo fato de a empresa ter decidido manter uma das fábricas de processamento de hambúrguer bovino da Keystone. Localizada em North Baltimore, no estado de Ohio, a unidade é considerada um ativo estratégico para a empresa e fatura mais de US$ 300 milhões por ano (11% da receita da subsidiária), tendo como principal cliente a rede de fast-food McDonald’s. Mesmo com a manutenção desse negócio e o valor menor do que o previsto, o executivo afirma que o múltiplo da venda foi positivo. A explicação da empresa aliviou um pouco a preocupação dos analistas e as ações subiram nos pregões seguintes, embora ainda estejam longe de recuperar as perdas (confira no gráfico abaixo). “Você pode olhar o copo meio cheio ou meio vazio”, afirma Victor de Figueiredo Martins, analista da Planner Corretora. “Eu vejo com bons olhos. Com a venda, a Marfrig fica bem menos alavancada e ainda consegue manter um ativo interessante.”

O que restou: na venda da Keystone, a Marfrig manteve uma das fábricas de hambúrguer (Crédito:Divulgação)

A meta da companhia é seguir reduzindo sua alavancagem até o fim deste ano. A expectativa é chegar a dezembro com um múltiplo de 2,2 vezes a 2,5 vezes o Ebitda. A diminuição viria principalmente com uma maior geração de caixa neste segundo semestre. Miron explica que a perspectiva é que a empresa feche o período com uma margem Ebtida de 9% a 10%, ante uma margem de 8% nos primeiros seis meses do ano. A receita líquida, por sua vez, deve alcançar R$ 40 bilhões em 2018 – o que seria a maior da história da companhia. Boa parte desse bom resultado se explica pelo cenário positivo do setor de pecuária. O mercado americano vive um bom momento e responde por 62% da receita da empresa, enquanto que o brasileiro está em um estágio de retomada. “O ponto principal desse mercado é a disponibilidade de gado, e ela tem aumentado bastante nas duas regiões que produzimos [América do Sul e do Norte]”, afirma o vice-presidente de finanças. “Temos uma disponibilidade boa, que favorece as margens, e entendemos que o risco de uma mudança nesse cenário positivo é muito pequeno.”

Diante desse quadro, e com a nova estrutura financeira e operacional da Marfrig, o plano da empresa é voltar a crescer, mas sem esquecer a disciplina financeira. “Esse nosso compromisso é inegociável. Não temos expectativa de novas aquisições no curto prazo”, diz Miron. A intenção da companhia é expandir de forma orgânica, concentrando os esforços, principalmente, em produtos de alto valor agregado. Nessa frente, a Marfrig quer aumentar a exportação de produtos de melhor qualidade para os Estados Unidos, como de carnes de bois alimentados apenas com grama, e está investindo em sua primeira fábrica de hambúrgueres do Brasil, em Bataguassu (MS). A estimativa é de um aporte de R$ 85 milhões na unidade, que deve produzir 20 mil toneladas por ano. A meta é que ela entre em operação no início de 2019.

Outro objetivo da Marfrig é crescer em mercados onde ainda possui uma baixa penetração, como é o caso do Japão. “Queremos continuar crescendo nesse mercado, pois apenas 5% da receita vem de lá”, diz Miron. “Hoje, os produtos saem majoritariamente dos Estados Unidos, mas estamos no processo de aprovação para que eles possam ser exportados também do Uruguai.” Para efeito de comparação, sua rival JBS já possui forte presença no país, respondendo por 25% de toda a carne bovina consumida pelos japoneses. Com a redução de suas dívidas a partir da venda da Keystone Foods não resta dúvida de que a empresa de Marcos Molina cortou na própria carne para ficar mais forte e aproveitar o ciclo virtuoso do setor.