Na versão de abril de seu extenso relatório de conjuntura mundial, publicado duas vezes por ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) acrescentou uma dose de cautela ao constatar a tendência de aquecimento nas principais economias globais. Incluiu o ponto de interrogação ao escolher o seguinte título para o documento: “Ganhando impulso?” A dúvida resumia os riscos que ainda pesavam sobre os sinais generalizados de melhora no crescimento. Em relatório semelhante, deste mês, a multinacional de análise de riscos Coface responde a questão colocada pelo FMI com um título bem mais incisivo: “Uma corrente de otimismo está soprando sobre a economia global.”

Como de costume, a tendência fora antecipada pelos mercados financeiros. Num ambiente de calmaria histórico, investidores vêm se movimentando em direção ao risco, numa onda positiva que alcança os emergentes e deixa aberta uma janela de oportunidade para o Brasil tirar suas reformas do papel e enterrar de vez a maior recessão da história. Enquanto maio simbolizava o estouro de mais uma turbulência política interna, com o vazamento da delação do JBS, no exterior, o mês selava o afastamento de um dos principais riscos no radar.

Ajuda de peso: melhora no preço das commodities beneficia países exportadores de produtos básicos. Na foto, minério de ferro em porto chinês (Crédito:Yu fangping)

A eleição de Emmanuel Macron na França reduziu a hipótese de uma guinada populista na Europa e endossou a percepção de estabilidade nos mercados. Como consequência, o VIX, conhecido como “índice do medo”, atingiu o menor nível desde 1993. O indicador mede a volatilidade dos ativos. Sua queda indica um maior apetite para a tomada de riscos, com investidores em busca de retornos mais elevados, independentemente de maior exposição, caso do Brasil e de outros emergentes.

O índice se mantém em baixa histórica desde então (veja gráfico ao final da reportagem), enquanto as Bolsas americanas alcançam máximas recordes. Em boa parte, é o que ajuda a explicar a resiliência dos ativos brasileiros diante da possibilidade real de queda do presidente Michel Temer após o episódio JBS. O pânico que se instaurou no dia seguinte, com um tombo de 10% na Bolsa e uma disparada do dólar, de cerca de R$ 3,10 para R$ 3,38, foi contido em questão de dias.

Em estado de observação: Janet Yellen, presidente do FED, vem indicando um ritmo gradual de retirada dos estímulos e de alta dos juros nos EUA, um alívio para as economias emergentes (Crédito:AP Photo/Manuel Balce Ceneta)

A moeda estrangeira caiu a um patamar inferior de R$ 3,15 e o Ibovespa conseguiu retomar a tendência de crescimento no mês seguinte, para surpresa de alguns analistas. A dispersão também é atribuída à credibilidade da equipe econômica, mas o vento externo favorável é considerado preponderante. “No ambiente atual do mercado, de maior liquidez, há muita complacência com países emergentes, não só com o Brasil”, diz Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim. “Os investidores acabam dando pouca importância para os riscos.”

Cálculos do Bradesco considerando as movimentações do dólar no exterior sugerem que, não fosse o ambiente internacional favorável, a moeda poderia ter alcançado o patamar de R$ 3,50 com a crise política. A ajuda significou um benefício de R$ 0,20 na cotação logo após a delação da JBS, nada desprezível na atual conjuntura de crise do País. A estabilidade nos indicadores financeiros, sobretudo o nível do dólar, é essencial para sustentar o ritmo de corte nos juros promovido pelo Banco Central, uma das principais frentes de recuperação da economia atualmente.

As expectativas para a taxa básica seguem em queda mesmo após o novo escândalo e indicam uma redução para 8% até o final deste ano, ante os 10,25% atuais. “A situação lá fora ainda é favorável, porque a percepção de risco está baixa”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos. “Se soubermos aproveitar, sem dúvida, é uma oportunidade de jogar a taxa de juros para baixo.” Há um conjunto de fatores por trás da perspectiva mais favorável no ambiente econômico mundial.

O mais evidente é a farta oferta de recursos, remanescente dos estímulos injetados nos últimos anos por bancos centrais. Os temores na esfera política, das eleições na França aos impactos do Brexit no curto prazo, por ora, foram afastados (leia mais sobre o Brexit). “Nossas principais preocupações nos últimos anos vinham sendo claramente os riscos políticos”, afirma Marie Albert, economista da Coface em Paris. “A boa notícia é que esses riscos foram consideravelmente reduzidos.”

Riscos contidos?: eleição de Macron (ao fundo), na França, afastou temor de onda populista na Europa. Nos EUA, Trump é fator imprevisível (Crédito:AFP Photo / Pool / Ian Langsdon)

No campo econômico, duas outras hipóteses que poderiam minar o sentimento positivo também esmaeceram. A inflação permanece sob controle nas economias avançadas, permitindo um movimento gradual de retirada dos estímulos e de alta dos juros, como sinalizou o FED, banco central americano, em sua última reunião. Do outro lado do planeta, a China dá sinais de que a esperada trajetória de desaceleração será moderada e não brusca como se temia. O PIB do segundo trimestre superou as expectativas, ao mostrar alta de 6,9% sobre o período anterior.

O ambiente de farta liquidez, que o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, chamou, no jargão econômico, de interregno benigno, no final do ano passado, segue prorrogado e encontra uma atividade mais pujante pelo mundo. Mais do que o ritmo do avanço – a previsão é de alta de 3,5% em 2017, ante média anual de 3,3% desde a crise de 2008 –, o destaque é a qualidade do crescimento global, com maior disseminação e sincronia nos principais países, o que sugere sustentabilidade da tendência. A principal novidade é o vigor na Europa, onde os números vêm surpreendendo positivamente.

Embarque autorizado: Argentina volta a comprar bens industrializados do Brasil. Exportações terão o primeiro crescimento em seis anos (Crédito:Divulgação)

“Depois de um longo período de sucessivos sustos e prostração, estamos, pela primeira vez, desde 2008, com todas as regiões mais balanceadas e riscos afastados”, afirma o economista do Bradesco, Estevão Augusto Oller Scripilliti. De 37 economias acompanhadas pela área de pesquisa do banco, 31 estão em zona de expansão. Com mais frentes de crescimento ao redor do globo, farta liquidez e o motor chinês pulsando forte, as commodities seguem o movimento de recuperação e confirmam o prognóstico feito pelo Banco Mundial em abril.

O levantamento estimou, para este ano, uma alta de 26% nas cotações de matérias primas energéticas (petróleo e gás natural) e de 15,6% nas metálicas (minério de ferro e aço). Os benefícios se espalham por todas as economias exportadoras de bens primários. Em 2017, o Brasil deve ter o maior superávit da balança comercial da sua história, de US$ 63,2 bilhões, segundo projeção da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Os números revisados foram divulgados na última semana diante de um desempenho acima do esperado nas vendas ao exterior.

Sombras políticas: Trump Jr. , filho do presidente americano, pivô do caso sobre a influência russa nas eleições (Crédito:AFP Photo / Jim Watson)

A expectativa é alcançar US$ 209 bilhões em exportações, um avanço de 12,8% em relação a 2016, a primeira elevação em seis anos. O resultado é impulsionado principalmente pelos produtos básicos. Minério de ferro, soja e petróleo devem somar cerca de 30% do total. Nos manufaturados, há melhoras, puxadas principalmente pelas compras da Argentina, também beneficiária do movimento das commodities. “O mundo está favorável ao Brasil, um problema a menos no quebra-cabeça macroeconômico local”, afirma Lia Valls, pesquisadora da área de economia aplicada do FGV/Ibre.

Os reflexos na balança comercial não escondem as fragilidades estruturais do comércio exterior. Falta ao Brasil aumentar a sua integração com o mundo (leia mais na pág. 28) e ampliar esforços para tornar a indústria mais competitiva, capaz de expandir a sua participação na pauta exportadora. Em 2017, os produtos manufaturados devem representar 38% das vendas ao exterior, bem abaixo do que já foi no passado, quando alcançavam 60%, em 2000, por exemplo, segundo a AEB.

JANELA No campo financeiro, a janela de oportunidade internacional dá mais tempo para que o País coloque em ordem suas contas públicas, a principal fonte de incertezas que ronda o Brasil nos últimos anos. Por outro lado, a complacência dos investidores estrangeiros atenua a urgência da pauta de ajustes. A crise política adiou o cronograma da reforma da Previdência. O risco agora é que a mudança fique para o futuro governo, somente após 2018. Ajustar as aposentadorias é fundamental para que a União cumpra as metas fiscais e fique dentro do teto dos gastos nos próximos anos.

Sem a reforma, a previsão é que o limite seja estourado em 2020. As dificuldades já começam a aparecer. Na quinta-feira 20, o governo confirmou o aumento de impostos sobre combustíveis, para garantir o cumprimento da meta, de déficit de R$ 139 bilhões, apesar da frustração de receitas no ano (leia artigo aqui). A alta deve gerar um reforço de R$ 11 bilhões aos cofres públicos neste ano. Em análise feita no início do mês, o Banco Votorantim constatou uma persistente piora do quadro fiscal e um consequente aumento da fragilidade externa do País, com uma economia mais vulnerável a choques e a mudanças de humor nos mercados internacionais.

Sombras geopolíticas: exercícios com mísseis da Coreia do Norte engrossam o rol de tensões iminentes ao redor do globo (Crédito:AFP Photo)

A preocupação é comum nas principais mesas de análise. “Hoje, o mercado externo atua como redutor de risco, mas uma reviravolta lá fora nunca está afastada”, afirma o economista Carlos Pedroso, do Banco Tokyo-Mitsubishi Brasil. Entre os principais riscos, estão a inflação nas economias avançadas, que podem antecipar o ciclo de aperto monetário e reduzir a liquidez, a dúvida sobre a consistência do crescimento na China e eventos políticos e geopolíticos espalhados por todo o globo.

Eles vão desde as confusões internas do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, com destaque para o escândalo sobre a influência russa nas eleições, até uma possível guerra com a Coreia do Norte, passando pelo ímpeto protecionista (leia entrevista com o diretor-geral da OMC abaixo). “Os temores políticos arrefeceram consideravelmente, mas a falta de cautela [nos mercados] soa um pouco estranha considerando os riscos ainda presentes para o crescimento mundial”, diz Marie Albert, da Coface. Fica o alerta ao Brasil, que ainda flerta com a recessão e não conseguiu transmitir confiança sobre a solvência futura do Estado. Por ora, os ventos globais sopram a favor do País.


“É importante que os países resistam à tentação do protecionismo”

O diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, Roberto Azevêdo, falou, por e-mail, com a DINHEIRO:

Por Paula Bezerra

O que podemos esperar para o comércio mundial nos próximos seis meses?
Num contexto global de crescimento baixo, as perspectivas para a economia internacional são moderadamente positivas e o comércio tende a acompanhar essa tendência ao longo do ano. O comércio internacional tem crescido pouco, mas de maneira sólida nos primeiros meses de 2017. Em setembro, faremos uma nova análise da situação. Nesse cenário, é bem possível que a expansão do comércio permaneça perto ou dentro da faixa que havíamos antecipado, entre 1,8% e 3,6%.

O mundo entrou num processo de retomada cíclica?
De fato, há sinais de recuperação. Mas para que isso seja sustentável, é necessário que os instrumentos de política econômica sejam manejados de forma apropriada pelos governos. Isso inclui a política comercial de forma geral. É importante que os países resistam à tentação do protecionismo e passem a acreditar mais em um cenário de expansão moderada, mas sustentável.

Quais são os riscos do protecionismo e o impacto no curto prazo?
No fundo, o risco é de a situação fugir ao controle. A história mostra que a imposição desmesurada de barreiras ao comércio por um país ou grupo de países pode levar a uma reação em cadeia. Por enquanto, isso não está acontecendo, mas precisamos seguir atentos. Vale sempre lembrar, a adoção de mais barreiras ao comércio não ajuda a resolver os problemas econômicos hoje vivenciados. Pelo contrário, todos tendem a ficar pior em função delas. No pós-crise de 2008, a OMC teve um papel fundamental para evitar uma corrida protecionista.