O Supremo Tribunal Federal vai pautar, no dia 7 de junho, o julgamento sobre a tese do marco temporal – regra defendida por ruralistas de que uma terra indígena só pode ser demarcada se for comprovado que povos originários já ocupavam determinado local quando a Constituição foi promulgada, em 5 de outubro de 1988. O entendimento da Corte sobre o tema vai definir o futuro de 303 demarcações de terras indígenas em todo o País.

O retorno do tema à discussão no Plenário do STF foi anunciado pela presidente do STF Rosa Weber nesta quarta-feira, 19, na abertura do Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e efetividade das demandas relacionadas aos Povos Indígenas, promovido pelo CNJ. Rosa anotou que fazia o anúncio ‘atendendo à reivindicação’ de Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas.

O julgamento sobre o marco temporal no plenário do STF teve início no segundo semestre de 2021 e atualmente conta com um placar de 1 x 1. Enquanto os ministros debatiam o assunto, milhares de indígenas chegaram a aguardar o resultado do julgamento acampando próximo a Esplanada dos Ministérios, em uma mobilização da Articulação Nacional dos Povos Indígenas (Apib).

À época, após tomar sessões da Corte máxima por quatro semanas, a discussão sobre o tema foi suspensa por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. O tema voltou a ser pautado em junho do ano passado, mas foi retirado da lista de temas a serem enfrentados pelos ministros do STF pelo então presidente da Corte Luiz Fux.

O voto contrário à tese do marco temporal foi dado pelo ministro Edson Fachin, relator. Ele destacou que ‘a data da promulgação da Constituição de 1988 não constitui marco temporal para a aferição dos direitos possessórios indígenas’.

“Como poderia a ordem constitucional de 1988 ignorar toda a evolução legislativa anterior e legitimar a obtenção das terras indígenas por meio da violência, desqualificando o direito dessas comunidades, retiradas à força de seus territórios tradicionais, de buscar a reparação do direito que sempre possuíram e foram impedidas de retomar pelo próprio Estado, por ação ou omissão, que as deveria proteger?”, questionou o ministro.

Já o voto divergente foi apresentado pelo ministro Kassio Nunes Marques. Ele defendeu a tese do marco temporal, sustentando que sua derrubada deve facilitar o crescimento de conflitos fundiários. Para o primeiro ministro indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao STF, reconhecer pedidos de posse posteriores à data de promulgação da Constituição ‘implicaria o direito de expandi-las ilimitadamente para novas áreas já definitivamente incorporadas ao mercado imobiliário’.

“A propriedade privada é elemento fundamental das sociedades capitalistas, como é a brasileira atual. A insegurança sobre esse direito, em especial no que diz respeito a bens e móveis, é sempre causa de grande desassossego e de retração de investimentos”, declarou.

A Procuradoria-geral da República é contra o marco temporal. O órgão destaca a importância do reconhecimento dos indígenas como os primeiros ocupantes das terras e que o status garantido constitucionalmente a eles dispensa até mesmo a necessidade da demarcação.

Já a Advocacia-Geral da União defendeu, à época do governo Bolsonaro, que a falta de uma data para estabelecer as demarcações pode gerar insegurança jurídica e ‘atentar contra a paz social’.

O julgamento do Supremo tem caráter de repercussão geral – assim, a decisão vai valer para casos similares em todo o País. O caso específico que suscitou o debate envolve a Reserva Indígena de Ibirama-La Klanõ, sob tutela dos povos Xokleng, Kaigang e Guarani, mas que é reivindicada pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina.