Em um passado não muito distante, quando se falava em futuro da economia global, as apostas residiam nos países emergentes. Vistos como protagonistas de uma nova era, nações como Brasil, Rússia, Índia, China, e África do Sul prometiam não cometer os mesmos erros de economias já consolidadas e desviar de uma crise em bloco como a que, em 2008, destroçou parte das finanças de países desenvolvidos. A promessa se concretizou, os emergentes não cometeram os mesmos erros dos primos ricos, mas enfrentam agora seus próprios paradoxos e crises que podem transformar o futuro promissor em um enorme vôo de galinha. Ao final do primeiro trimestre deste ano os países em desenvolvimento tinham – considerando passivos de empresas, governos, bancos e famílias – dívida de US$ 71,4 trilhões, ou 220% do Produto Interno Bruto (PIB) das nações, segundo relatório do Instituto Internacional de Finanças (IIF). A maior parte desses passivos (US$ 31 trilhões) está com as empresas, enquanto os governos têm dívidas de US$ 16,3 trilhões.

Com baixa atividade econômica, a expectativa é que os emergentes precisem renegociar passivos. Segundo o IIF há US$ 9,4 trilhões em bonds e empréstimos sindicalizados que vencem até o final de 2021, criando riscos de refinanciamento e impactos no crescimento mundial.

Para David Levy, presidente do centro de previsões Jerome Levy Forecasting Center, apesar de reduções na taxa média de juros e câmbio controlado, o cenário é desafiador. Na avaliação dele, as buscas desenfreadas por taxas de retorno altíssimas e alto endividamento são problemáticas. “A bolha de ativos deste ciclo será nos mercados emergentes”, afirma Levy. Como exemplo de instabilidade, Rui Baptistella, doutor em política econômica, cita o Chile – que tem a melhor classificação de crédito na América Latina, mas enfrenta crise interna e teve, em dois meses, desvalorização de 1,8% no valor de sua moeda. “A fuga de investimentos não será contornada no curto prazo.”

“A falta de segurança sobre o futuro tira investidores
dos países que ainda estão desenvolvimento”

Michael Gauss, professor do London School of Economics

Problemas parecidos enfrentam o Equador, com uma onda de protestos, e Argentina, onde a crise financeira se arrasta por anos, e a incerteza reside na condução econômica do presidente Alberto Fernández. A Bolívia, que tem um crescimento anual de 4%, também é uma incógnita após a saída de Evo Morales.

Quem compartilha desta opinião é Michael Gauss, professor de economia e ciências políticas do London School of Economics, na Inglaterra. Segundo ele um sintoma da tensão é que as vendas de títulos de mercados emergentes superaram, em agosto, o volume captado no acumulado de 2018. “Mesmo com as incertezas das economias consolidadas, a falta de segurança sobre o futuro tira investidores dos países em desenvolvimento.”

Gita Gopinath, Conselheira e Diretora do Departamento de Estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI) segue a mesma linha. Neste mês o FMI reviu as projeções de crescimento global para 3%, menor nível desde a crise de 2008. Entre os emergentes, a deterioração da indústria transformadora e queda do comércio mundial explicam esse enfraquecimento. “No geral, a o volume do comércio no primeiro semestre subiu só 1%, menor nível desde 2012”. Para reverter esse cenário Gita cita a importância dos governos reuduzirem barreiras comerciais, conter tensões políticas e sociais internas, fazer reformas estruturantes e reduzir a desigualdade. “O sistema de comércio mundial tem de ser aperfeiçoado, e não abandonado.”

Correndo atrás Para evitar que esta bolha estoure, presidentes dos países emergentes se reuniram, este mês, na 11ª Cúpula do Brics. O presidente Jair Bolsonaro, anfitrião do evento, disse ter “olhos postos no mundo, mas em primeiro lugar no Brasil”. Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, ressaltou que o País “demorou a chegar ao baile, mas quer dançar com todo mundo”, mostrando interesse em novos acordos comerciais. Ele aventou, inclusive, a chance de criar uma área de livre comércio com a China.

Já o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, defendeu uma discussão mais ampla sobre como combater o terrorismo. “O terrorismo, tráfico de drogas e crime organizado criam um clima de terror e comprometem nosso comércio e desenvolvimento”. Para o presidente da China, Xi Jinping, um dos papeis do Brics é criar ambiente de plena paz. “Devemos permanecer firmes ao nosso compromisso e oferecer desenvolvimento”, disse.

Em relação à Organização das Nações Unidas (ONU), Xi, disse que o Brics deve se opor ao hegemonismo. “Nos preocupamos com o aumento do protecionismo e unilateralismo “, disse. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, também defendeu ampliação das relações dos países do bloco com outras nações. Na África do Sul, o tom do presidente Cyril Ramaphosa foi o de defender um mercado com maior valor agregado. “Nós, que somos exportadores de matéria-prima, queremos estar em um comércio de mais valor agregado”. Ele lembrou que a estratégia do Brics é de crescimento econômico inclusivo e voltado para erradicação da miséria.