O contrabando tem sinal verde de passagem nos portos brasileiros. Documento oficial de 500 páginas, ao qual DINHEIRO teve acesso, circula por gabinetes superiores da instituição com dezenas de denúncias sobre as deficiências na fiscalização em todo o País. É assinado pelo fiscal da Receita Federal Edson Pedrosa e, para ser feito, teve a ajuda de Carlos Eugênio Lossio, segundo homem do órgão no Rio de Janeiro. ?Está fácil descaminhar e contrabandear. A impunidade é a regra?, registra o dossiê. ?As alfândegas brasileiras são hoje cassinos bancados pelo Erário?. Nesse jogo, ?lucros fáceis se contrapõem a remotas possibilidades de pequenas perdas para as quadrilhas?.

Da leitura do relatório chega-se à conclusão que o Siscomex, sistema de fiscalização eletrônica de declarações de importação adotado pela Receita nos portos em 1997, é falho. Qualquer navio de bandeira dos EUA, por exemplo, é classificado na rubrica ?canal verde?, no qual nenhum fiscal da Receita pode checar a carga. No ?canal amarelo? também não há verificação do interior dos contêineres, só análise de documentos. Apenas os canais ?vermelho? e ?cinza? requerem a abertura das enormes caixas. Na prática, isso quase nunca ocorre. DINHEIRO, no Porto de Santos, o maior do País, constatou que 70% dos 2 mil contêineres que desembarcam diariamente não são abertos para inspeção. ?À noite, tudo passa sem incômodo?, diz o presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais de Santos, Elias Carneiro. ?O Siscomex inibe e afasta a fiscalização.? O porto tem 170 fiscais e apenas duas lanchas para cobrir uma área de 13 km de cais.

No dossiê do fiscal Pedrosa há vários casos concretos dos furos no sistema:

? Entre março e dezembro de 1998, a M Castro Comercial e Distribuidora fez dez declarações de importação de seda no Porto do Rio. As mercadorias pesavam 170 toneladas. As primeiras 160 toneladas passaram pelo ?canal verde? e entraram no País. A última remessa, de 10 toneladas, foi aberta por um fiscal desconfiado e, em lugar de tecidos, lá estavam caixas com equipamentos de informática vindos de Miami no valor de R$ 240 mil.

? Outro caso é da Flashtec Comércio de Tecnologia. Equipamentos de informática importados pela empresa via Porto do Rio foram direto para o entreposto em Varginha, Minas Gerais. Tudo foi liberado. Só mais tarde se soube que o contêiner fora classificado no ?canal cinza? e deveria ter sido inspecionado.

 

? No final de 1999, a empresa Jade importou da Índia 58 toneladas de grampos para fixação de vias férreas. Todas entraram no Porto do Rio pelo ?canal verde?. O preço declarado das peças era de US$ 75 a tonelada, contra uma variação de US$ 84 a US$ 420 a tonelada no mercado internacional. Um típico caso de subfaturamento para pagar menos impostos, diz o documento.

Cópias do documento foram enviadas para o secretário da Receita, Everardo Maciel, e outras autoridades. O autor Pedrosa responde a inquérito por ter declarado falsamente que a família morava em Brasília, a fim de receber um benefício de R$ 13 mil. ?Isso é armação para denegrir a minha imagem?, defende-se. Agora, investigações promovidas pela Receita sobre o dossiê e seu autor vão mostrar com quem está a verdade.