O povo brasileiro se apoia nas mesmas muletas paradoxais desde que nos entendemos como gente. Em alguns momentos nos vangloriamos de ser um povo unido, movido por paixões que nos aproximam. Em outros abusamos dos estereótipos para enaltecer ou diminuir o outro como se a situação dele não fosse também fruto da própria existência. E essas diferenças e similaridades se tornam ainda mais palpáveis quando usamos como base números macroeconômicos. São realidades distintas do ponto de vista do endividamento, da renda, das expectativas de crescimento do desenvolvimento humano. Tudo isso sem contar as peculiaridades de cada região. E só elas são capazes de apontar quais rumos o Brasil precisar seguir para reencontrar o desenvolvimento econômico.

OS SERVIÇOS DO SUDESTE Quase 925 km² de território. Um PIB de R$ 3,9 trilhões e ainda assim não está no topo do IDH brasileiro. O Sudeste pode até ser o motor econômico do Brasil, mas isso tem refletido menos na vida das quase 90 milhões de pessoas que habitam a região. Isso porque a peça que dá tração à economia brasileira está engasgando. Em maio, o Sudeste teve a menor queda do desemprego, e o alto endividamento da população atrasa a retomada econômica, em especial nos serviços prestados às famílias. O Rio de Janeiro foi, em maio, o estado com a maior contração de renda do Brasil (-11,2%). Em São Paulo o volume de serviços prestados em maio caiu 0,5%, enquanto a média nacional foi 0,2%. Para região, o conselho é melhorar o otimismo. “O Sudeste só deslancha se houver um aumento substancial da confiança”, afirmou Elen Mindris, professora de macroeconomia da UFABC

OS AGROBOYS DO CENTRO-OESTE Com a segunda maior renda per capita do Brasil (em função do Distrito Federal, claro) o Centro-Oeste chega na encruzilhada. Apesar de ter liderado a geração de emprego ao longo de 2022, a dependência dos campos e da exportação pode ser uma dor de cabeça em um futuro não muito distante. José Vila Santana, doutor em economia agrônoma da Universidade Estadual de Goiás afirma que o maior sintoma disso é que a participação do agronegócio no PIB não cresce como do começo da década passada, mesmo com o dólar alto. “E isso será ainda mais acentuado nos próximos anos porque não há perspectiva de revisão do papel do campo na economia”, para que houvesse essa revisão seria preciso incentivar a formação e absorção da mão de obra especializada, com investimento em educação e inovação. Só assim para colher frutos mais rentáveis.

OS TURISTAS DO SOL NORDESTINO Antes da pandemia o turismo representava menos que 6% do PIB brasileiro. Mas não no Nordeste. Por lá alguns estados chegaram a ter 9% de suas riquezas atreladas ao turismo. Isso significa que o sol nordestino pode ser precificado. E ele paga bem. No emprego, idem. Quase 4% das vagas na região, contra uma média de 1,4% no Sudeste. E isso mostra que o caminho está trilhado, mas falta fôlego para caminhar. Isaías Mendes Gomes, professor de economia da Universidade Federal de Pernambuco conta que houve alto endividamento dos empresários do ramo entre 2009 e 2013 para aprimorar seus estabelecimentos, mas as crises desde então foram como chuva na praia. E o Sebrae confirma isso. O programa de renegociação de dívidas das 3 milhões de microempresas da região teve baixa adesão ante outras regiões, com mais da metade (55%) nem tentando renegociar por falta de capacidade de pagamento. “Será preciso recapitalizar do dono do bar ao grande hoteleiro”, disse Gomes.

OS CONSERVADORES DO SUL Com a maior renda per capita do Brasil (R$ 1,68 mil por mês) e donos da maior proporção de veículos por número de habitantes (72 automóveis a cada 100 pessoas) o Sul manteve seu PIB anual acima dos R 1,2 trilhão nos últimos anos, mas deve viver um choque nos meios de produção. Isso porque uma pesquisa do Ipea revela que os empresários desta região são os menos propensos a introduzir novas tecnologias em seus processos produtivos (37%). O problema desse pé no freio é que o mundo não para, e o mais recente relatório do IMD World Competitiveness Center mostra que o Brasil já perdeu duas posições e figura em 59º entre os 63 países listados. No Brasil a pesquisa é feita pela Fundação Dom Cabral e, segundo o professor Carlos Arruda, o rebaixamento era evidente. “Há certo desânimo dos empresários com o contexto brasileiro.”

OS ESQUECIDOS DO NORTE O menor PIB por região (R$ 419 bilhões). A menor renda per capita (R$ 866,5 ao mês). Os piores desempenhos na alfabetização, acesso a saneamento e IDH. Mas lá talvez resida o maior de todos os potenciais dentro da nova ordem mundial. E essa demanda vem de fora para dentro. Com a economia mundial asfixiada, restará ao pulmão do mundo e à maior biodiversidade ativa do planeta apresentar uma solução. Mas para isso ela precisa estar pronta. Ricardo Menezes, professor de economia do futuro da USP explica. “O Norte nunca precisou de uma Zona Franca de eletrônicos. Precisa ser o maior polo de desenvolvimento de medicina natural do mundo e precisa do Amazonas”, disse.