A Itália é um país mais importante do que parece, não só por ser o berço dos antepassados de muitos brasileiros. É a oitava maior economia do mundo e a quarta maior da Comunidade Europeia. O Produto Interno Bruto (PIB) italiano previsto para este ano é de US$ 2,18 trilhões,levemente acima dos US$ 2,19 trilhões esperados para o Brasil. Por isso, o resultado do encontro do presidente italiano, Sergio Mattarella, com o advogado Giuseppe Conte, na quarta-feira 23, deve ser acompanhado com atenção. Depois de 80 dias de negociações, Conte, de quem ninguém havia ouvido falar e sem experiência de governo, será o novo primeiro-ministro italiano. Ele é apoiado pelo Movimento 5 Estrelas e pela Liga, organização de extrema direita separatista, antes chamada Liga Norte.

Quem? O Movimento 5 Stelle (M5S) é um partido populista que começou reunindo os leitores do blog do humorista genovês Beppe Grillo. Ele migrou das piadas que criticavam os políticos para a política propriamente dita. Agora, o partido que fundou há menos de nove anos chegou ao poder. Não em uma republiqueta, mas em um dos países fundadores da União Europeia e, vale lembrar, berço do fascismo. As propostas da turma de Grillo não provocam nenhuma risada em Bruxelas, onde ficam os burocratas da União Europeia. O M5S é contra a imigração, contra as restrições orçamentárias da Comunidade e, pior, contra a ideia de enfrentar Vladimir Putin que, volta e meia, ameaça cortar o suprimento de gás da Rússia para a Europa.

Nesse minestrone, a vitória de duas agremiações pouco relevantes mostra o desencanto dos eleitores italianos com a política tradicional. Até a Operação Mãos Limpas, no início dos anos 1990, as eleições italianas eram disputadas entre partidos bem estabelecidos. Suas propostas eram claras para os eleitores, que podiam concordar ou discordar. Com as investigações da Mãos Limpas, os julgamentos e as condenações, tudo mudou. A comprovação dos vínculos entre o crime organizado e a política destruiu os partidos, embaralhou o cenário eleitoral e abriu espaço para outsiders. Silvio Berlusconi, ele mesmo um investigado, foi primeiro-ministro por quatro vezes.

Não por acaso, esse cenário parece familiar. Em um artigo publicado em julho de 2004, um então pouco conhecido juiz Sergio Moro fez uma análise detalhada da Mãos Limpas, avaliando não apenas os seus aspectos jurídicos, mas também seus efeitos sobre a política italiana. Dez anos mais tarde, Moro seria uma celebridade e por sua mesa passaram os processos da Operação Lava Jato, em uma sucessão de investigações. As repercussões, até agora, têm sido semelhantes às da Mãos Limpas. Pelo menos um grande partido, o PT, teve sua trajetória abalada.

Esperam-se impactos semelhantes sobre outras agremiações. Independentemente do resultado dos tribunais, o veredicto das urnas já está claro. A intenção de voto nos políticos tradicionais é baixíssima. Os candidatos que lideram as pesquisas não têm experiência administrativa anterior e são ligados a partidos inexpressivos. Diferentemente de Grillo, nenhum deles é humorista, o que é adequado. Porém, pensando na Lava Jato e nas repercussões mais recentes da Mãos Limpas, essa é uma situação completamente sem graça.