Ao receber a chanceler alemã, Angela Merkel, para uma visita recente em Washington, no fim de abril, o presidente americano, Donald Trump, criticou seus antecessores por permitirem que o país acumulasse um déficit de US$ 151 bilhões com a União Europeia. Ele elogiou a defesa do comércio feita pela representante europeia com um sorriso e uma provocação: “nós tentaremos alcançar vocês”. Merkel não sorriu. O clima é tenso em meio às barreiras impostas contra o aço estrangeiro, um dos movimentos de Trump que ameaçam mergulhar o mundo numa guerra comercial. As pressões de Merkel e do presidente francês, Emmanuel Macron, que esteve dias antes com Trump, tiveram efeito temporário. A sobretaxa ao produto está suspensa até junho, mas a pressão é para que o bloco escolha entre o adicional de imposto ou uma cota de exportação, condição imposta a outros países fornecedores, entre os quais o Brasil, o segundo maior vendedor de aço aos americanos.

Os europeus apelam ao histórico de boas relações entre as partes para tentar evitar novas medidas. As negociações cabem à Comissão Europeia, o poder executivo do bloco, que promete jogar duro. “Não negociaremos sob ameaça”, afirma Cecilia Malmström, Comissária de Comércio do orgão. Com menos peso do que os europeus, o Brasil insistia numa via negociada e havia esperança por parte das autoridades brasileiras de um desfecho positivo. A surpresa veio no fim de abril, quando representantes do Departamento de Comércio deixaram claro as opções: lidar com as novas taxas ou aceitar o sistema de cotas.

“O texto da Casa Branca diz que os países devem definir em breve a situação”, afirma Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil. “A impressão é a de que, se não escolhêssemos nós mesmos, a sobretaxa seria imposta desde já.” A decisão do setor de aço, por enquanto, é utilizar o sistema de cotas. A medida teria maior impacto no segmento de aços acabados, que representam 20% das vendas aos EUA, com perdas que podem chegar a 60% do volume. O país é o principal destino do produto, com 32,7% do total, ou US$ 2,6 bilhões em 2017.

Contra a parede: representantes de fabricantes de aço, como a Usiminas, se sentiram pressionados pela política dos EUA (Crédito:Divulgação)

Ao contrário do setor do aço, que escolheu as cotas, os representantes do alumínio preferem a alternativa da sobretaxa de 10%. Isso porque a cota seria baseada no volume exportado entre 2015 e 2017, período em que as vendas foram baixas. “As cotas não valeriam a pena”, afirma Milton Rego, presidente da Associação Brasileira do Alumínio (Abal). Os esforços agora estão voltados para abrandar as imposições, tanto com cotas maiores ou com uma sobretaxa menor. “O jogo é duro”, diz Rego. “Os americanos não estão abertos a concessões.” Por ora, o Brasil não vai retaliar. O governo diz manter a expectativa de que as restrições não sejam aplicadas e reiterou que prosseguirá com ações necessárias para preservar seus interesses. “Quaisquer medidas restritivas que venham a ser adotadas serão de responsabilidade exclusiva do governo dos EUA”, afirmam, em nota conjunta, o Itamaraty e o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic).

Oficialmente, a justificativa para as medidas não é econômica, mas sim de segurança nacional, já que o comércio “injusto” colocaria os Estados Unidos em perigo. Os americanos defendem que a Europa reduza seus impostos de importação e que cada país faça sua própria negociação, algo que não é permitido pelo bloco. “A União Europeia não corre o risco de se fragmentar por isso, mas a ideia de cada país negociar diretamente com os EUA, pensando em seu melhor interesse e não no do bloco, dá margem para divisão”, afirma Sherman Robinson, economista da Peterson Institute for International Economics, organização que analisa comércio global.

A possibilidade de resposta direta é um dos grandes riscos à economia global. “Quando disputas não são levadas à Organização Mundial de Comércio (OMC), que tem fóruns para resolvê-las, o funcionamento de um sistema estável de comércio é colocado em xeque”, afirma Michael McKeon, economista da Bertelsmann Foundation, instituição focada no comércio internacional, em Washington. Isso poderia fazer com que outros países passassem a sobretaxar uns aos outros, sem obedecer a regras internacionais. A própria União Europeia já havia anunciado uma lista de produtos americanos que também seriam sobretaxados em retaliação, como uísques e motocicletas Harley Davidson.

Com a tática das sobretaxas, Trump já conseguiu uma vitória. Na Coreia do Sul, veículos americanos poderão entrar por preços bem mais baixos, enquanto produtores de aço e alumínio devem exportar somente dentro da cota de 70% da média vendida entre 2015 e 2017. A incerteza do que acontecerá em outros países atrapalha planos de investimentos e a estabilidade global. “A interrupção dos fluxos de comércio colocará em risco a economia global quando uma recuperação econômica, embora frágil, é cada vez mais evidente”, afirmou o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo, em um comunicado. No encontro com Trump, Merkel esboçou um sorriso em outra ocasião, enquanto o presidente americano falava. A chanceler parecia rir ironicamente daquele que, apesar dos apertos de mão e dos elogios, mais parece um inimigo comercial.