No dia 7 de abril do ano passado, o Banco Itaú BBA promoveu o seu encontro anual Macrovision, restrito a investidores convidados, no Hotel Unique, em São Paulo. Ao longo de quatro horas, autoridades e especialistas debateram as perspectivas para o Brasil e o mundo. Escalado para participar do penúltimo painel do dia, o então economista-chefe e sócio do Itaú, Ilan Goldfajn, apresentou 14 slides. Em um deles, projetou para 2017 expansão de 0,3% do PIB, taxa Selic em 10%, IPCA em 5% e dólar a R$ 4,25. Quase um ano depois, é possível constatar que, com exceção do PIB, ele estava equivocado nas previsões – felizmente para o Brasil e para si mesmo.

Ao traçar seus prognósticos, Ilan, como é conhecido no mercado, não imaginava que, dois meses depois, assumiria o comando do Banco Central (BC) a convite do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. De lá para cá, ele retomou o controle da inflação, que está convergindo para o centro da meta (4,5%), acalmou o câmbio (o dólar está em R$ 3,15) e passou a reduzir os juros básicos, que devem encerrar o ano em apenas um dígito. Conclusão: a ação eficiente de Ilan no BC “derrubou” as projeções do economista Ilan.

"A LIG, por ter um benefício fiscal, vai ganhar relevância com o passar do tempo, principalmente se a Selic continuar caindo" Gilberto Duarte de Abreu Presidente da Abecip
“A LIG, por ter um benefício fiscal, vai ganhar relevância com o passar do tempo, principalmente se a Selic continuar caindo”
Gilberto Duarte de Abreu Presidente da Abecip

Após sete meses no cargo, o presidente do BC dá sinais de alívio, embora tenha pela frente uma ambiciosa lista de metas, batizada de BC+ (leia quadro ao final da reportagem). O início do trabalho foi muito difícil, a começar pela decisão de trocar o emprego em São Paulo pela missão em Brasília. Em entrevista à DINHEIRO no fim do ano passado, o ministro Meirelles contou que foi preciso gastar muita saliva para convencer nomes qualificados do setor privado a embarcar num projeto de curta duração (o presidente Michel Temer terá, no total, pouco mais de dois anos de mandato).

“Quando eu convidei e eles aceitaram, éramos um governo interino, que só foi efetivado em 31 de agosto”, salientou Meirelles, se referindo aos integrantes de sua equipe econômica. Ilan era um deles. “Houve vários encontros e telefonemas [com Meirelles]”, admite o presidente do BC, que, na quarta-feira 25, recebeu a DINHEIRO por quase uma hora na sala de reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no 20º andar do edifício-sede, em Brasília, onde é decidida a taxa básica de juros.

Aceito o convite, Ilan desembarcou em Brasília com um currículo sólido em formação teórica e em conhecimento prático, que incluía a experiência de três anos como diretor de política econômica do BC, entre 2000 e 2003. Embora tenha trabalhado a maior parte do tempo com o então presidente Arminio Fraga, ainda no governo FHC, ele participou de seis reuniões do Copom na gestão de Henrique Meirelles, que comandou o BC durante o governo Lula. Sua primeira missão, em junho do ano passado, era reconquistar a credibilidade perdida pela autoridade monetária nos cinco anos anteriores, período em que o alvo central da meta de inflação passou, virtualmente, de 4,5% para 6,5%.

“Quanto mais informações de mais pessoas [no cadastro positivo], melhor será a concessão do crédito, reduzindo os juros” Hilgo Gonçalves Presidente da Acrefi
“Quanto mais informações de mais pessoas [no cadastro positivo], melhor será a concessão do crédito, reduzindo os juros”
Hilgo Gonçalves, presidente da Acrefi

Cortês no trato e polido na fala, Ilan jamais cita o nome de seu antecessor, Alexandre Tombini, ao criticar medidas que deram errado. Sequer menciona o nome da ex-presidente Dilma Rousseff, que também cometeu inúmeros equívocos. Aos poucos, o novo guardião do real foi ganhando a confiança dos analistas e melhorando a comunicação com o mercado financeiro. Nas duas primeiras reuniões do Copom, Ilan e os demais diretores optaram por manter a taxa Selic em 14,25% ao ano, num contexto em que a inflação continuava alta, apesar da grave recessão econômica.

Naquele instante, os economistas cravavam o estouro da meta em 2016, o que obrigaria o presidente do BC a encaminhar uma carta ao ministro da Fazenda com as devidas explicações. “Eu achava que era possível [não estourar a meta]”, afirma Ilan, que nunca digeriu a sugestão de alguns especialistas para que a meta fosse ajustada para cima. “Hoje já não se fala mais disso, de meta ajustada. Agora, eu diria que é a meta justa [de 4,5%].” Vencida a batalha de 2016, o desafio seguinte foi ancorar as expectativas para este ano. Na segunda-feira 23, a mediana das expectativas do Boletim Focus, que colhe as previsões de cem instituições financeiras, indicou IPCA de 4,71%.

No grupo dos TOP 5, as instituições que mais acertam as projeções, o índice é de 4,48%. Para Ilan, essa ancoragem é fundamental para demonstrar que a política monetária está no caminho certo. “Esses últimos números de inflação estão compatíveis com esse novo cenário [de queda acelerada dos juros] que a gente vislumbrou.” Nas últimas três reuniões, a partir de outubro, o Copom reduziu os juros básicos. A lentidão, num primeiro momento, gerou críticas. “O Copom deveria ter sido mais ousado no ano passado”, diz Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC).

Novas fontes de crédito: a regulamentação da Letra Imobiliária Garantida (LIG) vai aumentar e baratear o funding para o financiamento de imóveis
Novas fontes de crédito: a regulamentação da Letra Imobiliária Garantida (LIG) vai aumentar e baratear o funding para o financiamento de imóveis (Crédito:Tiago Queiroz/AE)

No encontro mais recente, em janeiro, o ritmo de corte da Selic aumentou de 0,25 para 0,75 ponto percentual, gerando elogios do setor produtivo. “A queda mais rápida dos juros aumenta o otimismo dos empresários e vai se refletir nos índices de confiança”, afirma José Augusto Coelho Fernandes, diretor de políticas e estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Superadas as questões mais urgentes, Ilan passou a estabelecer metas para a agenda estrutural BC+, dividida em quatro pilares, que inclui temas que vão desde a revisão do modelo de relacionamento do órgão com o Tesouro Nacional até o aprimoramento da regulação do mercado de câmbio e ações de educação financeira.

O prazo máximo para todas as ações é de 36 meses. Um dos pilares, batizado de “Crédito mais barato”, poderá afetar o dia a dia de empresas e consumidores. Trata-se de uma tentativa do BC de reduzir o spread bancário. A primeira ação foi a simplificação das regras do compulsório, anunciada na terça-feira 24, em Brasília. Embora não signifique a liberação de mais recursos no curto prazo, a mudança pode resultar, segundo o BC, em custos mais baixos para os bancos, reduzindo o spread.

“A queda mais rápida dos juros aumenta o otimismo dos empresários e vai se refletir nos índices de confiança” José Augusto Coelho Fernandes, Diretor da CNI
“A queda mais rápida dos juros aumenta o otimismo dos empresários e vai se refletir nos índices de confiança”
José Augusto Coelho Fernandes, diretor da CNI

Outro ponto é o aperfeiçoamento da legislação do cadastro positivo, que passa a incluir automaticamente todos os brasileiros no sistema. “Quanto mais informações de mais pessoas, melhor será a concessão do crédito, reduzindo os juros”, afirma Hilgo Gonçalves, presidente da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). Mais uma iniciativa que deve reduzir os calotes é a criação da duplicata eletrônica, um sistema que unifica as informações sobre os recebíveis já utilizados em operações de crédito. Isso, na visão do BC, fortalece as garantias e reduz o spread.

No caso específico do setor da construção civil, a regulamentação da Letra Imobiliária Garantida (LIG) é aguardada com muita expectativa. Trata-se de um instrumento de captação de recursos alternativo aos fundings atuais, que são a caderneta de poupança, o FGTS e a Letra de Crédito Imobiliário (LCI). “A LIG, por ter um benefício fiscal, vai ganhar relevância com o passar do tempo, principalmente se a Selic continuar caindo”, diz Gilberto Duarte de Abreu, presidente a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip). Na entrevista à DINHEIRO, Ilan disse que a regulamentação “vai sair logo”.

“A independência formal do Banco Central é um aperfeiçoamento institucional relevante” Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central
“A independência formal do Banco Central é um aperfeiçoamento institucional relevante”
Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central

Um dos pontos mais populares – e polêmicos – envolve o cartão de crédito, um segmento que cobra juros de 15,3% ao mês ou 453,7% ao ano no crédito rotativo, segundo levantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). Na quinta-feira 26, o Conselho Monetário Nacional (CMN), do qual fazem parte o presidente do BC e os ministros da Fazenda e do Planejamento, oficializou o limite de 30 dias para o uso do crédito rotativo. Após esse período, a dívida do cliente que não paga o valor total da fatura será automaticamente transformada numa linha de crédito pessoal, com juros menores.

Outra medida que mexeu com o setor foi a autorização para que os comerciantes possam cobrar valores diferentes para quem pagar à vista ou no cartão. A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) apóia as medidas tomadas até agora e se coloca à disposição do governo para debater outras questões espinhosas como a redução do prazo de 30 dias que as operadoras têm para pagar os lojistas. “É preciso discutir a indústria de cartões como um todo por conta dos diversos subsídios cruzados”, diz Ricardo Vieira, diretor-executivo da Abiecs. “No Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, 65% das compras parceladas no cartão não têm cobrança de juros.”

Ainda como parte da agenda BC+, há um tema que claramente deixa o presidente Ilan angustiado. Trata-se da participação elevada do crédito direcionado na economia, o que, na prática, reduz a potência da política monetária. “No Brasil, a gente tem o que eu tenho chamado de meia entrada. Metade do crédito é direcionado”, diz Ilan. “Significa que o resto que toma emprestado, que atua na economia, inclusive a Selic, acaba tendo de compensar a meia entrada.” Com esse conjunto de medidas do BC+, Ilan acredita que o spread bancário cairá gradativamente. “Não há milagre”.

Crédito ao bom pagador: a ampliação do cadastro positivo vai melhorar a qualidade das informações necessárias para a concessão de financiamentos
Crédito ao bom pagador: a ampliação do cadastro positivo vai melhorar a qualidade das informações necessárias para a concessão de financiamentos (Crédito:Rubens Cavallari/Folhapress)

Embora o peso da sua cadeira exija cautela em algumas posições, o presidente do BC é enfático ao dizer que o Brasil pode almejar ter, no futuro, uma meta de inflação menor do que a atual de 4,5%, e que o País lidera o ranking mundial dos juros reais por erros cometidos pelos próprios governantes (excesso de gastos públicos, impostos, compulsórios e crédito direcionado). Ele também se coloca contra a criação de linhas especiais de crédito para empresas muito endividadas. “Já cometemos esses erros no passado recente, e não foi o suficiente para fazer a gente sair da crise.” São posições firmes de quem tem autonomia operacional para trabalhar – o ministro Meirelles, que foi presidente do BC, faz questão de garantir essa liberdade.

Ao contrário de sua colega do Federal Reserve, Janet Yellen, que continua no cargo até o ano que vem mesmo com a posse de Donald Trump, Ilan pode deixar a função no fim de 2018, quando o presidente Michel Temer descer a rampa do Palácio do Planalto. Até lá, no entanto, ele pretende empunhar a bandeira da independência formal do órgão (leia entrevista no link abaixo). Para quem já ocupou o cargo, a medida seria extremamente bem-vinda. “É um aperfeiçoamento institucional relevante”, diz Gustavo Loyola, ex-presidente do BC. “É importante e deveria ser feito.” Se Ilan vencer essa batalha, deixará um importante legado aos futuros guardiões do real.

DIN1003-BANCO-CENTRAL8