Não foi exatamente uma surpresa a informação, divulgada na terça-feira (2), de que os militares haviam pedido, dois meses antes da eleição, uma “acareação” no código-fonte das urnas eletrônicas. A história comprova que o modus operandi das Forças Armadas envolve método, não cuidado. Todas as vezes que os militares se colocaram no caminho do curso democrático, o tempo revelou suas intenções verdadeiras: alijar os civis do poder. O slogan pintado em muros de quartéis é “Exército Brasileiro: mão amiga, braço forte”. Errado. A mão não é amiga, é armada. O braço, sem dúvida, é forte. Falta dizer que os motivos são torpes.

Já vamos com quase um quarto do Século 21 e vemos no horizonte a nuvem ameaçadora de outra intentona militar. Após rasgar a Constituição em 1964, a tropa hoje quer colocar em dúvida o processo eleitoral. O único objetivo é fragilizar a confiança no pleito. Essa decisão rasa e insustentável veio acompanhada de um discurso barato, eleitoreiro e frágil do capitão da reserva acantonado no Planalto. Bolsonaro pretende uma reedição da cartilha-dos-medos-nacionais escrita nos anos 1950. Em meados do século passado, a falácia era que sem a proteção do braço forte o comunismo seria instaurado no Brasil. A nova versão personaliza o braço forte no ex-capitão de paraquedistas.

Mas não é bem assim. Hoje o único risco de desvio do rumo democrático tem nome, sobrenome, família empregada no governo e porte de armas. Mas essa é a discussão que a primeira-família e os militares querem evitar. E apelar ao arcaico medo do comunismo ou deixar no ar que há uma fraude em curso no processo eleitoral diz mais sobre os acusadores do que sobre os acusados. Os militares poderiam ter pedido essa acareação desde 29 de agosto de 2021. Se fosse um pedido sério, ele teria sido citado também na “carta de diretrizes para melhoria do processo eleitoral”. Um texto com 22 indicações do Exército ordenando o que fazer para o bom andamento das eleições. Apesar de fora de lugar — fiscalizar as eleições não é atribuição constitucional das Forças Armadas — o texto tinha pontos pertinentes.

A ameaça comunista é ainda mais delirante. O argumento definitivo para comprovar a má-fé da falácia comunista fica do outro lado da Praça dos Três Poderes: o Congresso Nacional, onde Bolsonaro fez sua carreira de 27 anos como parlamentar e apenas dois projetos aprovados. Quem teme uma implantação do comunismo a partir do Executivo tem um calmante eficaz: as imagens de Arthur Lira e de Rodrigo Pacheco presidindo sessões no Congresso. Pensar que esses líderes (e seus liderados) permitiriam que qualquer presidente alterasse o sistema político é um delírio. Sem uma dura, detalhada (leia-se cara) negociação com o Congresso, o presidente não consegue trocar a marca do papel higiênico do Palácio da Alvorada. O único caminho não-parlamentar é com o apoio das Forças Armadas. E basta pensar do lado de quem estão militares e policiais.

Não sou nem quero ser uma arauta do pessimismo. Não acho que Bolsonaro e sua trupe possuam o combo necessário para decompor de vez a democracia brasileira, apesar de algo de podre já ter começado a se alastrar na árvore da soberania popular desenhada por Ulysses Guimarães. Porém, coloco fé nas novas gerações e nas novas tecnologias. A forma como a internet foi usada na campanha de 2018 não vai se repetir neste ano. O eleitor consegue discernir melhor o que é verdade e o que é mentira e é mais capaz de filtrar as informações que recebe. Esse é o curso natural do desenvolvimento humano.

Além disso, há sinais de que a Justiça Eleitoral vai atuar mais duramente contra as fake news e conter quem se arma da liberdade de expressão para propagar desinformação. O primeiro passo já foi dado. O TSE deixou que os militares avaliassem o código fonte da urna (assim como partidos políticos, universidades, centros de pesquisas e representantes de outros países puderam fazer). E estará pronto para mapear como os militares vão se comportar daqui até a divulgação dos resultados eleitorais. Com essa perspectiva, me valho do aniversário de oito anos da partida de Ariano Suassuna (um grande democrata e exaltador do povo brasileiro). Para parafraseá-lo, diria: “Os otimistas são ingênuos, e os pessimistas, amargos. Sou uma realista esperançosa. Sou uma mulher da esperança”.

Paula Cristina é editora de Economia da DINHEIRO