Arquiteto formado em Milão, na Itália, Gustavo Bertolini entrou para o mundo do vinho por influência de um tio que era funcionário da Chandon, há duas décadas. Naquele momento, a operação brasileira da famosíssima marca pertencente ao conglomerado de luxo francês LVMH procurava terras para expandir a produção na Serra do Sudeste (RS), onde as condições para o cultivo de uvas viníferas são favorecidas por um regime de chuvas mais ameno (o índice pluviométrico é bem inferior ao da Serra Gaúcha, onde fica a sede da Chandon no Brasil), o relevo é menos acidentado e o solo tem ótima drenagem. “Até o regime de ventos ali torna as plantas mais saudáveis”, afirmou Bertolini, ao listar as razões que levaram sua família a seguir o exemplo francês e investir em vinhedos na região.

Mais tarde, com a dissolução do negócio com o tio, Bertolini ficou sem vinícola, mas com as videiras que o ajudaram a definir o nome de sua empresa: Manus Vinhas e Vinhos. “Passamos a fornecer uvas para 38 clientes, todos eles produtores de vinhos de boutique”, disse o viticultor. Seu foco passou a ser aprimorar a qualidade de castas italianas icônicas, como Barbera, Nebbiolo e Teroldego. Em parceria com a Embrapa, Bertolini fez um mapeamento das microparcelas dos vinhedos e definiu o que ele chama de Grand Crus de Encruzilhada do Sul. Esse é o nome do município gaúcho onde estão seus vinhedos. “É uma abordagem científica”, afirmou.

VINHEDO DE AUTOR Gustavo Bertolini, o arquiteto que criou a Manus Vinhas e Vinhos: uvas cultivadas com esmero. (Crédito:Divulgação)

Termo de origem francesa que carece de tradução autoexplicativa em português, Grand Cru é uma classificação destinada a vinhos de alta gama, especialmente nas regiões de Bordeaux e Borgonha. Quando se usa a expressão fora desses territórios consagrados, ela equivale a um sinônimo de excelência. É isso que Bertolini tem procurado fazer com suas uvas ­— e também com seus 15 rótulos próprios. Ele voltou a produzir em 2020, ano que no Brasil rendeu a “safra das safras”, segundo a Associação Brasileira de Enologia (ABE). Do volume total de uvas que colhe (este ano serão 270 toneladas), menos de 10% é reservado para sua produção autoral. Para cada rótulo, a previsão é haver apenas 1,5 mil garrafas, que chegam ao consumidor custando entre R$ 80 e R$ 395.

BARBERA ROSÉ Para entender as diferenças entre o vinho de entrada e o topo de gama (um Nebbiolo que estagia em barrica de carvalho francês e fica por três anos na garrafa até que seja liberado para venda) é preciso ter em mente o que Bertolini busca com cada linha que produz. “Definimos algumas parcelas em que teremos vinhos todos os anos e outras que só serão aproveitadas em safras especiais”, afirmou. “O Liberum [mais caro] é um vinho que eu não preciso repetir a cada safra, então me dá mais liberdade para trabalhar no campo.” Obstinado pelo que pode extrair do que ele considera seu “vinhedo autoral”, o winemaker determina as datas de colheita a partir de três pontos de maturação distintos. Foi assim que nasceu o Barbera Rosé. A uva estava aquém do ponto ideal para render um grande tinto, mas Bertolini não quis correr o risco de esperar pelo amadurecimento completo. “Havia muita chuva, o que poderia prejudicar a sanidade dos cachos.”

PARCERIA A sommerlière e empresária Amanda Camilotti, sócia da Mosto Flor (à esq.), com a enóloga Monica Rossetti, que assina rótulos da Itália e de Encruzilhada do Sul. (Crédito: 432 Produtora)

Depois de colhidas as uvas, a elaboração dos vinhos é feita em parceria com outros produtores consagrados, caso de Vilmar Bettú, Joel Ferrari e do uruguaio Alejando Cardozo, proprietário da Empresa Brasileira de Vinificações (EBV) e eleito enólogo do ano em 2021 pela ABE. Aos conhecimentos de cada um se soma o de uma especialista tanto em uvas italianas quanto nas características do terroir da Serra do Sudeste: Monica Rossetti, enóloga que divide seu tempo entre o Brasil e a Itália. Desde 2002, ela acompanha a produção da vinícola Lídio Carraro, cujas uvas também são colhidas no município de Encruzilhada do Sul, enquanto presta consultoria para produtores italianos. Monica já trabalhou na vinícola Ferrari, famosa por seus espumantes, e hoje se dedica à Fattoria de Petrognano, propriedade da família de seu marido, Emanuele Pelegrini, na Toscana. Para os vinhos da Manus, Monica optou pela fermentação com leveduras autóctones (típicas da região) e quase sem madeira (uma exceção é o Nebbiolo).

Monica é também o ponto de intersecção entre a Manus e a importadora Mosto Flor, fundada em Campinas (SP) pela advogada e sommelière Amanda Camilotti e seu pai, Athos Oliveira. A empresa se dedica a trazer para o mercado brasileiro rótulos de grande apelo entre apreciadores, caso do chileno Almaviva, mas foca em linhas exclusivas ­— além da Fattoria de Petrognano, representa Bernard Loiseu, da França, e Osvaldo Amado, de Portugal, entre outros. Por isso, até agora, apenas um rótulo brasileiro consta do catálogo: o espumante Cave Geisse Nature. Em breve, porém, o portfólio será acrescido de parte do que a Manus oferece. Para Amanda Camilotti, a escolha se deveu às características dos produtos. “São verdadeiros vinhos de autor, que expressam a um só tempo o potencial do terroir interpretado pelo winemaker e a potência de Encruzilhada do Sul, com todo cuidado e elegância.”

WINE BAR & BISTRÔ COM SOTAQUE ITALIANO

Antes que os traços orientais e o sobrenome japonês levem à conclusão de que se trata de um sushiman, vale esclarecer: Marcelo Nishiyama tem o maior orgulho de seus ancestrais italianos. Tanto que escolheu o nome Brera para batizar seu restaurante, que ele define como “wine bar & bistro contemporâneo”. Brera é um bairro no centro histórico de Milão que ficou famoso pelos restaurantes. Nascido em Sousas, distrito bucólico de Campinas (SP), Nishiyama morou e trabalhou como chef em Londres. Carol, sua mulher, era sommelière. De volta ao Brasil, eles escolheram um casarão histórico que dá de fundos para um riacho e inauguraram ali um espaço para experiências gastronômicas muito acima da média — inclusive quando se compara à capital paulista. Pois o Brera foi cenário de uma degustação informal de quatro rótulos da importadora Mosto Flor (destaques para o Chablis que Albert Bichot produz para Bernard Loiseu e para o tinto Raríssimo, feito pelo português Osvaldo Amado no Dão). O cardápio de seis etapas foi pensado para valorizar cada vinho e teve como ponto alto os camarões rosa com minilegumes e fonduta de queijo (servido à mesa sobre o prato). Com uma modéstia que beira o exagero, o chef atribui à infância na cozinha da avó seu talento para o ofício. “Lá descobri, desde muito cedo, que uma simples mistura de ingredientes podia transformar-se nos momentos mais inesquecíveis”. A afirmação está no site (brerabistro.com.br), mas nem de longe reflete o prazer de uma refeição preparada por Nishiyama. Quem puder provar pessoalmente irá concordar.