Os especialistas em ações têm duas certezas para 2022. A primeira é que este será um ano difícil para os investimentos em renda variável devido às adversidades da conjuntura, como a economia em desaceleração e os solavancos da eleição presidencial. A segunda é que, mesmo sem garantias de que o Ibovespa brilhe neste ano, há ativos atraentes que podem proporcionar boas oportunidades de ganho para quem souber procurar.

Segundo o principal estrategista de investimentos da gestora RPS Capital, Paolo Di Sora, o cenário internacional será mais adverso. Na quarta-feira (5), o Federal Reserve (Fed), o banco central americano, divulgou as minutas da reunião do Federal Open Market Committee (Fomc), o Copom dos Estados Unidos. O comunicado veio muito mais duro do que os especialistas esperavam, com o Fed anunciando claramente que vai apertar a política monetária americana ainda durante o primeiro trimestre, tanto por meio da alta dos juros quanto pela venda de títulos públicos ao mercado, que vai retirar dinheiro da economia.

Desde o início da pandemia, o Fed injetou mais de US$ 4 trilhões no sistema financeiro global, o que fez seu balanço crescer para US$ 8,3 trilhões. Agora as autoridades monetárias deverão mudar de rumo, o que costuma drenar recursos de economias emergentes. “O Fed vai chamar a cavalaria para conter a inflação, e isso deverá provocar ondas de choque nos mercados ao redor do mundo”, afirmou Di Sora.

Segundo o sócio-fundador da gestora independente 3R Investimentos, Tomas Awad, neste ano os investidores ao redor do mundo terão de ver como as economias funcionam sem os anabolizantes governamentais que estiveram em vigor durante a pandemia. “Agora é hora de lidar com os custos dos pacotes de estímulo e ver como a economia real anda sem eles”, disse Awad. Para ele, a economia global vinha ajudando o País nos últimos anos devido à liquidez abundante e aos preços elevados das commodities, mas isso não se repetirá neste ano. “A desaceleração na China é clara e significativa e vai reduzir a demanda por commodities, fora o risco de eventos geopolíticos mais agudos”, afirmou.

O cenário interno também não é positivo. A Selic, que chegou à mínima histórica de 2% ao ano em 2020, iniciou em maio um novo ciclo de alta. Hoje ela está em 9,25% ao ano, sendo que a expectativa do mercado é 11,5% ao final de 2022. Para o o cogestor e sócio da SFA Investimentos, Alexandre Masuda, inevitavelmente, isso levou muitos investidores para a renda fixa. “A bolsa experimentou uma derrocada no segundo semestre, refletindo a alta dos juros e o cenário incerto para 2022”, afirmou. Após chegar a 130 mil pontos em meados do ano passado, o Ibovespa iniciou 2022 ao redor de 102 mil pontos, e há poucos incentivos para que ele retorne aos patamares anteriores.

Dito isso é hora de esquecer a B3 e pensar em ações apenas em 2023? Não. “Houve uma correção forte porque algumas ações estavam muito caras, e agora encontramos várias oportunidades interessantes, com muitos papéis bem abaixo do seu valor intrínseco”, disse Masuda. Para ele, o mercado já precificou um 2022 muito negativo. “A situação pode ser menos ruim do que aparenta.”

Outro ponto é que, escaldadas por quase dois anos de pandemia, as empresas implantaram programas rígidos de saúde financeira, cortando custos e ganhando eficiência. “Analisando as empresas listadas no Ibovespa, notamos que elas estão menos endividadas, mais eficientes e mais lucrativas do que há seis anos”, disse Masuda. A SFA comparou alguns indicadores. No fim de 2015, a dívida média das empresas equivalia a cinco anos de geração de caixa, medida pelo Ebitda. Agora, essa relação recuou para 0,9. Ou seja, na média, as principais empresas podem zerar sua dívida com 12 meses de atividades normais, o que representa uma alavancagem muito baixa. Além disso, elas estão muito mais generosas com os acionistas. Há seis anos o ganho médio com dividendos era de 2,5% ao ano, e agora está perto de 11%. Ou seja, apesar de o terreno parecer árido, uma leve escavação pode revelar um manancial de oportunidades.