Há pouco mais de quatro anos, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tinha em mãos um processo contra o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP). O caso tratava de crimes de injúria e ameaça. Numa escala de importância, ele nem deveria ter chegado ao STF. Mas, naquele período, o político paulista era o principal símbolo da impunidade por suspeitas de crimes de corrupção, superfaturamento e desvios de dinheiro em obras públicas. Por isso, Mendes precisou decidir sobre uma discussão pitoresca entre Maluf e o financista Roberto Vieira Machado, numa banca de jornal, em São Paulo, ocorrida em dezembro de 2012.

Ao ver o político no local, Machado cumprimentou-o: “Bom dia, não esperava vê-lo andando na rua”. Ao ouvir de Maluf que ele passeava muito, tanto no Brasil como no Exterior, o financista contestou: “Não acredito, pois até onde sei o senhor consta no cadastro da Interpol”. Maluf havia sido incluído na lista dos criminosos mais procurados do mundo em 2010. Três anos antes, o político brasileiro fora condenado à prisão, pelas autoridades americanas, por lavagem de US$ 12 milhões, nos EUA, de desvios realizados em obras da avenida Águas Espraiadas (atual Roberto Marinho), na zona Sul paulistana.

Na quarta-feira 20, o político conhecido pelo “rouba, mas faz” foi condenado na França a três anos de prisão e multa de € 200 mil por lavagem de dinheiro em território francês, pelo mesmo motivo das autoridades americanas. A Justiça também confiscou € 1,8 milhão das contas da família. A defesa afirmou que vai apelar à Corte Suprema. Não estivesse o Brasil mergulhado num lamaçal de corrupção e estarrecido pelos bilhões de reais pagos em propinas a políticos de todas as espécies e categorias, Paulo Maluf mereceria tratamento “mais digno”.

Mas, depois das centenas de delações-bomba, que implicaram Lula, Dilma, Temer, Aécio e companhia, Maluf ficou esquecido e nem mereceu ser a principal notícia de todos os jornalões do País por essa condenação. Ele teve direito a apenas uma linha na primeira página de O Globo. É compreensível, afinal, quem é acusado de lesar os cofres públicos em apenas US$ 1 bilhão ao longo de toda a carreira pública não deve ser comparado aos escroques que fazem muito mais em apenas um mandato (sim, caro leitor, digníssima leitora, é uma ironia!).

Em abril, Maluf comemorou não ter aparecido na Lista de Fachin, a famigerada tabela de políticos que receberam propina da Odebrecht. Era como se fosse a prova de seu comportamento exemplar na política nacional. Um mês depois, porém, a primeira turma do STF condenou-o a sete anos, nove meses e dez dias de prisão, em regime fechado, além da perda de mandato (que depende de decisão da Câmara). O crime? O mesmo da condenação, há dez anos, pelas autoridades americanas e, agora, pela França. Para os ministros, o crime de corrupção estava prescrito, mas não o de lavagem de dinheiro. A defesa, claro, vai recorrer.

A tendência é que o folclórico político, aos 85 anos, saia incólume das condenações. Como aconteceu na briga com o financista, apesar da truculência de Maluf e seus seguranças, das ameaças e de chamar Machado de v*@%&. Gilmar Mendes escreveu que aquele era um simples bate-boca, “de expressões de pouca elegância, sem seriedade suficiente”. Maluf é um espécime raro: um mesmo crime rodando o mundo há tanto tempo, que ninguém lembra mais. É melhor que não seja esquecido. Se não, alguém pode achar que a política no tempo dele era muito mais séria.