“No Brasil, o político é veado, corno ou ladrão. A mim, escolheram como ladrão.” Esta célebre frase, proferida no final da década de 1970 pelo deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), ex-prefeito de São Paulo (1993-1996), define com precisão o personagem incorporado por ele ao longo das últimas décadas. Com um sotaque inconfundível, o caricato parlamentar negou, à exaustão, todas as acusações contra si, mesmo aquelas que em tinham foto, testemunha e sua impressão digital.

Indiscutivelmente, nenhum político brasileiro representou tão bem a ladroagem e a impunidade quanto Maluf. Sustentando por um eleitorado permissivo, que não tem vergonha de sorrir ao ouvir o sórdido slogan “rouba, mas faz”, ele ajudou a sujar ainda mais o elenco político brasileiro. Seu nome inspirou até o verbo malufar, que significa roubar. Perto dele, o encarcerado ex-governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, gatuno contumaz, é um aprendiz – pelo menos para escapar da Justiça.

Na quarta-feira 20, na semana que antecedeu o Natal, a imagem deprimente de Maluf se entregando à Polícia Federal trouxe à sociedade um fiapo de esperança na tão sonhada extinção da impunidade generalizada. Encurvado sobre uma bengala, cercado por advogados e agentes da PF, Maluf se rendeu para cumprir a ordem do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que um dia antes havia determinado a execução da pena imposta ao deputado. Ele está condenado pela Primeira Turma da Corte a sete anos, nove meses e dez dias de prisão em regime fechado. A primeira turma determinou ainda que ele perca o mandato de deputado.

Aos 86 anos, Maluf, que foi governador de São Paulo durante o regime militar, lapidou a imagem de criminoso hábil. A mais recente sentença o condenou por dinheiro desviado de obras públicas e remessas ilegais ao exterior, por meio da atuação de doleiros. O deputado foi condenado também por ter participado de um esquema de cobrança de propinas na Prefeitura de São Paulo, em 1997 e 1998, que teria contado com o seu envolvimento nos anos seguintes. Os recursos teriam sido desviados da construção da Avenida Água Espraiada, hoje chamada Avenida Roberto Marinho. As cifras envolvendo todos os desvios de Maluf ainda são desconhecidas, mas os números mais modestos sugerem algo em torno de R$ 1 bilhão – dinheiro de pinga perto da roubalheira atribuída à tropa petista, mas um feito e tanto por se tratar de uma conquista individual. Ele é o único parlamentar brasileiro na lista dos procurados pela Interpol.

Ironicamente, Maluf celebrou, em abril, por não ter seu nome indicado na Lista de Fachin, o tabelão de políticos que receberam propina da Odebrecht. Ele concedeu entrevistas e apareceu em colunas sociais com a desenvoltura de quem está limpo com o passado, como se representasse o símbolo da ética e do bom comportamento na política. Vale lembrar que Maluf já havia sido condenado também pelas autoridades americanas e francesas por corrupção e lavagem de dinheiro.

Como já era de se esperar, os advogados de Maluf alegaram problemas de saúde – desde hérnia de disco até câncer na próstata – para tentar afrouxar a pena do cliente. “Esta decisão do ministro Fachin vem ao encontro deste momento punitivo e dos tempos estranhos pelos quais passamos”, alegou o advogado de defesa, Antonio Carlos de Almeida Castro. De fato, vivemos dias fora do comum, em que empresários poderosos e políticos famosos estão observando o sol nascer quadrado com mais frequência. É claro que Maluf poderá ser solto muito em breve – ou até já esteja livre enquanto você lê este artigo. Seja como for, sua condenação tardia é emblemática. Se a Justiça prevalecer, e Maluf passar um bom tempo atrás das grades, terá tempo para repensar seus pecados e preconceitos. Ser homossexual ou corno não é crime no Brasil. O que ele fez com o dinheiro público, sim.