No vácuo aberto pela crise política, o Brasil precisava de um líder econômico. O ministro Pedro Malan se apresentou. Ele deixou de lado seu estilo reservado e foi ao ataque em sucessivas viagens internacionais para defender a imagem do País diante de acusações de protecionismo disparadas pelos Estados Unidos. Fez road shows em Londres e Nova York, travou exaustivos encontros com autoridades internacionais e ainda encontrou espaço para devolver aos países ricos as farpas sobre barreiras comerciais. Lá fora, convenceu os mercados de que a economia brasileira atravessa, apesar da crise argentina e das provocações americanas, um bom momento. Internamente, produziu uma posição de governo compreensível, objetiva e coesa. De seu tradicional adversário José Serra, da Saúde, passando por Alcides Tápias, do Desenvolvimento, com quem tem relações protocolares, e chegando a seu aliado Armínio Fraga, do Banco Central, Malan fez com que todos na área econômica falassem a mesma língua, a da soberania nacional.

No Dia do Trabalho, 1º de Maio, quando estava em Nova York, Malan capitaneou a indignação do governo brasileiro às duras críticas feitas pelo Departamento de Comércio da Casa Branca (USTR) contra a Lei de Patentes brasileira. Os EUA acusaram o País de usar os programas de combate à Aids como um disfarce para práticas protecionistas de remédios produzidos aqui. Ameaçaram usar ?força total? e ?recorrer a leis internacionais? para punir o Brasil em casos de quebra de patentes de empresas americanas. A afirmação serviu de senha para as indústrias multinacionais no Brasil. A Merck, por exemplo, aproveitou o relatório do USTR para criticar a legislação nacional. ?Se a Organização Mundial do Comércio (OMC) concordar com a tese brasileira, a Merck poderá ser forçada a produzir seus produtos em 150 países?, disse Marcos Levy, diretor de assuntos corporativos da Merck. ?Isso é um absurdo completo.?

Não é assim que o ministro pensa. Comprovando a fama de estrategista, o ministro decidiu ser duro na resposta à Casa Branca porque sabia que diversos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), davam apoio à política brasileira de medicamentos. ?O Brasil não é, de nenhuma maneira, um País protecionista?, disse. Segundo ele, os países ricos é que são protecionistas, ao impor barreiras aos produtos agrícolas e manufaturados. ?Nossa agricultura é mais competitiva e eles, os países avançados, sabem disso e, portanto, se protegem.?

No comando do contra-ataque, Malan até se aliou ao seu principal rival no governo. Ao ser questionado sobre a eventual represália do governo brasileiro, ele prestigiou o ministro da Saúde, José Serra. ?Pelo que conheço do ministro da área, ele não deixará a atitude sem resposta. E ela virá ainda hoje.? Enquanto isso, Serra, o novo aliado, decidia em sua residência, em São Paulo, a maneira de revidar à Casa Branca. Em poucos minutos, esboçou de próprio punho uma nota oficial, ditada por telefone aos assessores em Brasília. ?Se algum país das Américas merece a qualificação de protecionista, são os Estados Unidos, que recorrem a toda sorte de barreiras não-tarifárias para obstruir as exportações dos países latino-americanos.?

Malan, o homem forte da ofensiva, também se aproximou de outro colega de divergências, o ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias. Rivais em questões tributárias e industriais, os ministros juntaram esforços na hora de lutar contra as barreiras dos países ricos. Na sala de embarque da Varig, rumo a Washington, onde iria participar da reunião semestral do Fundo Monetário Internacional, Malan recebeu o telefonema de Tápias. Os dois trataram durante 15 minutos de política externa. Outro interlocutor freqüente das conversas telefônicas de Malan tem sido o ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer. Neste caso, a parceria ultrapassa as discussões tarifárias. Malan, que tinha uma boa relação com o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, nutre uma amizade antiga com Lafer.
Em sua missão de defender a imagem do Brasil, Malan perseguiu os holofotes nas viagem a Londres e Estados Unidos. Em Washington, na reunião do FMI, apitou no campo do poderoso presidente do banco central (FED) americano, Alan Greenspan, ao defender a redução do juro básico americano. O benefício para a economia brasileira é claro: taxas baixas lá estimulam investidores a colocar dinheiro em lugares onde os juros são altos, como o Brasil. Também não cansou de repetir os avanços da economia brasileira, em inglês com seu indefectível sotaque. Fez isso nas reuniões do Fundo e em Nova York durante encontros com banqueiros, empresários e investidores no Conselho das Américas e na Câmara Americana de Comércio.

Mas uma das conversas mais aguardadas aconteceu no número 33 da Liberty Street, no dia 1º deste mês. Ali, Malan encontrou um velho conhecido: o presidente do FED de Nova York, William McDonough. Os dois falaram sobre a economia americana, européia e japonesa. Malan voltou a discursar sobre um de seus assuntos favoritos: o cumprimento das metas fiscais brasileiras. É assunto que o ministro tem levado às reuniões feitas nas duas viagens realizadas nas últimas semanas a Londres. Para dissipar as desconfianças da contaminação argentina no Brasil, o ministro disse que as bases macroeconômicas brasileiras são sólidas. ?Os fundamentos da economia brasileira são fortes e o País está em uma situação muito melhor para resistir a choques externos do que estava há alguns anos?, disse para uma platéia de burocratas e economistas. E, como de costume, buscou vencer pela insistência dos números: ?O PIB está crescendo a 4,4% ao ano, a inflação está limitada a 6%, dentro da meta do governo, e o superávit do setor público atingiu R$ 15 bilhões no primeiro trimestre, contra R$ 10 bilhões no mesmo período do ano passado?. Com o mesmo jogo de cintura que usou para se defender com os americanos, Malan se esquivou da pergunta recorrente em quase todos os encontros que participou. ?Ministro, o senhor é candidato à presidência da República??, questionou um investidor em Nova York. ?Eu não posso ouvi-lo?, respondeu um sorridente ministro.

?Acusação dos EUA é escandalosa?

Deise Leobet

Foi pelo telefone, ditada a partir de sua casa em São Paulo a um assessor em Brasília, que o ministro da Saúde, José Serra, produziu na noite da terça-feira, 1, uma bomba diplomática. ?Os Estados Unidos não estão acostumados com que países latino-americanos também defendam seus interesses?, encerra a nota oficial que ele assina, um petardo na arrogância norte-americana. Bem humorado pela repercussão do texto, Serra falou a DINHEIRO.

DINHEIRO ? Por que os EUA estão contra a política brasileira para a fabricação de medicamentos?
SERRA ? A reação da USTR contra o Brasil revela a desconfortável posição em que se encontra aquele país. Ela está sendo pressionada pelos laboratórios farmacêuticos, que têm um peso muito grande na administração Bush, a adotar essa postura. Isso é claro porque, embora a lei de patentes brasileira afete vários produtos, o clima de hostilidade se dá justamente na área de medicamentos. Os dispositivos da legislação de patentes brasileira que estão sendo contestados pelos americanos na Organização Mundial do Comércio são muito semelhantes aos existentes na legislação deles. O mesmo abuso de preços que nós combatemos, e pelo qual somos criticados, eles também não gostam. Tanto que 40 Estados norte-americanos estão discutindo medidas para conter abusos de preços.

DINHEIRO ? Os Estados Unidos acusam a política anti-Aids brasileira de ser um álibi para o protecionismo…
SERRA ? Isso é escandaloso. Os dispositivos que nos permitem quebrar patentes existem na nossa legislação desde 1997, mas até agora nunca foram utilizados. Pelo acordo Trips, nós poderíamos ter prorrogado a aprovação de uma lei de patentes até 2005. Mas por pressão dos EUA o Congresso brasileiro a fez valer a partir de 1997.

DINHEIRO ? O Brasil vai continuar respondendo as provocações?
SERRA ? Até hoje o Brasil nunca soube se defender direito. Mas desde que abrimos nossa economia, passamos a ter todo o direito de cobrar e contestar medidas a nós aplicadas. E é o que vamos fazer daqui por diante.

Com reportagem de Ivan Martins