27/04/2001 - 7:00
No vácuo aberto pela crise política, o Brasil precisava de um líder econômico. O ministro Pedro Malan se apresentou. Ele deixou de lado seu estilo reservado e foi ao ataque em sucessivas viagens internacionais para defender a imagem do País diante de acusações de protecionismo disparadas pelos Estados Unidos. Fez road shows em Londres e Nova York, travou exaustivos encontros com autoridades internacionais e ainda encontrou espaço para devolver aos países ricos as farpas sobre barreiras comerciais. Lá fora, convenceu os mercados de que a economia brasileira atravessa, apesar da crise argentina e das provocações americanas, um bom momento. Internamente, produziu uma posição de governo compreensível, objetiva e coesa. De seu tradicional adversário José Serra, da Saúde, passando por Alcides Tápias, do Desenvolvimento, com quem tem relações protocolares, e chegando a seu aliado Armínio Fraga, do Banco Central, Malan fez com que todos na área econômica falassem a mesma língua, a da soberania nacional.
No Dia do Trabalho, 1º de Maio, quando estava em Nova York, Malan capitaneou a indignação do governo brasileiro às duras críticas feitas pelo Departamento de Comércio da Casa Branca (USTR) contra a Lei de Patentes brasileira. Os EUA acusaram o País de usar os programas de combate à Aids como um disfarce para práticas protecionistas de remédios produzidos aqui. Ameaçaram usar ?força total? e ?recorrer a leis internacionais? para punir o Brasil em casos de quebra de patentes de empresas americanas. A afirmação serviu de senha para as indústrias multinacionais no Brasil. A Merck, por exemplo, aproveitou o relatório do USTR para criticar a legislação nacional. ?Se a Organização Mundial do Comércio (OMC) concordar com a tese brasileira, a Merck poderá ser forçada a produzir seus produtos em 150 países?, disse Marcos Levy, diretor de assuntos corporativos da Merck. ?Isso é um absurdo completo.?
Não é assim que o ministro pensa. Comprovando a fama de estrategista, o ministro decidiu ser duro na resposta à Casa Branca porque sabia que diversos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), davam apoio à política brasileira de medicamentos. ?O Brasil não é, de nenhuma maneira, um País protecionista?, disse. Segundo ele, os países ricos é que são protecionistas, ao impor barreiras aos produtos agrícolas e manufaturados. ?Nossa agricultura é mais competitiva e eles, os países avançados, sabem disso e, portanto, se protegem.?
No comando do contra-ataque, Malan até se aliou ao seu principal rival no governo. Ao ser questionado sobre a eventual represália do governo brasileiro, ele prestigiou o ministro da Saúde, José Serra. ?Pelo que conheço do ministro da área, ele não deixará a atitude sem resposta. E ela virá ainda hoje.? Enquanto isso, Serra, o novo aliado, decidia em sua residência, em São Paulo, a maneira de revidar à Casa Branca. Em poucos minutos, esboçou de próprio punho uma nota oficial, ditada por telefone aos assessores em Brasília. ?Se algum país das Américas merece a qualificação de protecionista, são os Estados Unidos, que recorrem a toda sorte de barreiras não-tarifárias para obstruir as exportações dos países latino-americanos.?
Malan, o homem forte da ofensiva, também se aproximou de outro colega de divergências, o ministro do Desenvolvimento, Alcides Tápias. Rivais em questões tributárias e industriais, os ministros juntaram esforços na hora de lutar contra as barreiras dos países ricos. Na sala de embarque da Varig, rumo a Washington, onde iria participar da reunião semestral do Fundo Monetário Internacional, Malan recebeu o telefonema de Tápias. Os dois trataram durante 15 minutos de política externa. Outro interlocutor freqüente das conversas telefônicas de Malan tem sido o ministro das Relações Exteriores, Celso Lafer. Neste caso, a parceria ultrapassa as discussões tarifárias. Malan, que tinha uma boa relação com o ex-chanceler Luiz Felipe Lampreia, nutre uma amizade antiga com Lafer.
Em sua missão de defender a imagem do Brasil, Malan perseguiu os holofotes nas viagem a Londres e Estados Unidos. Em Washington, na reunião do FMI, apitou no campo do poderoso presidente do banco central (FED) americano, Alan Greenspan, ao defender a redução do juro básico americano. O benefício para a economia brasileira é claro: taxas baixas lá estimulam investidores a colocar dinheiro em lugares onde os juros são altos, como o Brasil. Também não cansou de repetir os avanços da economia brasileira, em inglês com seu indefectível sotaque. Fez isso nas reuniões do Fundo e em Nova York durante encontros com banqueiros, empresários e investidores no Conselho das Américas e na Câmara Americana de Comércio.
Mas uma das conversas mais aguardadas aconteceu no número 33 da Liberty Street, no dia 1º deste mês. Ali, Malan encontrou um velho conhecido: o presidente do FED de Nova York, William McDonough. Os dois falaram sobre a economia americana, européia e japonesa. Malan voltou a discursar sobre um de seus assuntos favoritos: o cumprimento das metas fiscais brasileiras. É assunto que o ministro tem levado às reuniões feitas nas duas viagens realizadas nas últimas semanas a Londres. Para dissipar as desconfianças da contaminação argentina no Brasil, o ministro disse que as bases macroeconômicas brasileiras são sólidas. ?Os fundamentos da economia brasileira são fortes e o País está em uma situação muito melhor para resistir a choques externos do que estava há alguns anos?, disse para uma platéia de burocratas e economistas. E, como de costume, buscou vencer pela insistência dos números: ?O PIB está crescendo a 4,4% ao ano, a inflação está limitada a 6%, dentro da meta do governo, e o superávit do setor público atingiu R$ 15 bilhões no primeiro trimestre, contra R$ 10 bilhões no mesmo período do ano passado?. Com o mesmo jogo de cintura que usou para se defender com os americanos, Malan se esquivou da pergunta recorrente em quase todos os encontros que participou. ?Ministro, o senhor é candidato à presidência da República??, questionou um investidor em Nova York. ?Eu não posso ouvi-lo?, respondeu um sorridente ministro.
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Com reportagem de Ivan Martins