Não é de hoje que a relação entre o tamanho e a eficiência do Estado brasileiro é colocada no centro de uma discussão que divide civis e servidores públicos. Na verdade, a primeira vez que o tema ganhou repercussão nacional foi no governo Getúlio Vargas, em 1940, durante o Estado Novo. Desde então, o número de servidores só cresceu, passando de 500 mil para os atuais 11,2 milhões estimados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Para tentar frear esse crescimento, o governo de Jair Bolsonaro, ancorado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, resolveu apresentar sua própria versão de um Estado mais enxuto. Por meio da PEC 32, eles prometem diminuir o número de servidores, criar planos de carreira e oferecer aos entrantes salários alinhados à iniciativa privada, além de desenvolver sistemas eficientes que reduzam a burocracia e a baixa eficiência dos serviços públicos. Ótimo na teoria, cheio de problemas na prática. Para compensar a baixa de servidores, o número de comissionados pode saltar até 15 vezes, e a retirada de garantias de proteção de emprego eleva a instabilidade para quem presta serviços essenciais.

Como está desenhada hoje, a reforma administrativa permite, apenas no âmbito federal, que o presidente nomeie 90 mil pessoas que não fazem parte do setor público para os cargos comissionados. Hoje, esse número gira em torno de 6 mil pessoas. A estimativa foi feita com base nos dados do Portal da Transparência. Outro levantamento, da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado, mostra que os cargos de confiança poderão crescer de modo escalonado em estados e municípios, chegando a 1 milhão de pessoas. Hoje, esse número gira em torno de 600 mil.

O deputado Arthur Maia (DEM-BA), que é relator do texto, afirmou que agirá para tirar esse ponto. “Não há razão para favorecer o aumento da intromissão indevida da política na administração pública”, disse. O texto enviado pelo governo retira a norma que reserva a servidores efetivos a nomeação para 50% dos cargos de confiança. Segundo a consultoria do Senado há uma associação entre cargos de confiança e corrupção. “A PEC, ao ampliar as possibilidades, tende, portanto, a fomentar a prática da corrupção”, dizia o documento. Outro ponto citado como problemático é que o texto, que inicialmente trataria apenas de ingressantes, também pode atingir funcionários em serviço. Segundo a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil) o texto permite a perda do cargo público por simples decisão colegiada, sem o necessário trânsito em julgado. Para o presidente da Servir, deputado Israel Batista (PV-DF), isso afronta a segurança jurídica do cargo.

Segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes, a percepção geral do cidadão é de que “o Estado custa muito, mas entrega pouco”. Ele disse que a reforma pretende evitar um duplo colapso: na prestação de serviços à população e no orçamento público. Ele não explicou, no entanto, o aumento no número de servidores comissionados, ou a questão da segurança jurídica.

TEORIA E PRÁTICA Se sob a ótica do governo, o projeto sana um problema que atravessa décadas. Na prática, ele não mexe em questões que tornam o Estado inchado e pouco eficiente. Segundo Rodrigo Spada, presidente da Federação Brasileira de Associações Fiscais de Tributos Estaduais, a reforma não traz grandes evoluções. “Nada entrega de governo digital, capacitação, qualificação do servidor público.”

Ernesto Camicha, professor de Direito Público da Universidade de Brasília e um dos autores da Lei 11.901, de 2005, que trata dos planos de carreira de funcionários públicos, disse que o texto visa o aparelhamento do Estado. “Os servidores precisam saber que não serão demitidos a cada troca de governo”, disse. Agora, sem mecanismos claros para medir eficiência, as chances de perseguição política crescem, e um shutdown dos serviços também. Para ele, o Estado precisa se modernizar, mas não assim. “Há cargos e funções obsoletas. Mas há também privilégios exagerados”. Ele cita a tranformação digital como forma de tirar pessoas de funções mecânicas e elevar a precisão de serviços. Isso seria enxugar o Estado. O resto é balela de presidente populista.

PAI DO ANO

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Chamado em Brasília de “pai da reforma administrativa”, o advogado Wagner Lenhart foi indicado para assumir a Diretoria Institucional do Banrisul, banco estatal gaúcho. Ele fez parte do círculo mais próximo de Paulo Guedes até abril deste ano, quando anunciou sua saída governo alegando razões pessoais.

Todo pai, em algum momento, chega à exaustão. Com o filho pródigo dando sinais de avanço no Congresso, não tardou para que a recompensa viesse a Lenhart. Enquanto estava no governo, o advogado foi secretário de Gestão e Desempenho de Pessoal. Um dos mantras dele, no governo, era a necessidade de rever as formas de contratação e a estabilidade do servidor. Como todo bom pai, ele resolveu deixar o filho caminhar sozinho no curso das Casas Legislativas.