Uma das mais célebres frases atribuídas ao ex-ministro Pedro Malan, homem-forte do governo Fernando Henrique Cardoso, dizia que “no Brasil até o passado é incerto”. Mas nem tudo é. Sob o ponto de vista de expansão econômica, pode-se afirmar que poucas coisas são tão previsíveis quanto a ausência de crescimento. Na terça-feira (27), enquanto o ministro Paulo Guedes e sua tropa de choque bolsonarista divulgavam com pompa e otimismo a chamada Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil e explanava sobre metas até 2031, um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) atestava que o progresso não é, definitivamente, uma vocação brasileira. De acordo com o levantamento, entre 2011 e 2020, considerando uma retração de 4,8% do PIB neste ano, o Brasil vai ter produzido uma média ridícula de -0,1% ao ano na década, muito pior do que o índice de 1,6% registrado nos anos de 1980, ciclo conhecido como “década perdida”. Na comparação com o restante do planeta, com base nas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) para todos os países, 84% das economias do mundo (162 em 192) e 85% dos emergentes (130 em 153) tiveram um desempenho melhor do que o Brasil. E nada disso tem a ver com a pandemia. “A crise do coronavírus só agravou uma situação que já era muito ruim”, afirmou Marcel Balassiano, pesquisador da área de Economia Aplicada da FGV. “Com ou sem Covid-19, nossa década seria perdida.”

Assim como a posição retardatária no crescimento, o País está na lanterna no quesito investimentos. Nos últimos dez anos, 84% dos países (144 em 172) tiveram desempenho proporcional melhor que o do Brasil. Entre 2011 e 2020, os investimentos deverão ter registrado queda média de 2,2% ao ano, segundo o estudo da FGV. Será a primeira queda do investimento para um período de dez anos desde 1980. O investimento é mais um dado que evidencia a fraqueza econômica do País na década atual. “Diferentemente do fantasma da inflação de quase 40 anos atrás, o que gera problemas hoje é a incerteza sobre a situação fiscal do Brasil”, afirmou Balassiano. De acordo com ele, nos anos recentes, o fraco desempenho dos investimentos se concentrou de 2014 em diante, período a partir do qual a economia brasileira enfrentou uma dura recessão até 2016, observou um triênio de lenta recuperação e, agora em 2020, passou a ser impactada pela pandemia de coronavírus, que colocou o País novamente em recessão.

NEM TÃO PERDIDA Entre os anos 1980 e 1990, Brasil enfrentou a hiperinflação, a moratória, uma nova Constituição (foto) e dois regimes políticos. Ainda assim, cresceu mais que atualmente. (Crédito:Divulgação)

NOVO PAC Para virar o jogo, o governo aposta no programa Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil (que nada mais é que uma nova versão do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC). Na visão palaciana, tal medida teórica tem capacidade de ajudar o País a ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países ricos. Com 36 nações, a OCDE foi fundada em 1961 e tem o objetivo de coordenar políticas econômicas entre os membros. Reúne algumas das maiores economias mundiais, como Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França e Canadá. Segundo o ministro Paulo Guedes, o Brasil estabeleceria, assim um planejamento “orientado à retomada econômica que já considera o pós-pandemia para atualização dos parâmetros e também a melhor colocação do País em indicadores internacionais”. Segundo o ministro, a estratégia irá permitir a comparação dos resultados obtidos com as demais nações do mundo. “Essa é uma das premissas para a ascensão à OCDE.” Por, aqui, no entanto, parte do programa foi mal vista pelo Congresso. Tem nas questões da viabilidade financeira do projeto e a privatização de mercados hoje controlados pelo Estado, como a saúde e a educação, seus maiores pontos de atrito.

PLANO OUSADO Ministro Paulo Guedes garante que o País pode crescer, em média, 2,2% ao ano até 2031. (Crédito:Andre Borges)

Hoje, embora seja parceiro da OCDE desde 1996, o Brasil não é um membro oficial, mas desde 2017 tenta ingressar. O Ministério da Economia espera que a atividade brasileira cresça em média anual de 2,2% até 2031, caso um pacote de reformas fiscais seja aprovado pelo Congresso. Nos cálculos da OCDE, se reformas microeconômicas saírem do papel e o nível de escolaridade da população avançar, a alta média do Produto Interno Bruto (PIB) ficará maior: 3,5% no mesmo período. A equipe econômica também estabeleceu metas para infraestrutura. Com alta média do PIB de 2,2%, a taxa média de investimentos em infraestrutura iria dos atuais 1,3% para 1,8%. Com crescimento médio de 3,5%, o índice chegaria a 3,4%. E assim, quem sabe, conseguir salvar a próxima década.