A antecipação de recebíveis de cartão de crédito, um dos recursos financeiros mais usados pelas empresas, vai ganhar ainda mais força. Em junho entra em vigor uma nova regulamentação do Banco Central (BC) que determina que os recebíveis de cartões de crédito, assim como as notas promissórias, terão de ser cadastrados em câmaras registradoras. Com isso, será mais fácil vendê-los para terceiros ou usá-los como garantia na obtenção de financiamentos. Essas medidas devem aumentar a liquidez e a segurança dos negócios com esses recebíveis, o que vai facilitar a entrada de mais compradores, melhorando o acesso ao crédito para empresários. A possibilidade de reduzir o deságio vai representar um alívio para os comerciantes, que têm visto suas margens pressionadas e têm de recorrer a bancos para antecipar recursos.

O mercado já é pujante, mesmo sem mudanças na regulamentação. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartão de Crédito e Serviços (Abecs), as transações com cartões de crédito, débito e pré-pagos movimentaram mais de R$ 2 trilhões no ano passado. Para o fundador e CEO da Grafeno, fintech que faz registros eletrônicos dessas transações, Paulo David, desse total, menos de R$ 200 bilhões foram renegociados no mercado secundário, sendo descontados ou securitizados. É muito, mas é pouco. Isso porque o volume antecipado representa menos de 10% do total. “Hoje os comerciantes só têm como negociar recebíveis com as próprias empresas de cartão de crédito”, disse David. “A partir de agora, com a possibilidade registrar as notas e duplicatas, eles poderão escolher para quem querem vender.”

A obrigatoriedade de registrar os recebíveis já deveria estar em vigor. O BC adiou a primeira data, julho de 2019. Em outubro de 2020, o prazo foi postergado para fevereiro deste ano, pois a pandemia atrasou os testes com o sistema. A nova data de início está agendada para o dia 7 de junho. Sete empresas serão responsáveis pelos registros até o fim do ano. Segundo David, a redução dos riscos de fraude vai retirar o principal entrave para o desenvolvimento desse produto. “O volume de registros deve chegar a R$ 400 bilhões, valor que hoje não é utilizado, pelo receio que o mercado tem das notas frias”, disse. “Agora, os registros ganham credibilidade.”

MATCH Gustavo Muller fundou a Monkey, plataforma que reúne quem tem recebíveis com compradores em potencial, em um leilão reverso. (Crédito:Patricia Cançado)

COMPETIÇÃO Essa também é a avaliação do empresário Gustavo Muller, fundador da fintech Monkey. A empresa desenvolveu um sistema que conecta as várias pontas do negócio, driblando a burocracia e a falta de formalização das transações que impediam o crescimento desse mercado. A Monkey une quem tem recebíveis contra empresas de grande porte e baixo risco de crédito, como uma siderúrgica, a compradores em potencial. Quem tem recebíveis de boa qualidade pode oferecê-los em um leilão reverso: ganha quem cobrar o menor deságio. “Se a empresa tem R$ 1 milhão para receber de uma grande companhia, ela estabelece um valor de desconto e joga na plataforma para encontrar quem tem as melhores condições. Dando match, o negócio é fechado”, afirmou Muller. Segundo ele, a plataforma, lançada em 2018, cresce de maneira consistente. Foram R$ 140 milhões em negócios no primeiro ano, R$ 1 bilhão em 2019 e R$ 7,5 bilhões no ano passado. Apenas no primeiro bimestre de 2021 foram R$ 2 bilhões. Até dezembro, a expectativa é chegar a R$ 20 bilhões.

Tanto potencial também chamou a atenção da sueca Intrum. Fundada há mais de um século, a empresa faturou 2 bilhões de euros em 2020, com ações listadas na bolsa americana Nasdaq. Ela desembarcou no Brasil há dois anos, em sua primeira entrada na América Latina, atuando com gestão e aquisição de carteiras de empréstimo, tanto adimplentes quanto inadimplentes. Segundo o CEO da Intrum no Brasil, Ulisses Rodrigues, há um grande potencial no mercado brasileiro em função do aumento crescente do endividamento. “Estamos repetindo aqui o que fazemos em 24 países e pesquisando, junto às empresas brasileiras, o comportamento do consumidor e o crescimento da inadimplência”, disse.

O executivo trabalha há mais de 20 anos na gestão e na aquisição de ativos de crédito, tendo passado pelo Goldman Sachs e pela Credigy Soluções Financeiras. Para ele, muitas empresas terão problemas de inadimplência com o cres cimento do desemprego. “Isso se resolve com o tempo e com crédito na hora certa”, afirmou Rodrigues. Ele avalia que o mundo vive o paradoxo de uma crise sem precedentes ao lado de um excesso de capital para ser investido. “A saída será trazer essa liquidez para o Brasil, comprando recebíveis.”