Existe um nó planetário no comércio internacional que não está apenas na origem, a produção de alimentos e bens de toda ordem – que têm sofrido com gargalos e escassez, filhos da pandemia e da guerra na Ucrânia. Esse nó está também no fim da cadeia, o fluxo e distribuição dessa produção pelo mundo. É aí que entra o papel estratégico da gigante dinamarquesa A.P.Moller-Maersk. A empresa sabe que precisa mergulhar nas dores de seus clientes para realizar as próprias estratégias e alcançar as metas. “Condições excepcionais de mercado levaram a crescimento e lucratividade recordes”, afirmou Soren Skou, o CEO da empresa, na apresentação dos resultados finais de 2021. “Mas também levaram a interrupções na cadeia de suprimentos e desafios severos para nossos clientes.”

Ao citar que o atual cenário macroeconômico, que colaborou muito para o alcance do melhor desempenho da história da companhia, nascida em 1904, é o mesmo que atrapalha a performance de parte relevante de seus clientes, a Maersk acredita que a solução esteja em mergulhar na logística de ponta a ponta e não apenas no trecho final da jornada, focado na distribuição. “Dedicamos esforços tremendos para mitigar gargalos, expandindo a capacidade em todo o oceano, melhorando a produtividade nos terminais e aumentando nossa presença logística global”, afirmou Skou. O transporte marítimo internacional é responsável por 90% das transações comerciais realizadas nos cinco continentes. E a Maersk responde por 20% de todas as operações logísticas em 130 países. O faturamento em 2021 atingiu a cifra de US$ 61,7 bilhões, aumento de 55% na comparação anual.

Os negócios na América Latina corresponderam a 4% (US$ 2,4 bilhões) do montante global. Em termos relativos, não é um grande porcentual e mostra que a inserção da região no comércio internacional está abaixo da média mundial, já que os países de América Latina e Caribe concentram 9% da população global e 6% do PIB. De toda forma, dentro desse recorte o Brasil predomina, com 70% do faturamento (US$ 1,6 bilhão). O executivo Julian Thomas, presidente da Maersk na Costa Leste da América Latina, prevê incremento de 45% no faturamento da logística em 2022.

AÇÕES NA PANDEMIA A Maersk ampliou uso de navios e de outros meios de transporte, como trens, barcaças e caminhões, para dar conta da demanda e evitar a formação de gargalos na cadeia logística. (Crédito:Divulgação)

A grande questão sobre a mesa de Thomas é separar o que é causa do que é consequência nos resultados da companhia. Ele confirma prováveis aumentos no valor do frete em decorrência dos reajustes frequentes dos combustíveis. “Os preços subiram estratosfericamente e foram repassados aos fretes, o que impacta todos os custos da cadeia”, disse à DINHEIRO. “Não dá para ser diferente.” Mas ele tem total ciência de que só fará a performance da corporação por aqui avançar assimilando também as dores dos clientes. Para isso, parte decisiva dentro da operação global da companhia é o conceito de logística de ponta a ponta. A solução vem baseada numa estratégica aposta em tecnologia. A empresa opera uma plataforma própria, chamada Trade Lens. Com o uso da tecnologia blockchain, a mesma que está na origem de criptomoedas, ela conecta todos os stakeholders envolvidos no processo. “É aberta para todos os atuantes na cadeia fazerem as suas transações de maneira segura, inclusive alfândegas e autoridades portuárias.”

E claro que para isso é preciso fazer o máximo esforço dentro de casa. Ir ao limite. Todos os navios da empresa foram disponibilizados. “Utilizamos ainda outros meios de transporte, como barcaças, trens e caminhões”, disse Thomas. “E reposicionamos os navios entre as rotas de comércio e portos de modo a obter maior eficiência, além de adiarmos o sucateamento de navios mais antigos.” Junte-se a isso a falta de contêineres. No auge da crise de saúde, muitos deles ficaram presos em estabelecimentos de clientes obrigados a baixar as portas por alguns períodos, situação semelhante à de portos pelo mundo. “O fato é que a cadeia logística teve que transportar mais cargas do que o habitual, de forma acelerada, e acabaram se formando gargalos: fila nos portos, poucos caminhões para transportar, falta de espaço nos armazéns, além de outros contratempos.” Houve uma saturação na infraestrutura logística que causou atrasos.

CONTÊINERES EM FALTA Com unidades presas devido ao fechamento esporádico de portos e comércios, por causa da Covid-19, empresa foi obrigada a utilizar unidades mais antigas e a encomendar novas. (Crédito:Divulgação)

Em Los Angeles, na costa Oeste dos Estados Unidos, por exemplo, a espera para descarregar mercadorias em portos é de 23 dias. “E vai assim ao redor do mundo com alterações periódicas que têm efeito cascata”, disse Thomas. No Brasil, os problemas têm se mostrado pontuais, originados principalmente pelo atraso dos navios provenientes do exterior, que afetam o desembarque dos produtos. Todo esse cenário, é claro, impactou no valor dos fretes. No caso de contrato spots, de liquidação imediata, os preços chegaram a subir 500%. Já nas transações de longo prazo os valores sofreram pouca alteração. “Os contratos de longo prazo têm os valores honrados pela Maersk. Mais de 70% dos nossos contratos são deste tipo.”

No cenário nacional, além dos efeitos da pandemia e do conflito na Europa, o aumento da inflação, dos juros, do valor dos combustíveis e a eleição tornam mais difícil fazer projeções em relação ao restante da temporada. Mas uma coisa é certa, segundo o executivo: haverá impactos no segmento. “A cadeia é totalmente interligada. Então, qualquer evento inesperado possui um potencial impacto multiplicador.” Thomas acredita que o volume de demanda deve crescer entre 2% e 4% durante o ano no Brasil.

ÀS COMPRAS No plano global, a Maersk planeja investir US$ 9 bilhões e US$ 10 bilhões em 2022 e 2023, respectivamente. O ciclo será impulsionado pelos segmentos de logística, serviços e investimentos em ESG (Ambiental, Social e Governança, em português). Além do crescimento orgânico, proveniente de vendas cruzadas para os 200 maiores clientes no mundo, a Maersk tem apostado em aquisições para ganhar mercado. Em 2021, foram adquiridos seis negócios nas áreas de transporte aéreo, comércio eletrônico, armazenamento e atendimento, além da abertura de 85 novos depósitos, ampliando a capacidade e a presença em todo o portfólio de produtos. O apetite continuou no primeiro bimestre deste ano. Em janeiro, a companhia anunciou a aquisição da LF Logistics, empresa sediada na China focada em soluções e serviços de atendimento, e-commerce e transporte terrestre para clientes que atuam na região Ásia-Pacífico. O valor envolvido foi de US$ 3,6 bilhões. No mês passado, a bola da vez foi a Pilot Freight Services, com sede nos Estados Unidos e especializada no segmento de fretes volumosos. Uma transação de US$ 1,68 bilhão.

GIGANTES DOS MARES A Maersk tem 750 embarcações na frota e anunciou recentemente a construção de 12 navios movidos a metanol verde de olho na meta de descarbonização. (Crédito:Divulgação)

As operações no Brasil também estão no foco para investimentos. A Aliança, uma das cinco marcas pertencentes ao grupo no País, anunciou recentemente a construção de duas barcaças e dois empurradores em território nacional. O montante aplicado será de US$ 60 milhões, e as embarcações devem ficar prontas em três anos. A Maersk tem, segundo Thomas, uma programação “pujante” de investimentos em logística que, além das barcaças, inclui caminhões e frota dedicada para contêineres. O setor de armazenagem também será contemplado. “Contratamos em Cajamar (SP) um armazém de 20 mil m² que será inaugurado em julho, além de outros projetos pelo Brasil que vão nos ajudara construir uma maior integração com os nossos clientes”, afirmou.

Os investimentos da dinamarquesa abrangem ainda metas para zerar a emissão de carbono até 2040. A empresa destinou US$ 3,9 bilhões para que a Hyundai Heavy Industries construa 12 navios movidos a metanol verde. O primeiro deve entrar em operação no início de 2024. A companhia opera globalmente 750 navios. Foram estabelecidas metas como reduzir em 50% as emissões por contêiner transportado e diminuir em 70% as emissões absolutas de terminais. Isso envolve também exercer pressão nos fornecedores para que adotem medidas sustentáveis em seus processos. Uma operação logística de ponta a ponta significa, na verdade, um olhar holístico no negócio. E isso está na alma de quem vive no mar e do mar.