No início do mês, a nutricionista Cintia Pereira, de 36 anos, entrou apreensiva no carro que a levaria de Utah até Los Angeles, no Estado da Califórnia, em uma viagem de 14 horas ao extremo da costa oeste dos Estados Unidos. De lá, embarcaria para São Paulo com o filho Joseph Lorenzo Heaton, de 6 anos, após a Justiça americana devolver a ela a guarda do garoto, no fim de abril.

No ano passado, os dois passaram o Dia das Mães trancados em um quarto de hotel. “Tinha medo, não conhecia ninguém”, diz. Neste ano, a programação foi diferente. Foram até a casa do primeiro marido dela, que cuidou do filho mais velho no período em que esteve nos EUA. “Eu queria agradecer à mulher dele. Ela foi uma mãezona para o meu filho.”

Há um ano, Cintia havia largado o trabalho e a casa onde morava no Brasil para travar uma disputa judicial contra o ex-marido, acusado do sequestro internacional da criança. Sem amigos nos Estados Unidos e com pouco domínio do idioma, ela precisou construir uma “rede de solidariedade” para sobreviver. Morou de favor na casa de desconhecidos. Também comprou alimentos e pagou por advogados com doações.

Inicialmente, JJ, como o garoto gosta de ser chamado, não via com bons olhos a ideia de voltar a morar no País – estava habituado aos Estados Unidos, onde acabou de entrar em férias escolares. Na viagem a Los Angeles, no entanto, Cintia percebeu que a oposição do menino foi sendo aos poucos substituída por ansiedade. “Mamãe, aqui já é o Brasil?”, repetia a criança toda vez que cruzava a fronteira de uma cidade americana.

O motivo da apreensão de Cintia era que, apesar da decisão a seu favor, o ex-marido resolveu apelar e a audiência do recurso ainda não havia sido realizada. Com o passaporte retido por autoridades americanas, ela e JJ dispunham apenas de uma autorização para retornar ao País, concedida pelo governo brasileiro. Os advogados a orientaram a deixar os Estados Unidos imediatamente, mas estaria cometendo uma ilegalidade? Poderia também ser acusada de raptar o filho?

O alívio veio uma semana depois, quando Cintia já estava no Brasil. Por unanimidade, três juízes da Corte decidiram que a situação dela e de JJ era legal. “Esse momento foi especial.”

Histórico

JJ é fruto da união entre a nutricionista e um americano, em um casamento que havia sido celebrado em Salt Lake, Utah, e durou de 2009 a 2011. Após a separação, o ex-marido havia voltado a morar nos EUA, sem ter mais contato com a criança, mas retornou ao Brasil em 2013, com pedido de divórcio e da guarda do menino.

O americano conseguiu a guarda temporária do garoto ao alegar à Justiça brasileira que Joseph era vítima de agressão da mãe e abuso sexual do irmão mais velho, hoje com 14 anos, fruto do primeiro casamento de Cintia. Como as acusações não foram comprovadas, a Justiça devolveu a guarda à mãe. Cintia, no entanto, não chegou a recuperar o filho.

Ao perceber que o ex-marido não devolveria o menino, ela foi até o apartamento onde ele ficava no Brasil. “Ele saiu faz duas semanas”, informou o porteiro. O pai fugiu para o Paraguai. Era dezembro de 2015.

Por cinco meses, Cintia não teve notícia do filho e acionou a polícia, o Ministério Público e o Itamaraty. Também criou uma página no Facebook para divulgar imagens da criança e informações sobre o desaparecimento. Em abril do ano passado, foi convocada para uma audiência nos EUA. Foi quando descobriu o paradeiro do garoto.

Com visto de turista, a mãe preparou uma mala pequena e reservou hotel por uma semana – não esperava passar tanto tempo nos EUA. Foi sozinha, deixando o filho mais velho aqui. “Quando a gente se encontrou foi incrível, ele pulou no meu colo, não queria largar”, diz. “Como você viveu?”, indagou a criança. O pai dele havia dito que Cintia tinha morrido.

A união durou apenas um mês. O ex-marido conseguiu a guarda provisória após repetir as acusações de agressão e abuso sexual à Justiça americana. Até a advogada a aconselhou a retornar para o Brasil. “Fiquei completamente perdida. Chorava todos os dias, sem nenhum dos meus filhos.”

“As pessoas começaram a ouvir minha história e a me ajudar. De repente, a maioria das pessoas de Utah estava apoiando minha causa”, conta Cintia, que diz ter acabado com todas as economias, cerca de U$ 15 mil (R$ 46,8 mil) para ficar nos EUA. Diversos eventos foram organizados e conseguiram arrecadar U$ 36 mil (R$ 112,4 mil), mas não quitaram todas as dívidas. Hoje, calcula que é preciso pagar o mesmo valor para saldar o débito. Após perder a guarda da criança, só recebeu autorização para visitá-lo em um clínica, sob observação. Eram proibidos de conversar em português e de falar sobre a vida de JJ. Só podiam ficar sentados e brincar.

Fim

Uma reviravolta aconteceu após seus advogados entrarem com recurso, alegando que a competência para julgar a ação era da Justiça brasileira. Como condição, a Justiça dos EUA determinou que Cintia deveria passar por mais de 30 sessões de classes de divórcio e de violência doméstica, cada uma a custo de cerca de R$ 420, além de teste de consumo de droga.

“Eu não queria fazer, mas não tinha outro jeito. Para mim, era como se eu assinasse que tinha feito tudo isso”, diz ela. Na sexta-feira desta semana, recebeu um e-mail, informando que o ex-marido havia desistido do processo nos EUA. No Brasil, no entanto, ainda cabe recurso.

De volta ao País há poucos dias, Cintia prioriza regularizar a documentação dela e do filho. “De férias”, JJ não quer saber de escola por enquanto. “Eu gosto de assistir desenho e de brincar”, disse o menino na sexta, sem desgrudar o olho da TV, que exibia a animação da Disney Frozen, em português. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.