Vamos eliminar duas de três piadas óbvias. A primeira: João Sanches é um jovem plugado no 220. Outra: João Sanches é um cara cheio de energia. Pronto. Agora já dá para dizer que o sócio-diretor da Trinity, apesar dos 32 anos, é um empresário altamente conservador. Não de hoje. Desde sempre. E graças a seu estilo pé no chão dá para falar dos números. E que números. Em pouco mais de uma década, a empresa que ele fundou sozinho, aos 22 anos, bateu no R$ 1,8 bilhão de faturamento, em 2020. Com uma equipe de 40 funcionários. É uma receita anual equivalente a R$ 45 milhões por pessoa. Nesses termos a conversa muda e o respeito tende a vir mais rapidamente. Tudo bem. Sanches está acostumado. Faz parte do preço de ter começado cedo.

Essa precocidade foi moldada desde que começou a trabalhar, aos 15 anos, no frigorífico de seus tios em Lins, a 430km de São Paulo. Já na faculdade de administração, arrumou emprego na Bolsa, passou por banco e corretoras até aportar numa empresa no setor de energia, onde cuidava de operações de petróleo e dólar. Ali nasceu a Trinity, há pouco mais de uma década. “Nos primeiros quatro anos a empresa era eu”, afirmou Sanches. O problema maior, no entanto, era passar credibilidade num mercado ainda nascente sendo tão jovem.

A saída foi radicalizar na gestão e estruturar uma operação by the book. Uma espécie de certidão de nascimento ESG antes mesmo de o termo explodir. Aí foi só esperar a onda. E ela veio. O turning point tem nome e sobrenome: Dilma Rousseff. A presidente decidiu intervir no setor de energia e fez a tarifa cair. Com preço baixo, o consumo explodiu, mas num momento de crise hídrica. Aí os custos também explodiram – isso porque termoelétricas (mais caras na geração de energia) entraram em ação para compensar a pouca água nos reservatórios. Resultado: um dia a conta apareceu. E os boletos deram um salto.

Foi na virada de 2014 para 2015. E todo mundo que pôde correu para o Mercado Livre. “Ficou tudo atraente”, disse Sanches. Ele contratou os primeiros funcionários e foi para a briga. O faturamento em 2015 bateu R$ 1,3 milhão – de lá para cá a Trinity multiplicou a receita 1.384 vezes. Ele poderia apenas navegar no fluxo de caixa crescente, mas preferiu mergulhar na governança. Já naquele primeiro ano de faturamento robusto a empresa publicou balanço auditado. “Sempre me preocupei muito com governança, confiabilidade de dados, transparência com o setor.”

Para quem atua no Mercado Livre, os custos com energia caem em média 20%. Ainda assim, a quantidade de players no segmento não chega a 11 mil, entre geradores, distribuidores, comercializadores e compradores. Para Luciano Gilio, que é professor e coordenador na Trevisan Escola de Negócios, o número de agentes poderia ser bem maior. “Mas o País traz uma cultura de mercado regulado”, afirmou. “No Mercado Livre, é possível uma negociação melhor entre as partes, e isso exige atuação mais clara por parte das empresas.” É nesse ponto que a Trinity aposta. Na forte governança para dar transparência.

CONSELHO A empresa é uma das únicas comercializadoras independentes de energia que têm Conselho de Administração. São seis nomes – Sanches e dois de seus primeiros funcionários, hoje seus sócios, mais três executivos do mercado. “Formamos o Conselho não só para dar ainda mais credibilidade e boa gestão à empresa, mas também para que façam comigo o papel de conselheiros mesmo. Aprendo com eles.” O mais recente integrante é do setor financeiro, já que o plano de crescimento prevê acessar fortemente o mercado de capitais.

A Trinity acaba de entrar no mercado de geração e uma planta de energia fotovoltaica deve começar a operar em Minas Gerais em 2022. Os contratos dos futuros clientes já estão assinados e têm validade de 13 anos. Um caixa recorrente na faixa dos R$ 7,5 milhões. “E de energia limpa”, afirmou Sanches. Em linha com o que afirma o relatório World Energy Outlook 2020, da Agência Internacional de Energia (IEA). Fatih Birol, diretor-executivo da IEA, abre o documento afirmando que vê “a energia solar se tornando o novo rei dos mercados mundiais de eletricidade, com novos recordes todos os anos após 2022 .”

O planejamento estratégico da Trinity prevê lançamentos de debêntures e o IPO, em 2025. Não apenas para ter capital intensivo e reforçar as metas de atuação no segmento de geração de energia limpa. O cenário de médio prazo contempla também a diminuição de barreiras de entrada no Mercado Livre de energia para consumidores de médio e pequeno porte. E até 2030 sua chegada ao consumidor comum. “Aí a energia de cada um será comercializada numa plataforma”, afirmou. “E a Trinity vai ser o marketplace desse segmento.” Mais que velocidade, João Sanches quer uma empresa consistente. “Foi assim que aprendi com meus pais.”