Enquanto o entorno do Parlamento da Catalunha, situado no coração de Barcelona, estava cercado por policiais e apoiadores da independência da região, ao longo da tarde da terça-feira 10, Carles Puigdemont, líder do movimento separatista, acentuava ainda mais a crise na Espanha com discursos inflamados dentro da Câmara. Desde 1º de outubro, o país lida com a ameaça iminente de independência dos catalães, que desde as primeiras décadas do século XX buscam separar-se da Espanha – desejo que se concretizou por algumas horas em 1934, mas que foi violentamente contido. Com uma oratória ambígua, Puigdemont suspendeu os efeitos da declaração de independência a fim de tentar uma mediação com o governo espanhol.

Ao mesmo tempo, ele declarou a separação autônoma da Espanha. “O sim pela independência ganhou um referendo sob uma chuva de golpes. As urnas nos dizem sim à independência e é por este caminho que vou transitar”, afirmou ele. “Assumo o mandato para que a Catalunha se converta em um Estado independente em forma de República.” A partir daí, a crise política espanhola se aprofundou, tornando-se a pior desde os anos 1980, período da redemocratização. Empresas de diversos setores anunciaram a mudança de suas sedes da Catalunha. E líderes da União Europeia, com medo de um efeito cascata, cobraram uma postura mais firme do governo espanhol. Os governos da França e da Alemanha já afirmaram que não reconhecerão a independência.

A tentativa de Puigdemont abrir um canal de diálogo com o primeiro-ministro do país, Mariano Rajoy, funcionou. O discurso ambíguo fez com que o governo da Espanha interpretasse a postura do catalão como um pedido de independência. Rajoy fechou um acordo com a oposição socialista no Parlamento para que uma reforma da Constituição fosse realizada. Na proposta, o líder catalão terá prazo de cinco dias para declarar se pediu a independência ou não. Caso a separação seja levada adiante, o governo espanhol colocará em vigor as regras do Artigo 155 da Constituição, uma norma utilizada em casos excepcionais como intervenção pontual para restaurar a ordem, uma espécie de estado de sítio, em que se suspendem temporariamente os direitos e garantias dos cidadãos e os Poderes Legislativo e Judiciário passam a ser submetidos ao Executivo. “Em um ponto de vista mais otimista, o melhor que se pode obter neste momento é uma reforma da Constituição espanhola, a fim de dar mais autonomia às regiões do país”, diz Raúl Ramos, professor de Economia e Negócios da Universidade de Barcelona.

Crise: instabilidade política fez com que o primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy (à esq.) ameaçasse tirar os direitos da Catalunha. Enquanto isso, grupo separatista se reúne em frente ao Parlamento na terça-feira 10, em apoio ao líder catalão

A onda separatista fez com que grandes empresas temessem a instabilidade política e social. Região mais rica da Espanha, a Catalunha representa quase 20% do PIB do país. Por ter uma economia diversificada e dinâmica, com uma taxa de crescimento sempre à frente da própria Espanha – enquanto a economia do país cresceu em torno dos 3%, em 2016, a da Catalunha chegou a quase 4% -, muitas empresas escolhem a região para instalar suas sedes. A Catalunha abriga 20% das empresas na Espanha. Mas, desde 2 de outubro, dia seguinte ao referendo, seis das sete maiores companhias listadas no Ibex 35 (principal índice da bolsa de valores espanhola) anunciaram a transferência fiscal para outras regiões do país.

Entre as empresas com capitalizações bilionárias que vão deixar a região estão o CaixaBank, maior banco catalão e terceiro maior na Espanha; o Banco Sabadell, quinto maior do país; a empresa gestora de rodovias Abertis; a Gas Natural Fenosa; a empresa de telecomunicações Cellnex; e a imobiliária Colonial, especializada em mercado de escritórios na zona do euro. “Essa avalanche de retiradas de empresas foi um dos fatores que mais afetaram os planos dos separatistas”, diz Joan Navarro, sócio e vice-presidente de assuntos públicos da empresa espanhola de comunicação Llorente & Cuenca. “Os catalães sabem que a independência não é viável. Não apenas do ponto de vista da legalidade internacional, mas, também, do econômico.”

Caso a independência se concretize, a Catalunha deixará a União Europeia e a zona do euro, responsável por grande parte das exportações do país. Além disso, uma análise da multinacional francesa Coface, seguradora de crédito especializada em riscos globais, mostra que o dano econômico que a separação pode causar à Catalunha é estimado em 124% do PIB da região, que em 2016 registrou € 223,6 bilhões. Para a Espanha, a estimativa é de perda de 50% do seu PIB, assim como competitividade e diversificação fabril “Mesmo com um valor de PIB maior que de outros países, os danos econômicos que a independência pode causar à Catalunha são gigantescos, assim como uma onda separatista em toda a Europa”, diz Paulo Velasco, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais. Internacionais.