Em 1989, o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva era um “sapo barbudo” que concorria à Presidência da República. O apelido nem tanto carinhoso foi criado pelo ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (1922-2004), ao lhe declarar apoio na campanha eleitoral. “A política é a arte de engolir sapos. Não seria fascinante fazer agora a elite brasileira engolir o Lula, este sapo barbudo?”, indagou Brizola. De fato, a elite empresarial temia a agenda econômica do Partido dos Trabalhadores (PT), contrária ao livre mercado, ao lucro e, pasmem, à propriedade privada. Na época, o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Mario Amato (1918-2016), ameaçou uma debandada geral de investimentos em caso de vitória da esquerda. “Uns 800 mil empresários vão deixar o Brasil se o Lula for eleito”, afirmou Amato.

O “sapo barbudo” perdeu aquela eleição e outras duas, na sequência. Suas campanhas insistiam num discurso econômico ultrapassado e com resultados empiricamente negativos em países comunistas. Em junho de 1994, dias antes do lançamento do Plano Real, Lula apostou suas fichas no fracasso da nova moeda. “Vai apenas congelar a miséria”, afirmou. A derrota em primeiro turno para o tucano Fernando Henrique Cardoso mostrou que o “sapo barbudo” tinha morrido pela boca. Quatro anos depois, em maio de 1998, Lula reconheceria que “a estabilidade é de fato um valor”. Perdeu novamente para FHC, mas deu início a um pragmatismo que lhe garantiria a vitória na eleição de 2002.

Naquele ano, o dólar se aproximava do patamar de R$ 4,00 diante da liderança de Lula nas pesquisas. O mercado tinha calafrios. Em junho de 2002, com o objetivo de acalmar a elite, Lula publicou uma “Carta ao Povo Brasileiro”, com promessas de respeito a contratos, de diálogo com todos os setores da sociedade, e, acreditem, da necessidade de aprovação das reformas trabalhista e da Previdência Social. O “sapo barbudo” versão light venceu o tucano José Serra, subiu a rampa do Palácio do Planalto e formou uma equipe econômica conservadora e qualificada, ignorando a cartilha ideológica do PT. O desempenho econômico do seu primeiro mandato, catapultado pela expansão chinesa e seus efeitos positivos nos preços das commodities, lhe garantiu uma vitória tranquila no segundo turno, em 2006, contra o tucano Geraldo Alckmin.

Naquela altura de sua carreira política, no entanto, o escândalo do Mensalão, em 2005, já o atingia frontalmente e os seus principais companheiros petistas. A aclamação das urnas jamais poderá ser interpretada como um salvo-conduto aos crimes cometidos pelo “sapo barbudo” que, lamentavelmente, afundava num brejo cheio de lama. Apenas anos mais tarde, a população brasileira viria a saber que o Petrolão tinha sido montado no seu governo. Veio a crise internacional em 2008-2009 e o governo reagiu rapidamente através da ampliação de gastos públicos, de desonerações tributárias e de uma farta distribuição de crédito. No curto prazo, era uma reação correta. O Brasil virou capa da revista britânica The Economist com a famosa imagem do Cristo Redentor decolando. A alta de 7,6% do Produto Interno Bruto (PIB), em 2010, foi a senha para que Lula indicasse Dilma Rousseff, a mãe do PAC, para a sua sucessão. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), como se sabe, nunca desempacou, com o perdão do trocadilho.

Com Dilma no Palácio do Planalto, a cartilha ideológica do PT ganhou ainda mais força. O populismo econômico, disfarçado de desenvolvimentismo, inchou a máquina pública, turbinou o BNDES às custas do contribuinte, concedeu subsídios a empresas campeãs nacionais e desonerou a folha de pagamentos para uma parte do setor produtivo. Tudo justificado pela promessa de mais crescimento, mais empregos, mais prosperidade. No entanto, o que o País colheu foi a maior recessão de sua história. Em 2013, a The Economist estamparia o Cristo Redentor voando de forma completamente desorientada. Foram quase três anos de crise, entre 2014 e 2016. Como em 2014 ainda não era possível perceber o abismo à frente, uma ligeira maioria da população acabou reelegendo Dilma e sua política econômica equivocada. O desastre total era uma questão tempo e só foi revertido com o seu impeachment.

Durante toda a gestão de Dilma, o “sapo barbudo” imergiu. Desapareceu. Viagens internacionais e palestras milionárias estranhamente pagas por construtoras viraram rotina. Na verdade, o que era estranho ficaria muito claro nas investigações da Operação Lava Jato, que desvendou um esquema bilionário de assalto aos cofres públicos para financiar campanhas que perpetuariam o PT e seus aliados no Poder. Como ninguém é de ferro, até favores financeiramente pueris, como as reformas de um sítio e de um apartamento triplex, seriam oferecidos – e aceitos de bom grado. Na quinta-feira 5, o juiz Sergio Moro decretou a prisão de Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Para a população, ficou a imagem de benefícios concedidos pela construtora OAS, em um imóvel no Guarujá. Que ironia. O “sapo barbudo” está condenado a 12 anos e um mês por causa de um elevador privativo e otras cositas más.

Foi justamente no auge das investigações da Lava Jato, como se as ignorasse, que Lula colocou seu bloco na rua e começou a fazer campanha pelo País. Em que pese o fracasso de público de suas caravanas em alguns Estados, o que mais assustou investidores e empresários foi o discurso verborrágico, raivoso e populista de Lula. O “sapo barbudo” de 1989 ressurgia para ser engolido pela elite. A debandada de milhares de empresários talvez não fosse mais possível, pois muitos quebraram durante o governo petista. O risco-Lula estava de volta simplesmente porque o Lula pragmático de 2002 não existia mais. Talvez acuado pelas denúncias da Lava Jato, talvez entorpecido pelos palpites delirantes de economistas petistas, o fato é que a “Carta ao Povo Brasileiro” foi amassada e jogada na lata de lixo.

Ao contrário do que os esquerdistas radicais alardeiam, o mercado financeiro não tem partido. Os investidores querem apenas ganhar dinheiro num ambiente de negócios que tenha regras transparentes e previsíveis. No caso de Lula, versão 2018, a sua incontinência verbal virou sinônimo de insegurança eleitoral, dado que pesquisas apontavam sua liderança na corrida presidencial. Lula e seus asseclas passaram a defender um Estado maior e mais atuante, ignorando a maior crise fiscal da história do País. A trupe petista passou a criticar a reforma da Previdência Social, escondendo o fato de que Lula e Dilma fizeram reformas nas aposentadorias em seus governos – sem falar na “Carta ao Povo Brasileiro”, que defendia o tema. Se eleito, Lula pretendia colocar os bancos públicos para emprestar rios de crédito a juros baixos. Tudo pago pelos contribuintes. Não é preciso ser PhD para vislumbrar que a volta da recessão econômica seria uma questão de tempo.

Salvo uma reviravolta jurídica inexplicável, o ex-presidente Lula – preso ou não – estará fora das urnas. A regra estabelecida pela Lei da Ficha Limpa é muito clara e impede a candidatura de políticos condenados em segunda instância. Por ora, investidores e empresários respiram aliviados. Não se trata de paixões ideológicas, mas da certeza de que o Brasil está livre de uma agenda econômica que, atualmente, é seguida à risca na Venezuela – pobre dos venezuelanos que estão buscando refúgio no Brasil. O ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva traçou o seu próprio destino. É um fim melancólico para alguém que, um dia, conquistou a esperança de milhões de brasileiros – e os frustrou sem nenhum remorso. Foi de Lula, aquele presidente que nunca sabia de nada, a decisão de participar do esquema criminoso desvendado pela Lava Jato. Foi ele também que escolheu, numa curta pré-campanha, empunhar a bandeira econômica do retrocesso e adotar discursos populistas no pior estilo Hugo Chávez. Agora, nas mãos da Justiça, o “sapo barbudo” não assusta mais a economia.