Enquanto ainda era candidato à presidência, em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva lançou seu personagem “Lulinha paz e amor” para sinalizar ao mundo das finanças sua disposição de dar sequência aos laços do capitalismo sem sobressaltos. De volta à condição de postulante ao cargo, 15 anos depois, o petista começa a despertar novos temores se assumirá a mesma posição na trajetória rumo a 2018. Sua intenção de entrar na disputa presidencial foi reafirmada ao juiz Sergio Moro na quarta-feira 10, em quase cinco horas de depoimentos, em que o petista tentou usar como palanque, mas foi contido por Moro.

O temor maior era que o evento pudesse deflagrar uma nova ascensão do risco político e contaminar o andamento da pauta de reformas, condição essencial para acelerar a retomada do crescimento. Por ora, o espaço para o contágio parece minimizado, mas a hipótese de uma antecipação do clima de disputa aguerrida é uma preocupação viva no radar. “Na medida em que ele tiver chance de vitória, pode ter certeza que os indicadores vão azedar, porque ele está prometendo uma posição diferente daquela do passado”, afirma Bruno Lavieri, economista da 4E Consultoria.

Ainda que apresente uma rejeição de 51%, Lula aparece na liderança das pesquisas de intenção de voto. Porém, ainda é cedo para previsões mais precisas sobre a corrida ao Planalto, o que deixa as preocupações voltadas ao curto prazo. “O fla-flu em torno do depoimento foram os partidos que criaram, o mercado não entrou nessa”, diz Jason Vieira, economista-chefe da Ininity. “A volatilidade cresce à medida em que a sinalização seja no sentido de não aprovar as reformas.”

Há quem acredite até que o evento de Curitiba possa ter contribuído para uma leitura positiva, ao sinalizar um novo momento ao País, de maior maturidade institucional. “Se houver repercussão no mundo dos investimentos financeiros, será positiva”, afirmou o ministro da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União, Torquato Jardim. No depoimento, Lula rebateu a acusação de ter se beneficiado de vantagens da OAS por um tríplex, ao atribuir a transação à sua mulher, Marisa Letícia, morta em fevereiro.

No banco dos réus: em depoimento ao juiz Moro, na quarta-feira 10, Lula atribuiu a responsabilidade sobre o apartamento tríplex à esposa Marisa Letícia         (à esq.) e deu tom de comício ao discursar a simpatizantes
No banco dos réus: em depoimento ao juiz Moro, na quarta-feira 10, Lula atribuiu a responsabilidade sobre o apartamento tríplex à esposa Marisa Letícia (à dir.) e deu tom de comício ao discursar a simpatizantes (Crédito:Leonardo Benassatto/Futura Press/Folhapress e Divulgação)

Ele é apontado como beneficiário de R$ 3,7 milhões da relação com a empreiteira. “A verdade é a seguinte: não solicitei, não recebi e não tenho nenhum tríplex”, disse Lula. “Acho que ela tomou a decisão de não comprar.” Apesar disso, o petista confirmou o encontro com o presidente da OAS, Léo Pinheiro, para tratar do tema e afirmou não saber por que um documento com o termo de adesão da cota de um apartamento no edifício foi encontrado na sua casa.

Na audiência, Lula confirmou ter se encontrado com o ex-diretor da Petrobras, Renato Duque, com a ajuda do então tesoureiro do PT, João Vaccari, e negou ter pedido para destruir provas na operação Lava Jato. Ele atacou a imprensa e se classificou como vítima da “maior caçada jurídica que um presidente político brasileiro já teve”. Moro rebateu e reforçou que o processo será julgado “exclusivamente com base nas leis”.

Para os advogados do ex-presidente, o juiz incluiu perguntas alheias ao interrogatório e reforçou o caráter político do processo. Os integrantes do Ministério Público, por outro lado, destacaram contradições no depoimento e acusaram a defesa de mentir nas declarações sobre o procedimento. “Se eu fosse opinar se uma parte ou outra saiu vencedora, não conseguiria dizer, porque foi bem equilibrado”, afirma Orlando Sbrna, professor de direito penal do Mackenzie Campinas. Ele lembra, porém, que as provas podem fazer a diferença no final e estima a sentença até o meio do ano.

O dia foi atípico na capital paranaense. Ao todo, 1.700 policiais foram destacados para a segurança do evento. Segundo a secretaria de Segurança do Estado, cerca de 7.000 pessoas foram acompanhar o evento. O grupo de petistas contou com a presença da ex-presidente Dilma Rousseff. Em discurso a apoiadores, após a audiência, Lula, que desembarcara em Curitiba a bordo de um jato particular, chorou e se mostrou seguro de que não há provas suficientes para incriminá-lo. “Se eu fiz algo de errado, quero ser julgado pelo povo brasileiro antes de ser julgado pela Justiça.”

No dia seguinte, o ex-presidente virou alvo de nova acusação. O publicitário João Santana e sua mulher, Mônica Moura, afirmaram, em acordo de delação premiada, que Lula e Dilma sabiam do caixa 2 e que o petista era o responsável pela palavra final nos acertos. Lula ainda é réu em outros quatro processos. Cada um será seguido de perto, com potencial de inflamar o caldo político que começa a borbulhar para o próximo ano.