Qualquer investidor que acompanhasse o mercado financeiro pela manhã de quinta-feira 5 não conseguiria imaginar o clima de paralisia entre os operadores da Bolsa na véspera. O principal índice de ações brasileiro, o Ibovespa, abriu em alta de mais de 2%, impulsionado pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de negar o recurso do ex-presidente Lula contra o iminente pedido de prisão pela condenação no caso do triplex do Guarujá. A decisão inviabiliza as pretensões eleitorais do pré-candidato e amplia as chances de vitória da pauta de reformas defendida pelo mercado e incorporada na maior parte das projeções econômicas. Esse cenário foi confirmado na madrugada de quinta-feira com o voto da ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, que desempatou o placar no plenário e sacramentou a negativa do recurso por seis a cinco. Em menos de 24 horas, o juiz Sergio Moro decretou a prisão do líder petista.

Ao ser comunicado oficialmente, Moro demorou 19 minutos para publicar o despacho em que proibiu o uso de algemas e exigiu o comparecimento de Lula à Polícia Federal até as 17h da sexta-feira 6. A ordem causou revolta nos apoiadores do PT e levou manifestantes à sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. O ex-presidente se recolheu na entidade que o ajudou a se projetar na cena política nos anos 1980 até alcançar a Presidência em 2003, posto que só deixou em 2010 para entregar à Dilma Rousseff, sucessora que ele forjou e elegeu. Até o fechamento desta edição, às 15h, a defesa ainda tentava um novo recurso para livrá-lo da prisão. Para os advogados de Lula, o pedido de Moro representou uma das maiores arbitrariedades do século e um desrespeito ao Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, por ignorar um último recurso possível no colegiado. Por considerá-lo uma estratégia protelatória, o juiz da Lava Jato decidiu antecipar a ordem de prisão, gerando surpresa diante da expectativa de que o despacho só sairia em alguns dias.

Na espera: após a ordem de prisão de Moro, o ex-presidente Lula passou a noite na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, ao lado de aliados e apoiadores do partido (Crédito:Werther Santana/Estadão)

O mercado respondeu antes mesmo da ordem de prisão. Com a definição da derrota no STF na madrugada de quinta-feira 5, os investidores foram às compras logo na abertura daquele dia, com um apetite especial pelas ações de estatais, num sinal de influência política semelhante ao visto na campanha eleitoral de 2014, quando os papéis dessas empresas oscilavam ao sabor das divulgações de pesquisas de intenção de votos. O Ibovespa fechou a quinta-feira em alta de 1%, e a Petrobras avançou 3,68%. As dúvidas sobre julgamento estiveram presentes até o último momento. O comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas, inclusive aumentou a pressão sobre o STF.

Na véspera do julgamento, fez uma declaração pelo Twitter. “Asseguro à nação que o Exército brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais.” Ao som da sessão do Supremo na TV, o sócio-gestor da Rosenberg Investimentos, Marcos Mollica, admitiu na tarde de quarta-feira 4 o que seria confirmado em seguida com o fechamento do Ibovespa praticamente estável naquele dia: “O mercado está com dificuldade de prever o resultado”, afirmou o gestor. “A concessão do Habeas Corpus poderia dar margens a manobras jurídicas e aumentar o risco do cenário negativo do Lula candidato.”

Por trás do movimento financeiro de curto prazo está a tese de que o ex-presidente traria um risco para a recuperação econômica caso se mantivesse com chances na corrida presidencial. A dúvida recai sobre a disposição do petista em executar reformas vistas como essenciais para resolver o desafio de reorganizar as contas públicas, cenário com potencial de impactar as expectativas de estabilidade futura macroeconômica, deteriorar ativos financeiros, como o dólar e juros, e contaminar a decisão de empresários e consumidores. Em discursos recentes, o ex-presidente vem destacando ser contrário a medidas como a regra do teto dos gastos, ressaltando a importância do Estado na economia e levantando dúvidas sobre as reformas da Previdência e trabalhista.

O chamado risco-Lula vinha crescendo com a aproximação do pleito e a manutenção do petista na liderança das pesquisas. Na visão do mercado, uma decisão favorável ao recurso no STF aumentaria a incerteza e poderia antecipar um movimento de estresse esperado para a reta final da campanha. Pela mesma lógica, a prisão complica a intenção de Lula e consolida o cenário predominante entre os analistas de que a pauta de reformas se passará nas urnas e levará a um nível mais forte de crescimento nos próximos anos. “O cenário já vinha positivo desde o início do ano e, agora, com essa decisão, coloca o País num viés mais atrativo e no rumo da sequência de projetos e de investimentos”, afirma Cleber Morais, presidente da Schneider Eletric no Brasil. “É a hora de todos pensarem na retomada dos investimentos. Ninguém tem dúvida de que nos próximos dez anos estar no Brasil vai fazer a diferença.”

A diferença entre as pautas se traduz em números. No cenário da 4E Consultoria, a economia pode crescer 3,2% em 2019 caso o próximo presidente consiga aprovar ajustes como a reforma da Previdência. Sem eles, a expectativa é de uma retração de quase 1% (leia quadro “Como as previsões econômicas mudam de acordo com as pautas”). A projeção do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, sugere um avanço de 3,5% no próximo ano. A vitória de um populista, porém, poderia reverter esse quadro para estagnação. Lula não é o único risco, mas representava a maior ameaça porque está na liderança nas pesquisas e porque tem radicalizado o discurso. “A decisão do STF tira um pouco essa temperatura, mas não afasta a possibilidade de ele colocar um poste como no passado”, afirma Vale.

INVESTIMENTO Para além do mérito sobre a prisão em segunda instância e os efeitos na corrida eleitoral, a decisão foi elogiada por autoridades e empresários, como um símbolo de maturidade institucional e um recado contra a impunidade. “O fim da corrupção e da impunidade vai melhorar muito o nosso ambiente de negócios”, afirma Ricardo Lacerda, presidente do banco BR Partners. “Isso fortalece nossas instituições e a imagem do Brasil perante os investidores.” Para Caito Maia, presidente da Chilli Beans, a percepção é de que o desfecho no STF tenha uma influência positiva na confiança. “É uma atitude simbólica da Justiça brasileira e faz com que tenhamos mais confiança para investir”, diz Maia. O CEO do Grupo SMZTO, dono de marcas como Instituto Embelleze, José Carlos Semenzato, também acredita em melhora do clima de negócios. “Deixa um legado de que o crime não compensa”, afirma. A decisão do Supremo pode levar empresas a desengavetar projetos. “Essa eventual prisão representa força institucional”, diz Pedro Thompson, CEO da Estácio. “É um círculo virtuoso que vai atrair mais investimentos.”(leia a posição de outros empresários abaixo).

Mesmos com chances ainda mais remotas de viabilizar a candidatura do ex-presidente, a percepção é de que os riscos são altos nas eleições. Empresários e economistas acrescentam uma dose considerável de cautela no otimismo sobre a retomada. São muitos os candidatos em um cenário bastante incerto, em que é impossível desconsiderar a hipótese de vitória de uma pauta populista. Num cenário sem o líder petista na corrida, o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) aparece na frente. Numa pesquisa da CNT/MDA do início de março, ele tinha 20% das intenções de voto, seguido por Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e outros nomes com menos de 4% das intenções de voto (leia quadro “Cenários eleitorais”). É preciso considerar, porém, que ainda é cedo para traçar cenários e que os números podem mudar bastante após um evento como a prisão de Lula.

Bolsonaro tem procurado se associar à pauta defendida pelo mercado, através da escolha do economista liberal Paulo Guedes. Porém, o deputado proferiu discursos contraditórios no passado. “Não acredito que o Paulo Guedes vá até o final da campanha. O Bolsonaro é um estatizante como os militares”, afirma Gaudêncio Torquato, consultor político e professor da USP (leia entrevista aqui https://www.istoedinheiro.com.br/lula-e-um-grande-eleitor-mas-esta-fora-do-pareo). Para o cientista político César Alexandre Carvalho, da CAC Consultoria Política, a derrota judicial de Lula enfraquece o discurso do deputado de se posicionar com a bandeira de maior rigor contra a impunidade. Segundo ele, o maior beneficiário pode ser Alckmin num cenário em que a esquerda perca força. “O Lula vai virar mote para a esquerda se mobilizar, mas eles não estão com a mesma força para do que quando estavam no poder.”

A justiça em xeque: julgamento do ex-presidente representou um teste para as instituições e resgatou debate sobre o DNA do Poder Judiciário (Crédito:Divulgação)

O risco maior que está colocado no curto prazo é o de que as incertezas políticas comecem a se sobrepor aos fundamentos econômicos num momento em que os indicadores recentes abaixo do esperado levantam dúvidas sobre o ritmo da retomada. Na última semana, a pesquisa Focus do Banco Central mostrou uma correção para baixo na expectativa de crescimento do PIB na mediana do mercado, de 2,9% para 2,84%, uma variação sutil, mas que revela a desconfiança sobre a intensidade da recuperação. Num ambiente de saída da recessão e das turbulências de Brasília, instituições como o banco MUFG Brasil têm optado por uma posição mais conservadora, com uma previsão de crescimento de 2% para 2018.

A principal variável de dúvida na corrida presidencial é a decisão de investimento de empresários, que, em geral, pode esperar por mais clareza. “Investimento depende da confiança na continuidade do crescimento econômico”, afirma Mauricio Nakahodo, economista do banco MUFG Brasil. “Em ano eleitoral, normalmente tem essa incerteza e uma atenção dos empresários.” Para Ideval Munhoz, presidente da operação brasileira da T-Systems, empresa alemã de tecnologia, os investimentos em diversos setores vão ser ampliados. “O Brasil ficou muito tempo estagnado e, agora, passou a ter mais crédito com os investidores.”

A voz da caserna: comentário do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, no dia anterior ao julgamento do STF foi visto como uma pressão sobre os ministros da Corte (Crédito:REUTERS/Ueslei Marcelino)

Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil, Fernando Pimentel, ainda que os investimentos estejam hoje voltados para modernização de maquinário diante de uma capacidade ainda ociosa, sobressaltos da via política poderiam interromper esse processo. “Os investimentos estão reagindo, mas empresas sofreram demais na crise, não podem ser pegas no contrapé”, diz Pimentel. “Os ganhos de produtividade podem ser acelerados dependendo de quem ganhar as eleições.” No setor têxtil, a previsão de crescimento de 3,8% na produção está hoje com viés de baixa. Para Pimentel, trata-se de um sinal de que a recuperação é lenta e que aumenta a importância de uma pauta eleitoral capaz de indicar estabilidade futura da economia. Nesse aspecto, a redução do risco-Lula pode ajudar.

A reclusão do ex-presidente não necessariamente impede o registro da candidatura, mas impõe um obstáculo óbvio para a campanha e gera uma enorme incerteza sobre a posse. Numa hipótese de vitória, um eventual recurso que o tirasse de trás das grades teria de ser expedido até dez dias após o início do mandato. Caso contrário, o cargo seria considerado vago e novas eleições seriam convocadas. Antes disso, o petista ainda precisaria conseguir o registro de candidatura, improvável diante da jurisprudência consolidada sobre a Lei da Ficha Limpa. A norma impede que políticos condenados em segunda instância concorram às eleições, sobretudo em casos de sentenças criminais, como a do ex-presidente. É praticamente nula, portanto, a chance de ele conseguir.