Língua afiada e análises astutas são duas características do consultor político e professor da USP Gaudêncio Torquato, que acompanhou de perto cada uma das eleições no período da redemocratização. A disputa deste ano, na sua avaliação, é a mais imprevisível de todas, superando a de 1989. Amigo do presidente Michel Temer há décadas, Torquato observa um racha no MDB, que pode ter candidato próprio ou apoiar outro partido de centro. Na entrevista à DINHEIRO, em seu escritório, em São Paulo, durante o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o pedido de habeas corpus do ex-presidente Lula, na quarta-feira 4, o consultor descartou a participação direta do petista no jogo eleitoral. No entanto, fez uma ressalva quanto ao impacto de sua prisão na eleição. “No íntimo, o Lula adora ser considerado um Cristo no Calvário”, afirmou. “A condição de vítima interessa a ele e ao PT.” O professor Torquato analisa os principais candidatos e afirma que, se a eleição fosse hoje, Geraldo Alckmin (PSDB) venceria Ciro Gomes (PDT) no segundo turno.

DINHEIRO – Qual é o impacto da derrota do ex-presidente Lula no STF e, consequentemente, de sua prisão?

TORQUATO – Virou uma festa para os opositores do lulopetismo, mas todo esse julgamento reforçou a polarização do “nós e eles”. É um discurso de apartheid social, defendido pelo PT há 30 anos. Trabalhadores e elite em lados opostos. O próprio Lula continua falando de “nós e eles”, mas é importante salientar que a força do lulopetismo está decrescendo. Basta ver o fiasco da caravana no Sul do País.

DINHEIRO – Lula ainda tem chance de participar das eleições?

TORQUATO – Não. Lula é um grande eleitor, mas está fora do páreo.

DINHEIRO – O Lula preso ajuda ou atrapalha o PT nas eleições?

TORQUATO – Ajuda muito. No íntimo, o Lula adora ser considerado um Cristo no Calvário. A condição de vítima interessa a ele e ao PT. O Lula pode até fazer uma greve de fome e comer uma bala escondido (risos).

DINHEIRO – Muitos parlamentares ainda torcem para que o STF reveja a prisão após condenação em segunda instância, certo?

TORQUATO – Claro. Logo de cara, dez políticos condenados pela Lava Jato seriam soltos. Até o Eduardo Cunha [ex-presidente da Câmara dos Deputados] seria beneficiado.

DINHEIRO – Como o sr. avalia os polêmicos tuítes do comandante do Exército, general Eduardo Villa Bôas às vésperas da votação do STF?

TORQUATO – O general Villas Bôas deve estar sendo pressionado pelos quartéis. A fala dele é uma tentativa de acalmar a caserna. Todos defendem a Constituição, mas o problema é dizer isso na véspera de um julgamento do Supremo. Foi uma intromissão indevida, mas o Supremo também se intromete no Legislativo, quando impede, por exemplo, um indulto de Natal ou a nomeação de um ministro.

DINHEIRO – Como será a eleição presidencial?

TORQUATO – Dos 20 nomes que estão surgindo, sobrarão 12 ou 13. Esses candidatos vão disputar um eleitorado com o seguinte perfil: 30% de direita; 30% de esquerda; 30% de centro; e sobram 10% que tendem ao centro. Portanto, a probabilidade de um candidato de centro ganhar é maior do que a dos extremos. Mas o problema é dispersão do centro, com muitos candidatos. Nunca tivemos uma eleição com tantas interrogações. Mais do que em 1989.

DINHEIRO – Por quê?

TORQUATO – Em primeiro lugar, quase todos os partidos estão envolvidos na Lava Jato, e a sociedade vai cobrar ética dos candidatos. Além disso, não há financiamento privado – somente o fundo partidário e o autofinanciamento – e a campanha de rua terá apenas 45 dias, a metade do tempo de outras eleições. Essa campanha curta e franciscana beneficia os políticos mais conhecidos e mais ricos. Paradoxalmente, o País que clama por novidades terá uma renovação menor. Prevejo uma renovação de 40%, ante 60% nas eleições nos anos 90.

DINHEIRO – Qual tema vai render mais votos: segurança ou economia?

TORQUATO – A segurança pública tem um apelo eleitoral muito mais imediato do que a economia. A violência se expande pelo País. É, portanto, a eleição em que a segurança terá o maior peso desde a redemocratização. Isso explica a ascensão de Jair Bolsonaro, que tem sua imagem ligada aos militares.

DINHEIRO – O candidato governista pode ganhar votos com a intervenção no Rio de Janeiro?

TORQUATO – Sim. Se a intervenção no Rio der resultado, vai melhorar a imagem do governo e viabilizar o candidato situacionista. Mas é importante tratar a questão da segurança nas principais capitais e não apenas no Rio.

DINHEIRO – A economia não vai render votos?

TORQUATO – A despeito da segurança, a economia é a locomotiva que puxa o trem da política. É fato que o resgate da economia provoca uma harmonia social. Cresce o que eu chamo de Produto Nacional Bruto da Felicidade, o PNBF. O impacto disso na eleição é explicado através de uma equação que eu criei: BO + BA + CO + CA. BO é bolso; BA é barriga; CO é coração; e CA é cabeça. A recuperação econômica gera um bolso cheio, uma barriga satisfeita, um coração agradecido e a cabeça tende a votar em quem proporcionou isso. A novidade neste ano, talvez, seja um colete à prova de balas nesse corpo (risos). O candidato que conseguir garantir um bolso cheio e um colete à prova de balas ganhará a eleição.

DINHEIRO – Nesse contexto, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, pode crescer nas pesquisas?

TORQUATO – Vai depender principalmente do desemprego, que ainda está muito elevado. Para o governo, é mais fácil ganhar votos com uma melhora rápida na segurança do que com a recuperação econômica. Pode não haver tempo para que o consumidor perceba os efeitos do crescimento econômico.

DINHEIRO – Então o ministro Meirelles não tem chance de se beneficiar da economia, a exemplo do que aconteceu com Fernando Henrique Cardoso, em 1994, com o Plano Real?

TORQUATO – Descarto essa possibilidade neste momento.

DINHEIRO – O candidato do MDB será o presidente Temer ou o ministro Meirelles?

TORQUATO – O MDB está dividido em três grupos. Uma ala pró-Temer, uma ala pró-Meirelles e uma ala que quer se unir ao PSDB e ao DEM. Na minha visão, essa última seria a ideal.

DINHEIRO – Teremos um duelo eleitoral entre o PT e o PSDB neste ano?

TORQUATO – Essa polarização já cansou. Vejo novos atores como o DEM, o PP, o PRB, o PTB, o PSB. Veja o caso do Lula. Ele ainda é um líder carismático no Nordeste, mas está perdendo força. O PT deve indicar um substituto e o Fernando Haddad tem as melhores condições, pois passa a ideia de um professor.

DINHEIRO – Alguma chance de uma chapa entre Ciro Gomes (PDT) e Fernando Haddad (PT)?

TORQUATO – O Ciro não topa abrir mão da cabeça de chapa nem o PT. Ter candidato a presidente da República é importante para os palanques estaduais e para eleger uma bancada federal.

DINHEIRO – O ex-presidente do STF Joaquim Barbosa seria um bom candidato?

TORQUATO – Joaquim Barbosa é muito instável. Tenho dúvidas se aguenta uma campanha inteira ouvindo críticas. É destemperado.

DINHEIRO – Nesse aspecto, ele se parece com o Ciro Gomes (PDT)?

TORQUATO – Sim. O Ciro Gomes é uma metralhadora ambulante.

DINHEIRO – Geraldo Alckmin (PSDB) vai decolar nas pesquisas?

TORQUATO – O Geraldo teria condições de crescer se fosse mais incisivo. O Brasil precisa de uma pessoa que dê murro na mesa. Daí o destaque que o Bolsonaro vem recebendo.

“Não acredito que o Paulo Guedes vá até o final da campanha.
O Bolsonaro é um estatizante assim como os militares”Pré-candidato Jair Bolsonaro (PSL) (Crédito:Igo Estrela)

DINHEIRO – Jair Bolsonaro (PSL) chegará ao segundo turno?

TORQUATO – Ele representa uma forte demanda social por segurança, é conservador, mas não sustentará seu índice de intenção de votos por falta de estrutura partidária e de tempo de TV. As redes sociais não elegem um candidato, apenas contribuem para a consolidação dos candidatos.

DINHEIRO – O sr. acredita que o Bolsonaro terá uma agenda liberal na economia?

TORQUATO – Não.

DINHEIRO – Mas ele anunciou o economista liberal Paulo Guedes como seu formulador…

TORQUATO – Não acredito que o Paulo Guedes vá até o final da campanha. O Bolsonaro é um estatizante assim como os militares.

DINHEIRO – A pré-candidatura de Rodrigo Maia (DEM) é para valer?

TORQUATO – Ele é um grande articulador político. Conversa com todos os partidos, inclusive da esquerda, e fez uma ótima gestão na presidência da Câmara. Ele precisa decidir isso até julho.

DINHEIRO – O senador Álvaro Dias (Podemos) tem chance?

TORQUATO – Tem um bom perfil, mas é muito sulista. É desconhecido no Brasil.

DINHEIRO – E Marina Silva (Rede)?

TORQUATO – Ela parece uma madre Tereza de Caucutá, mas lhe falta a força da engrenagem. Ela não tem a grandeza do cargo de presidente da República.

DINHEIRO – Paulo Rabello de Castro (PSC), ex-presidente do BNDES, tem chances?

TORQUATO – A chance dele é de se habilitar a ser o próximo ministro da Fazenda, dependendo de quem vencer a eleição.

DINHEIRO – Qual a sua visão sobre o pré-candidato João Amoêdo (Novo)?

TORQUATO – É um empresário bem-sucedido, mas muito centralizador. Um partido não cresce em torno de uma única pessoa.

DINHEIRO – O sr. se espantou com a pré-candidatura de Fernando Collor de Mello (PTC)?

TORQUATO – Não, mas ele pode desistir para ser candidato a governador de Alagoas. Se for candidato a presidente, usará a campanha para dizer que foi absolvido pelo STF após o seu impeachment.

DINHEIRO – E Guilherme Boulos (PSOL)?

TORQUATO – Será um propagandista da esquerda, da luta de classes.

DINHEIRO – Manuela D’Ávila (PCdoB) pode surpreender?

TORQUATO – Ela foi uma boa deputada, mas terá uma votação muito restrita.

DINHEIRO – Qual a sua visão sobre o posicionamento do empresário Flavio Rocha (PRB)?

TORQUATO – É corajoso, empreendedor, mas pode amedrontar o eleitorado pelo seu extremo conservadorismo.

DINHEIRO – Guilherme Afif Domingos, presidente do Sebrae, pode ser candidato pelo PSD?

TORQUATO – Ele teria muitos votos dos pequenos empresários, mas o ministro Gilberto Kassab, presidente do PSD, deve apoiar o Alckmin.

DINHEIRO – Faltou mencionar algum candidato?

TORQUATO – Os que sobraram são irrelevantes.

DINHEIRO – A partir deste cenário que o sr. traçou, quem iria para o segundo turno, se a eleição fosse hoje?

TORQUATO – Geraldo Alckmin e Ciro Gomes. Alckmin venceria com ampla votação em São Paulo, herdando votos do Bolsonaro no segundo turno.

DINHEIRO – O Bolsonaro não tem chance de vencer?

TORQUATO – Não acredito no Bolsonaro. Mas ele pode perder hoje para ganhar no futuro. Na política, a menor distância entre dois pontos nem sempre é uma reta. Pode ser uma curva.

DINHEIRO – O que esperar das eleições estaduais nos três maiores colégios eleitorais?

TORQUATO – Em São Paulo, prevejo, no segundo turno, João Doria (PSDB) contra Márcio França (PSB). Os dois, curiosamente, apoiados pelo governador Alckmin. Em Minas Gerais, o governador Fernando Pimentel (PT) contra Antonio Anastasia (PSDB). No Rio, é mais difícil prever, mas pode ganhar alguém de esquerda. Tem o Chico Alencar (PSOL) e o Marcelo Freixo (PSOL). Há ainda o Eduardo Paes (partido indefinido), o Cesar Maia (DEM) e o Romário (Podemos). O Bernardinho (Novo), se for candidato, será a grande novidade, com boa imagem junto aos eleitores.