DINHEIRO ? O sr. está feliz com a vitória do PT?
EUGÊNIO STAUB ? Estou feliz. Fiz um longo processo de amadurecimento antes do apoio à candidatura Lula. Conheço o Serra há 18 anos e o Lula há 18 meses e fiquei encantado com a capacidade de conversar, com a liderança, o posicionamento frente aos problemas demonstrados por Lula. Achei que em certo momento faltava um apoio empresarial e resolvi dá-lo.

DINHEIRO ? O sr. esperava tal repercussão?
STAUB ? A repercussão foi muito grande. Tinha gente que eu não conhecia e me parava na rua. ?Seu Staub, posso mesmo votar no Lula??. E eu dizia: ?Pode?. Antes de tornar pública minha decisão, tomei alguns cuidados. No dia em que decidi, enviei um e-mail para mais de um mil pessoas na empresa comentando minha decisão. Não pedi voto para o Lula. Só queria distinguir a minha posição pessoal da posição da Gradiente. Imagino que a maioria dos executivos tenha votado no Serra, mas não perguntei. Um deles falou: ?Você pensa que eu vou votar no Serra, mas pode estar enganado?. Mas também não falou em quem votou. Liguei para um amigo comum do José Serra e pedi que o avisasse. Liguei também para o presidente da República para explicar.

DINHEIRO ? Qual a reação dele?
STAUB ? Ele foi compreensivo. Ele é muito civilizado. Quando eu era presidente do Iedi, resolvi deixar de fazer críticas intramuros e dei algumas entrevistas criticando a política econômica do governo e ele sempre continuou me tratando muito bem. Ele consegue separar as questões políticas das relações pessoais, o que não impede que a política econômica de seu governo seja um lixo.

DINHEIRO ? Qual a reação dos demais empresários?
STAUB ? Algumas pessoas usaram muita franqueza e comentaram que não concordavam comigo, que eu tinha errado, e minha escolha era péssima para o País. Outras falaram mal pelas costas, e eu fiquei sabendo. Teve gente que falou que fiz isso por interesse ? é a visão de que empresário só age por interesse próprio. Disseram que eu estava endividado e esperava algum favor. Não houve transação nenhuma. São pessoas desinformadas, preconceituosas. Criou desconforto, mas são coisas que passam. Dias depois da eleição, um banqueiro me ligou e disse: ?Sabe que esse teu candidato está indo bem. Não é tão ruim como pensava?.

DINHEIRO ? Essa é a posição da maioria do empresariado?
STAUB ? De uma parte sim. Mas veja só. Eu tenho um amigo, dono de uma agência de viagens, que reuniu os funcionários antes da eleição e disse: ?Olha, se o Lula vencer, nós vamos imediatamente vender 500 a 1.000 passagens, mas só de ida, e depois a empresa acaba. Então é bom votar no Serra?.

DINHEIRO ? Depois da eleição, houve muito assédio ao sr.?
STAUB ? Muito. Recebo dezenas e dezenas de e-mails e telefonemas com sugestões, idéias, propostas. Há quem me ligue até querendo ser ministro.

DINHEIRO ? Quem?
STAUB ? Não posso falar, seria deselegante.

DINHEIRO ? Como o sr. trata esses assuntos?
STAUB ? Apenas cerca de 10% encaminho para o partido porque são idéias boas, úteis.

DINHEIRO ? Qual sua avaliação dos primeiros dias do
presidente eleito?
STAUB ? Muito boa. O discurso da vitória dele na segunda-feira, 28, foi muito bom. Mostra que ele não esqueceu as causas sociais,
mas está ciente das questões financeiras. Ele foi brilhante em
criar uma prioridade inquestionável, o combate à fome. O mais importante é que ele tem uma equipe. Você vê todos os integrantes do time de Lula dando entrevistas. O Palocci, o Alencar, o Mercadante etc., um grupo de pessoas que trabalha há muito tempo, tem o discurso afinado, não tem que ficar consultando o que vai falar ou não. Comentei com um amigo serrista e ele falou: ?Se o Serra vencesse, todas essas entrevistas também aconteceriam, mas ele faria tudo sozinho?.

DINHEIRO ? O sr. acha que esse bom relacionamento entre empresários e o PT permanecerá assim durante o governo?
STAUB ? Todo mundo reconhece que as desigualdades sociais são insustentáveis. O PT é a última chance de pagar essa dívida social de forma racional, organizada, sem rupturas.

DINHEIRO ? Por quê?
STAUB ? Vou dar um exemplo. Olha a reforma de previdência. Todos os países têm esse problema, mas no Brasil ele é perverso e representa 5% do PIB. Se alguém pode fazer essa reforma é o PT. É necessário muito diálogo, negociação, mexer com direitos não legítimos. Para isso só o PT parece ter legitimidade, até mesmo por sua origem e pelos princípios que sempre nortearam o partido. Um problema que ninguém está percebendo é a semi-indexação da economia. Acabou-se com ela no Plano Real, mas ficou um tumorzinho que agora está crescendo com o IGPM nas tarifas públicas, o dólar na energia elétrica. Agora, investimentos financeiros só são feitos com IGPM. Daqui a pouco serão os salários indexados. E aí volta esse fantasma. O único jeito é reduzir juros e jogar a sobra para o campo social.

DINHEIRO ? O que deveria ser feito para que essa boa vontade do empresariado seja mantida?
STAUB ? Continuar com a mesma clareza e disposição da campanha. O Lula disse que se não votar as propostas no primeiro ano, não consegue mais. Então tem de ser já. O empresariado valoriza a reforma tributária e a reforma previdenciária, que foram colocadas na agenda. A reforma política também entrou e essa é mais difícil.

DINHEIRO ? A presença de um empresário no ministério seria importante para isso?
STAUB ? Já temos um empresário lá: o vice-presidente José Alencar. É melhor que ser ministro. Nós estamos representados. No Ministério, o Lula tem de decidir. Mas acho que é um cargo mais técnico, é outra cultura, outro perfil. Já tive amigos que foram ministros e não foi bom para eles e para o País. O José Alencar é um empresário que já virou político.

DINHEIRO ? O sr. acha que deveriam ser criados canais específicos para garantir a comunicação entre empresariado e o governo?
STAUB ? Uma das críticas mais constantes ao governo FHC é a falta de diálogo com a economia real. Para minha surpresa até os banqueiros se queixam disso. No governo Lula, haverá o Conselho Econômico Social, as câmaras setoriais. E o Lula fala que política é conversar. Acho o estilo dele extraordinário. A primeira vez em que nos encontramos foi num almoço na sede da Gradiente com os membros do Iedi. Vieram ele, o José Dirceu, o Guido Mantega. Isso foi há 18 meses. Tudo que ele falou, cumpriu. Ele disse que contrataria um marqueteiro profissional, teria um empresário na chapa que também fosse político e que faria uma aliança à direita do PT para ir do primeiro ao segundo turno e ampliar a aliança no segundo turno. Por fim, prometeu fazer uma grande aliança nacional para governar o País. Cumpriu tudo que prometeu e agora está concretizando o último item.

DINHEIRO ? O Conselho Econômico Social não é um daqueles grupos com poucos resultados concretos?
STAUB ? A reunião foi uma tremenda experiência. Eu conheci lá pessoas que jamais conheceria. Em vez de deixar que as pessoas conhecidas se sentassem juntas, eles puseram todos em ordem alfabética. A última vez que isso aconteceu comigo foi no ginásio. Eu vi lá o presidente da CUT, João Felício, que falou melhor do que muito empresário.

DINHEIRO ? O PT não criou muita expectativa?
STAUB ? Os discursos do Lula e dos membros da equipe disseram para que a população não espere um milagre em um mês, mas uma transformação em quatro anos. A ciência é jogar essas necessidades ao longo de quatro anos. Eu acho que em um ano estaremos vivendo em um outro País.

DINHEIRO ? E o sr. estará vivendo em outra cidade?
Brasília, por exemplo?
STAUB ? Não. Sou carioca, mas vivo em São Paulo há anos. Quanto à questão de posto em Brasília, acho que minha contribuição mais importante para eles foi o testemunho que dei.

DINHEIRO ? Mas se você for convidado, aceitaria?
STAUB ? Primeiro, acho que não vou ser convidado. Segundo, não daria uma resposta pela imprensa. No Brasil, há muita gente que gostaria de ser convidada. Não fui convidado, não acho que serei convidado e, se for convidado, vou pensar no assunto.

DINHEIRO ? Para mudar o modelo econômico, alguns interesses serão atingidos. E se forem interesses empresariais?
STAUB ? O Horácio Piva, da Fiesp, disse que todos têm de perder um pouco para que possamos ganhar mais à frente. Isso é verdade. Quem vai realmente perder é quem investe em papéis de renda fixa do governo. Não que ele vá perder seu patrimônio, mas para obter a rentabilidade que hoje ele tem nos fundos ele terá de correr mais riscos. Em qualquer país do mundo, quem aplica nesse tipo de papel ganha pouco. Nos EUA, é coisa de 2% porque ele está pagando pela segurança do papel. Se quiser ganhar, tem de correr mais riscos. No Brasil é o contrário. Você é estimulado a jogar em renda fixa e não no mercado de capitais.

DINHEIRO ? A elite brasileira está pronta para aceitar isso?
STAUB ? Uma parte terá dificuldades de aceitar. Mas um número crescente se convencerá. Quem tem um pouco de sensibilidade perceberá que essa situação não pode permanecer assim. O Brasil tem de voltar a crescer e para isso é só tirar algumas amarras e recuperar a confiança externa.

DINHEIRO ? O que muda nos negócios das empresas
instaladas aqui?
STAUB ? As propostas do PT devem trazer mais poder de compra para as classes C, D e E. A indústria deveria investir em produtos para atendê-las. Nisso, o comércio está mais avançado. Talvez por ter o contato mais próximo com o cliente final, eles perceberam que esse público é muito importante. Tanto que as grandes redes de supermercado lançaram marcas próprias voltadas para eles. A indústria não foi tão dinâmica e deveria ter feito antes.

DINHEIRO ? Essas empresas teriam escala?
STAUB ? Creio que sim. Mas uma outra dica nesse sentido, e que um governo petista pode estimular, são as parcerias com outros países emergentes, como Índia, China para troca de tecnologia, desenvolvimento de produtos, etc. Outra dica: o PT já cansou de falar que vai incentivar as exportações. A Gradiente, por exemplo, está fora do mercado externo há anos. Agora, estamos nos preparando para voltar.