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LULA, EM SEU GABINETE: na terça-feira 9, dia do leilão das estradas, ele recebeu a DINHEIRO

 

Às 16h da terça-feira 9, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia eufórico quando recebeu a equipe da DINHEIRO para falar sobre o momento da economia brasileira. De olho na tela do computador, ele acompanhava o leilão de sete trechos de rodovias federais, que ocorria na Bolsa de Valores de São Paulo – e os números eram espetaculares. Em alguns lotes, como o da Fernão Dias e o da Régis Bittencourt, os investidores apresentaram propostas com deságios de até 50% em relação ao teto fixado nos editais. Isso significa que os pedágios da era Lula serão bem mais baratos do que os das estradas licitadas anteriormente (leia reportagem à página 52). “Os plantonistas da derrota diziam que não haveria interessados e apareceram 30 empresas”, festejou Lula. Ele parecia tão descontraído que logo fez uma piada com o governador do Paraná, Roberto Requião, ferrenho adversário dos pedágios abusivos. “Vou ter de ligar agora para o Requião. Ele criou uma empresa no Paraná, ligada à Copel, só para entrar no nosso leilão e não conseguiu dar um lance menor que os espanhóis”, disse o presidente, referindo-se ao grupo ibérico OHL, que foi o grande vencedor da disputa. Naquele dia, Lula celebrava mais do que um bom leilão. Com os números da economia afiados, ele acredita que o Brasil pode crescer mais de 5% ao ano e quer convocar os empresários. No dia 24 de outubro, receberá os 100 maiores do País. Depois, fará reuniões setoriais com grupos de 50 convidados. O presidente traz na ponta da língua o peixe que pretende vender: “Chegou a hora de investir”. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista exclusiva à DINHEIRO.

 

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DINHEIRO – Como o sr. avalia os resultados do leilão de estradas que está acontecendo neste momento?
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA –
É fantástico. Isso mostra que o Brasil mudou. Os investidores olham para o Brasil e enxergam um horizonte positivo no longo prazo, com crescimento da economia, risco baixo e estabilidade de preços. O sucesso desse leilão é uma prova inequívoca da confiança que o mundo deposita no futuro do Brasil.

Quando a ministra Dilma Rousseff adiou o leilão e reduziu a margem de lucro das futuras concessionárias, muita gente dizia que não haveria interessados. O que mudou?
No Brasil, existe muito o que eu chamo de plantonistas da derrota. É aquela gente que vive dizendo que nada nunca pode dar certo. Quando nós decidimos reduzir o preço dos pedágios, disseram que não haveria interessados e agora apareceram 30 empresas. O fato é que nós fizemos um processo de concessão muito bem planejado e criterioso. Melhor do que o governo anterior.

O sr. imaginava que as empresas ofereceriam deságios?
Agora, eu vou ter que ligar até para o Requião. Ele criou uma empresa ligada à Copel para entrar no nosso leilão de estradas e não conseguiu dar um preço menor que os espanhóis.

 

“O papel do empresário é investir. Ficar esperando a reunião do Copom para depois criticar a taxa Selic é ultrapassado”

 

O sr. pretende privatizar mais?
O que houve foi uma concessão. E, se outras estradas vierem a ser leilodas, isso será feito sempre com critério. nenhum lugar está escrito que o Brasil tem de mandar o minério de ferro bruto para a China em vez de exportar o produto acabado.

 

“O PAC está deslanchando. Hoje mesmo inaugurei uma obra em Goiás”

 

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LULA, COM AS MONTADORAS: vendas de veículos no mercado interno estão crescendo 25% neste ano

 

O sr. tem sentido dos empresários a disposição de investir mais?
Finalmente, isso está acontecendo. Algum tempo atrás, eu disse que oempresário brasileiro tinha de ter coragem e ousadia para investir. Sabe o que colocaram na primeira página dos jornais? A manchete: “Lula critica empresários.” Mas isso mudou. Amanhã, o José Ermírio, da Votorantim, vem aqui. Acho que vai anunciar quatro ou cinco fábricas novas. Até porque está faltando cimento no País. É de investimentos queo Brasil precisa agora. Os empresários não podem esperar bater em 100% de capacidade para fazer uma nova fábrica. Eles têm que fazer isso quando a capacidade está em 80% ou 90%. E o papel do governo é agir com seriedade, com responsabilidade, mas também vender otimismo.

A tendência de ampliação de investimentos ocorre em todos setores?
Ainda não. No Brasil, ainda tem empresário, à frente de grandes entidades, que fica esperando os resultados da reunião do Comitê de Política Monetária para depois criticar a Selic. Essa postura está ultrapassada.

 

“O Brasil pode crescer mais e eu quero ouvir os empresários. Vou chamar todos no Planalto para saber quais são as sugestões”

 

O sr. está se referindo ao Paulo Skaf, presidente da Fiesp?
Isso. Mas também é preciso ver quem essas entidades de fato representam. Porque muitos dos grandes empresários brasileiros não estão lá. Estão tratando de ganhar dinheiro nas suas empresas. As entidades empresariais deveriam estar rodando o mundo e fazendo missões comerciais para vender produtos brasileiros.

O sr. mencionou a taxa Selic. Ela continuará caindo com esse pequeno recrudescimento da inflação?
Ela caiu muito no nosso governo, pode cair um pouco menos agora, mas o que importa é que o Brasil tem hoje um novo ambiente de estabilidade. E nós já deixamos claro que jamais vamos ceder no combate à inflação.

Juros menores poderiam ampliar ainda mais a oferta de crédito.
Mas isso já está acontecendo. É só olhar para os resultados da indústria automobilística. O que está ocorrendo hoje é uma coisa que eu já imaginava desde os tempos de São Bernardo do Campo. Eu, como sindicalista, dizia aos representantes das montadoras: “No dia em que vocês colocarem uma prestação que caiba no bolso do trabalhador, vão vender como nunca.” E agora isso está acontecendo, com prestações que vão até 80 meses.

Pode melhorar mais?
Pode, por exemplo, na indústria de caminhões. Nesse caso, é importante aumentar o prazo de financiamento para os caminhoneiros. Estou fazendo gestões nessa direção. Mas há um problema: o caminhão não pode ser dado em garantia porque é o bem de sustento do trabalhador. Temos de pensar numa alternativa. Com prazo maior, a venda de caminhões também vai bater recordes.

Mas muita gente ainda defende que o Brasil pode crescer mais. Talvez 7% ao ano, aproximando- se de países como Índia e China. O sr. concorda?
O Brasil não tem que ficar se comparando com a China e com a Índia, porque cada país tem suas peculiaridades e seu estágio de desenvolvimento. O importante é não querer dar um passo maior do que a perna. O que está acontecendo hoje no Brasil é um processo seguro de crescimento, que é fruto de muito esforço. Superamos décadas de estagnação.

Não é possível crescer mais?
É o que todos nós queremos. Eu estou convencido de que o Brasil vive hoje um momento muito singular, o que nos oferece uma oportunidade histórica. Por isso, eu quero ouvir os maiores empresários deste país. Já convoquei uma reunião com os 100 maiores marcada para o dia 24 de outubro. Depois, quero me reunir com os 50 maiores médios empresários. Em seguida, com os 50 maiores microempresários. E depois vou fazer reuniões por setores: os maiores da indústria, do agronegócio e assim por diante. Todos podem contribuir com as suas idéias.

 

No ABC eu já dizia que a prestação do carro tinha de caber no nosso bolso

 

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Algum setor específico está na sua lista de prioridades?
Eu quero conversar com os empresários da área de papel e celulose. O Brasil tem que ser líder mundial nesse mercado por uma razão simples. Nós temos todas vantagens comparativas. Enquanto o nosso pínus e o nosso eucalipto podem ser cortados em 13 anos, na Europa isso acontece em 50 anos.

No comércio, o Brasil não deveria ter sido mais flexível nas negociações com os Estados Unidos?
O Brasil sempre cultivou uma mentalidade de país colonizado, olhando mais para os Estados Unidos e para a Europa. Mas o fato é que, hoje, os nossos maiores parceiros comerciais não são Estados Unidos nem Europa. É a América Latina. Isso é a realidade.

O sr. está embarcando para mais uma viagem à África. Ela tem importância econômica?
É claro que tem, sobretudo a África do Sul. No início do nosso governo, o comércio bilateral do Brasil com a África era de apenas US$ 2 bilhões. Hoje, já está em US$ 15 bilhões. Nós precisamos romper o preconceito em relação aos países que estão emergindo nesse fenômeno que eu chamo de nova geografia comercial. Veja a Indonésia. Como é que pode o Brasil ter um comércio de apenas US$ 1 bilhão com um país com mais de 200 milhões de habitantes? Alguma coisa está errada. Mas, para mudar esse quadro, tem que ir lá, distribuir o cartãozinho, mostrar que você existe. E eu te pergunto: quantos presidentes brasileiros já foram à Indonésia?

O sr. pretende reforçar a diplomacia do “caixeiro-viajante”?
Exatamente. Uma coisa que as pessoas têm que levar em conta é que a imagem do Brasil hoje é muito positiva. E não é mais a imagem do malandro nem a imagem do exótico. Nós temos a Amazônia, temos o índio, que são coisas muito importantes, mas também temos os aviões da Embraer, o agronegócio, a siderurgia… O que faltava para consolidar nossa presença no mundo era o Brasil se apresentar. Fazer como o caixeiro-viajante que ia visitando as casas, batendo de porta em porta. A dona-de-casa abria e, no mínimo, comprava um pano de chão.

A valorização do câmbio não pode comprometer os bons resultados comerciais?
Tudo isso está sendo acompanhado. Mas o fato é que estamos quebrando muitos mitos neste país. Antes, diziam que não era possível fazer crescer o mercado interno e as contas externas ao mesmo tempo. Era um ou outro. Pois nós estamos crescendo com estímulo às exportações e ao consumo doméstico. E isso com inclusão social e com o surgimento de uma nova classe média. Também diziam que o Brasil não poderia crescer sem inflação. Ou que qualquer crescimento logo esbarraria na alta de preços. Também provamos que isso não procede. Além disso, também diziam que as plataformas de petróleo não poderiam ser construídas aqui, que o nosso leilão das rodovias seria um fracasso, e assim por diante. O Brasil precisa se afirmar e se libertar dessa mentalidade derrotista e colonizada. Aliás, o mundo já percebeu que o Brasil mudou.

 

“Me incomoda essa idéia de que as pessoas são insubstituíveis. Eu garanto: não existe isso de terceiro mandato”

 

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LULA NA CHINA: encontro com o premiê Hu Jintao, em 2004

 

O sr. percebe mais otimismo lá fora do que aqui dentro?
Eu tenho viajado muito. E nunca o ambiente foi tão favorável ao Brasil. Na Noruega, na Finlândia, na Suécia, os empresários querem saber como investir aqui, perguntam onde estão as oportunidades. E quando eu chego aqui, vejo um ambiente político que está fora de sintonia com esse momento histórico do Brasil.

O sr. se refere à crise do Senado?
O que está acontecendo é ruim para todos. O Senado sempre foi a casa onde as questões nacionais eram discutidas em alto nível, de uma forma mais civilizada. Hoje, o que eu vejo é um clima de ódio mortal, alimentado pela oposição, que é muito prejudicial para o País.

 

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Continuando na política, como o sr. viu a decisão do Supremo Tribunal Federal, que, na prática, instituiu a fidelidade partidária?
Sempre fomos a favor da fidelidade, mas é curioso lembrar quantas vezes o PT foi chamado de stalinista por isso, como no episódio do Colégio Eleitoral, quando se decidiu propor a expulsão da Beth Mendes e do Ayrton Soares. Fomos muito criticados. E agora todo mundo aplaude a decisão do STF. Nós sempre fomos pró-fidelidade.

Por mais que o sr. negue, presidente, muita gente ainda acredita que o sr. tentará um terceiro mandato.
Não existe essa possibilidade.

E se o PT apresentar uma emenda?
Se apresentarem uma emenda, eu vou trabalhar contra. Me incomoda essa idéia de que as pessoas são insubstituíveis. Ninguém é. O Brasil pode escolher melhor ou pior, mas é a alternância de poder que fortalecerá a democracia. Hoje, concordo com a idéia de que um mandato de quatro anos é pouco, porque não é tempo suficiente para implementar um programa. Mas oito anos estão de bom tamanho.

 

“A China ajuda. Mas também atrapalha. Hoje, nós temos déficit com eles”

 

O deputado Ricardo Berzoini é seu candidato à presidência do PT?
Só pensei no nome do Marco Aurélio Garcia porque me informaram que o Ricardo Berzoini não se candidataria à reeleição. Quando soube que Berzoini queria continuar no cargo, conversamos e passei a apoiá-lo. Foi só isso.

Já estamos no fim da nossa entrevista e o sr. ainda não fez nenhuma metáfora futebolística. O que há de errado, presidente?
Eu gosto muito do exemplo do João Saldanha. Em 1969, nas eliminatórias da Copa do Mundo de 70, ele foi muito criticado quando convocou a seleção. Diziam que o Pelé era velho, que o Tostão estava acabado, que os dois não podiam jogar juntos e por aí vai. Mas ele tinha convicção e seguiu sua linha. Um país é assim. Eu, quando tomo uma decisão, não posso pensar no que vão dizer na próxima semana ou no próximo mês. Eu tenho que trabalhar com um horizonte mais longo, de muitos anos. E hoje o Brasil está saindo de um processo doloroso, de várias décadas, porque tivemos a coragem de perseverar na linha correta.