O Brasil entrou na rota da enóloga francesa Ludivine Griveau. Nos últimos dois anos, ela visitou o nosso País para divulgar o leilão e os vinhos do Hospice de Beaune, instituição de caridade na Borgonha, que tem os seus quase 60 hectares de vinhedos como principal patrimônio. Ludivine é a primeira mulher a assumir este cargo. Entrou em 2015, com a aposentadoria de Rolland Masse, que no passado foi responsável por trazer qualidade a estes vinhos.

Mãe de três filhos, ela encara o desafio de elaborar estes brancos e tintos tão peculiares na Borgonha. Explica-se: com a sua fundação, em 1443, o hospice passou a receber doações na forma de vinhedos, alguns em áreas bem valorizadas, cadastradas de grand cru, e decidiu investir na enologia. Atualmente são quase 50 cuvées, a grande maioria de uvas tintas. À enóloga, cabe cuidar dos vinhedos – e ela tem uma queda pela agricultura orgânica, sem agrotóxicos – e elaborar os vinhos. Mas não acompanha seu envelhecimento.

Na tradição, sempre no terceiro domingo de novembro, os vinhos vão a leilão, organizados pela tradicional e renomada Christie’s. E são os compradores dos lotes que cuidam do envelhecimento de seu vinho e não mais a enóloga que o elaborou. No Brasil, Alaor Pereira Lino, dono da importadora Anima Vinum, é um entusiasta deste leilão e vem comprando vinhos, em quantidades crescentes, desde 2012. É ele quem convida Ludivine a visitar nosso país, o que ela atende com entusiasmo.

A seguir, a entrevista que fiz com Ludivine, em sua primeira visita ao Brasil, em meados de 2016.

Como foi seu primeiro leilão? (Em 2015, quando a primeira safra elaborada por Ludivine foi a leilão, o evento arrecadou 11 milhões de euros, 39% mais do que no ano anterior.)
Foi como ter um filho, e eu tenho três. Fiquei em um misto de estressada e feliz, pronta para chorar e gritar. Agora estou um pouco ansiosa para o segundo leilão. Sei que terei fortes emoções.

O que te fascina nesse vinho tão único da Borgonha?
É a oportunidade de trabalhar com alguns dos melhores terroirs da Borgonha. São grandes vinhos, de vinhedos que ganhamos por doação, para ajudar o hospital.

Três anos atrás, o que a levou a se candidatar a substituir Rolland Masse, enólogo que trouxe qualidade aos vinhos do Hospice de Beaune e que se aposentou?
Eu conheço esses vinhos. No meu emprego anterior (ela era maître de chais da maison Corton André), já trabalhei no envelhecimento desses vinhos. E eu sabia que tinha a experiência suficiente para este posto. Tinha 80 pessoas concorrendo e eu acho que logo no começo eu era a única mulher.

Em suas primeiras duas safras, o que você mudou nos vinhos?
Eu espero continuar o trabalho de Rolland Masse de aumentar a qualidade dos vinhedos e dos vinhos. Eu não mudei muito. Penso que se mudei alguma coisa, não era para mudar, mas apenas porque eu não sou Rolland e ele não sou eu. Temos o ponto comum de acreditar no vinhedo, na fruta e em respeitá-la. A enologia pode acontecer mais fácil porque acreditamos no que temos no vinhedo. É o jeito de Rolland pensar e é o meu também.

Que marca você quer deixar no Hospice de Beaune?
A de maior foco no vinhedo. Espero que em 35 anos as pessoas digam que Ludivine fez um bom trabalho na vinha. É um desafio porque tenho as vinhas novas, mas também aquelas que eu vou precisar replantar.

Qual a maior desafio de trabalhar nesses vinhedos?
É nunca se esquecer de deixar as vinhas separadas. Nenhuma é igual a outra e elas devem ser cuidadas, vinificadas separadas. Esse é o prestígio dos grandes vinhos. E também ir sempre nos detalhes. Mas sei que as mulheres não se esquecem deste ponto.

Não é frustrante para uma enóloga não acompanhar o vinho em todo o seu processo de elaboração, até o seu engarrafamento?
Mas eu acompanho. Primeiro porque sempre mantemos algumas cuvées para eventos promocionais e para as pessoas que trabalham no hospital. Eu tenho amigos que trabalham em vinícolas que amadurecem estes vinhos e, assim, eu acompanho os vinhos.