Segundo um velho – e cínico – ditado escocês, quando ocorre uma tragédia, algumas pessoas choram e outras vendem lenços. Esse raciocínio pode ser aplicado aos investidores da Vale. Até o fechamento desta edição, a conta da tragédia em Brumadinho era de 99 mortos e 259 desaparecidos, sem contar a destruição ambiental. No dia 28 de janeiro, primeiro pregão após o ocorrido, as ações caíram 24,5%. A maior queda diária da sua história fez evaporar R$ 71 bilhões do seu valor de mercado. A Justiça bloqueou R$ 11,8 bilhões da empresa. Segundo analistas, Brumadinho arranhou a imagem da mineradora, mas não os fundamentos de seu negócio. “As vendas da segunda-feira podem ter vindo de fundos internacionais, que consideram riscos ambientais para montar os seus portfólios”, diz James Gullbrandsen, gestor da NCH Capital, que aposta na baixa dos papéis da empresa. Já os investidores brasileiros aproveitaram a queda para comprar mais. Prova disso é que no fechamento da quarta-feira 30, a perda havia diminuído dos 24,5% para 16,8%.

Esse prejuízo supera os 7% registrados em novembro de 2015, quando um desastre semelhante em Mariana (MG) matou 19 pessoas e provocou imensa destruição ambiental. Segundo analistas, a primeira barragem a se romper estava sob responsabilidade da Samarco, o que mitigou o impacto nas cotações da Vale. Os bons resultados da empresa fizeram os investidores esquecerem depressa o ocorrido: desde então, as ações subiram 225%, enquanto o Ibovespa valorizou 106,7% (observe o gráfico abaixo). No entanto, a partir de agora, a história deve ser diferente. “A Vale está sendo vista como uma reincidente”, diz Sabrina Cassiano, analista da Coinvalores. “O mercado está cogitando a possibilidade de o governo impor regras mais rígidas para o setor de mineração.” Segundo a analista, isso pode prejudicar as operações existentes da Vale e, no longo prazo, dificultar iniciativas de aumento da produção.

Pedro Galdi, analista da Mirae: “O pânico do mercado foi exagerado. O acidente não deve afetar os negócios da Vale no longo prazo”

Além da regulamentação, outro problema são as disputas jurídicas. Lá fora elas já começaram. O escritório de advocacia americano The Rosen Law Firm, de Nova York, ajuizou uma class action contra a Vale e seus executivos nos Estados Unidos. A alegação é que a mineradora mentiu aos investidores, ou omitiu informações sobre suas operações, o que causou perdas. Em 2018, depois de três anos de discussão, a Petrobras desembolsou US$ 2,95 bilhões (R$ 10,94 bilhões) para encerrar uma class action nos Estados Unidos, provocada por irregularidades levantadas na Lava Jato.

OTIMISMO Enquanto os advogados se armam, os investidores fazem contas. A queda de R$ 56,15 para R$ 42,18 tornou atrativas as ações, pois, para os especialistas, os fundamentos da Vale estão preservados. “O pânico na segunda-feira 28 foi exagerado”, diz Pedro Galdi, analista da Mirae. Para ele, o acidente não vai afetar o negócio no longo prazo. “A Vale é a maior produtora de minério de ferro do mundo, a demanda vai continuar existindo, e a companhia está pouco endividada, o que a deixa em uma situação confortável para arcar com os custos da tragédia”, diz ele.

Até agora, o montante congelado pela Justiça para pagar indenizações equivale a 45% do caixa da Vale referente ao dia 30 de setembro do ano passado. Outro gasto previsto são os R$ 5 bilhões para modernizar as barragens que usam o mesmo sistema que falhou em Brumadinho. É muito dinheiro, mas não para a maior mineradora do mundo. “Ela gera R$ 50 bilhões de caixa por ano. As perdas com Brumadinho podem ser relevantes no curto prazo, mas não afetam o desempenho dos próximos anos”, afirma Luiz Alves, gestor da Versa, que aproveitou a baixa para ampliar sua posição na empresa de 5% para 15% do patrimônio dos fundos que administra.

Por uma ironia perversa, as imagens catastróficas de uma cidade sob a lama podem até beneficiar a Vale. Os grandes compradores mundiais temem uma redução na oferta do minério após o acidente, o que eleva as cotações. Na quarta-feira 30, os contratos futuros do minério de ferro na China subiram para US$ 87,42 a tonelada, o maior nível em quase 17 meses. “Essa alta praticamente compensa as perdas com a paralisação da produção de Brumadinho, que fica entre sete e 8,5 milhões de toneladas por ano”, afirma Alves. À parte do otimismo em relação à empresa, Gullbrandsen destaca que o episódio pode fazer com que o assunto da governança seja tratado com mais rigor no País. “Fico assustado pelo fato de a diretoria da Vale ainda não ter sido demitida”, diz.