04/02/2022 - 6:30
Especialistas em ESG (social, ambiental e de governança) são categóricos ao afirmar que na economia verde ou os agentes econômicos trabalham juntos ou a meta de limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC até o fim da década será de um fracasso retumbante. Da teoria à prática, a Maersk que o diga. Ao investir US$ 3,9 bilhões para que a Hyundai Heavy Industries construa 12 navios movidos a etanol verde desenhados sob medida para iniciar seu plano de ser carbono neutro até 2040 — dez anos antes da meta inicial —, a empresa encontrou obstáculos indesejados no meio do caminho. Além de uma cadeia nada preparada para viabilizar uma economia descarbonizada em grande escala, Julian Thomas, presidente da empresa no Brasil, citou a falta de políticas públicas e o desalinhamento global rumo às ações necessárias para cumprir o Acordo de Paris. “O desenvolvimento das iniciativas de redução de CO2 tem sido frustrante, mas faremos nossa parte”, afirmou à DINHEIRO ao avaliar que a indústria de logística é uma das que mais polui no mundo.
500 milhões valor captado pela empresa em títulos verdes na dinamarca para financiar o primeiro navio verde
Ao contrário de diversas empresas que usam a agenda ambiental como ferramenta puramente reputacional, a operadora logística tratou de levar o assunto a sério. Seu inventário de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e suas metas ambientais seguem o Padrão Net-Zero do SBTi. A sigla significa Science Based Targets Initiative, uma coalizão do Carbon Disclosure Project (CDP), com o Pacto Global das Nações Unidas, o World Resources Institute (WRI) e o World Wide Fund for Nature (WWF) que usa metas baseadas na ciência para mostrar às empresas quanto e com que rapidez elas precisam reduzir suas emissões de GEE. Na Maersk, o inventário global das operações somou 66 milhões de toneladas de CO2 emitidas em 2020. O desafio rumo à neutralidade de carbono das operações, portanto, não pode ser romanceado. “Os gastos serão astronômicos”, afirmou Thomas. “Mas serão feitos.”
Ponha na conta que cada navio que a empresa está construindo com motor capaz de rodar com metanol verde/combustível fóssil em um design que permite ganho de 20% de eficiência hidrodinâmica tem um custo final 20% superior aos tradicionais. Além disso, o metanol verde custa hoje, segundo Thomas, o dobro do fóssil. Para fazer rodar a frota dos 12 veículos em construção com capacidade de 16 mil TEUs (Twenty Feet Equivalent Unit, unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) serão necessários cerca de 500 mil toneladas de metanol verde. Aí é só fazer a conta que ganha ares mais complexos ao se acrescentar que a frota atual da empresa é de 730 navios que precisarão ser paulatinamente substituídos. Ser ambientalmente correto tem um preço alto e Thomas sabe disso.“Parte desses custos será repassada para os clientes — e mais de 50% de nossa carteira atual já está alinhada a esse compromisso —, mas parte precisaremos compensar com ganhos de eficiência”, afirmou o executivo.
Com a questão do custo endereçada, resta outro desafio: de onde virá tanto combustível verde para abastecer a frota? “Acredito que o aumento da demanda incentivará os produtores e governos a investirem em estrutura”, disse Thomas. Mas a empresa não está disposta a ficar sentada esperando. Um plano para garantir a produção está em pleno curso. As 10 mil toneladas anuais de e-metanol que o primeiro navio da nova frota consumirá após ser entregue no início de 2024 já estão garantidas graças a uma parceria firmada com a REintegrate, subsidiária da empresa dinamarquesa de energia renovável European Energy. Por sinal, vale observar que foi também na Dinamarca que a Maersk emitiu o primeiro título verde no valor de 500 milhões de euros para financiar a construção desse primeiro porta-contêineres sustentável. A transação excedeu o valor da ação com uma carteira final de 3,7 bilhões de euros. A transação, segundo a empresa, teve juro de 0,75%.
Não é só no mar, porém, que a empresa quer zerar suas emissões. No ar e na terra também. “Isso quer dizer que os fornecedores terão de trabalhar para corresponder às nossas metas”, afirmou Thomas. Em documento público e já em posse dos acionistas, a meta é conseguir que ao menos 30% da carga aérea seja transportada utilizando o Sustainable Aviation Fuels (SAF). Armazéns, depósitos e frigoríficos deverão ter ao menos 90% das operações com baixas emissões de GEE. Já os objetivos para a cadeia terrestre estão em estudo e devem ser estipulados ainda este ano.
Diante de um plano global rumo à economia verde tão robusto, resta saber o papel do Brasil. A resposta de Thomas veio em tom de promessa. “O País tem um potencial incrível para a produção eólica em alto mar; e de metanol, amônia e hidrogênio verdes.” A empresa, no entanto, não tem planos para entrar nessa seara. Ao menos, por enquanto. Afinal, como diz o próprio Thomas, quando se fala em descarbonizar a operação “as empresas terão de fazer no futuro muitas coisas que ainda nem sequer enxergam”. Diante do inexorável, a Maersk trabalha para zerar também seus pontos cegos.