Especialistas em ESG (social, ambiental e de governança) são categóricos ao afirmar que na economia verde ou os agentes econômicos trabalham juntos ou a meta de limitar o aquecimento do planeta a 1,5ºC até o fim da década será de um fracasso retumbante. Da teoria à prática, a Maersk que o diga. Ao investir US$ 3,9 bilhões para que a Hyundai Heavy Industries construa 12 navios movidos a etanol verde desenhados sob medida para iniciar seu plano de ser carbono neutro até 2040 — dez anos antes da meta inicial —, a empresa encontrou obstáculos indesejados no meio do caminho. Além de uma cadeia nada preparada para viabilizar uma economia descarbonizada em grande escala, Julian Thomas, presidente da empresa no Brasil, citou a falta de políticas públicas e o desalinhamento global rumo às ações necessárias para cumprir o Acordo de Paris. “O desenvolvimento das iniciativas de redução de CO2 tem sido frustrante, mas faremos nossa parte”, afirmou à DINHEIRO ao avaliar que a indústria de logística é uma das que mais polui no mundo.

500 milhões valor captado pela empresa em títulos verdes na dinamarca para financiar o primeiro navio verde

Ao contrário de diversas empresas que usam a agenda ambiental como ferramenta puramente reputacional, a operadora logística tratou de levar o assunto a sério. Seu inventário de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e suas metas ambientais seguem o Padrão Net-Zero do SBTi. A sigla significa Science Based Targets Initiative, uma coalizão do Carbon Disclosure Project (CDP), com o Pacto Global das Nações Unidas, o World Resources Institute (WRI) e o World Wide Fund for Nature (WWF) que usa metas baseadas na ciência para mostrar às empresas quanto e com que rapidez elas precisam reduzir suas emissões de GEE. Na Maersk, o inventário global das operações somou 66 milhões de toneladas de CO2 emitidas em 2020. O desafio rumo à neutralidade de carbono das operações, portanto, não pode ser romanceado. “Os gastos serão astronômicos”, afirmou Thomas. “Mas serão feitos.”

“O desenvolvimento das iniciativas de redução de CO2 tem sido frustrante, mas faremos nossa parte” Julian Thomas presidente Maersk brasil (Crédito:Divulgação)

Ponha na conta que cada navio que a empresa está construindo com motor capaz de rodar com metanol verde/combustível fóssil em um design que permite ganho de 20% de eficiência hidrodinâmica tem um custo final 20% superior aos tradicionais. Além disso, o metanol verde custa hoje, segundo Thomas, o dobro do fóssil. Para fazer rodar a frota dos 12 veículos em construção com capacidade de 16 mil TEUs (Twenty Feet Equivalent Unit, unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) serão necessários cerca de 500 mil toneladas de metanol verde. Aí é só fazer a conta que ganha ares mais complexos ao se acrescentar que a frota atual da empresa é de 730 navios que precisarão ser paulatinamente substituídos. Ser ambientalmente correto tem um preço alto e Thomas sabe disso.“Parte desses custos será repassada para os clientes — e mais de 50% de nossa carteira atual já está alinhada a esse compromisso —, mas parte precisaremos compensar com ganhos de eficiência”, afirmou o executivo.

Com a questão do custo endereçada, resta outro desafio: de onde virá tanto combustível verde para abastecer a frota? “Acredito que o aumento da demanda incentivará os produtores e governos a investirem em estrutura”, disse Thomas. Mas a empresa não está disposta a ficar sentada esperando. Um plano para garantir a produção está em pleno curso. As 10 mil toneladas anuais de e-metanol que o primeiro navio da nova frota consumirá após ser entregue no início de 2024 já estão garantidas graças a uma parceria firmada com a REintegrate, subsidiária da empresa dinamarquesa de energia renovável European Energy. Por sinal, vale observar que foi também na Dinamarca que a Maersk emitiu o primeiro título verde no valor de 500 milhões de euros para financiar a construção desse primeiro porta-contêineres sustentável. A transação excedeu o valor da ação com uma carteira final de 3,7 bilhões de euros. A transação, segundo a empresa, teve juro de 0,75%.

Não é só no mar, porém, que a empresa quer zerar suas emissões. No ar e na terra também. “Isso quer dizer que os fornecedores terão de trabalhar para corresponder às nossas metas”, afirmou Thomas. Em documento público e já em posse dos acionistas, a meta é conseguir que ao menos 30% da carga aérea seja transportada utilizando o Sustainable Aviation Fuels (SAF). Armazéns, depósitos e frigoríficos deverão ter ao menos 90% das operações com baixas emissões de GEE. Já os objetivos para a cadeia terrestre estão em estudo e devem ser estipulados ainda este ano.

Diante de um plano global rumo à economia verde tão robusto, resta saber o papel do Brasil. A resposta de Thomas veio em tom de promessa. “O País tem um potencial incrível para a produção eólica em alto mar; e de metanol, amônia e hidrogênio verdes.” A empresa, no entanto, não tem planos para entrar nessa seara. Ao menos, por enquanto. Afinal, como diz o próprio Thomas, quando se fala em descarbonizar a operação “as empresas terão de fazer no futuro muitas coisas que ainda nem sequer enxergam”. Diante do inexorável, a Maersk trabalha para zerar também seus pontos cegos.