A expressão “lobista” foi inventada pelo presidente americano Ulysses S. Grant. Durante sua gestão, de 1869 a 1877, ele costumava fumar charutos no lobby do Willard Hotel, em Washington. Com o tempo, grupos de interesses diversos começaram a frequentar o local para assediar Grant e convencê-lo a aprovar leis que os favorecessem. Embora considerada uma atividade legítima em muitos países, o “lobby” é frequentemente associado à corrupção e ao tráfego de influência. Muitas vezes, injustamente. Isso tudo vai mudar quando o presidente Jair Bolsonaro emitir um decreto que regulamenta a atividade no País e dá a seus profissionais o nome de Agente de Relações Institucionais e Governamentais. Ou simplesmente RIG, como prefere quem atua no setor. Wagner Rosário, ministro da Transparência e Controladoria Geral da União (CGU), garante que o texto final ficará pronto em 30 dias.

Inspirado em modelo adotado no Chile, o projeto estabelece que a representação de interesses nos processos de decisão política é atividade legítima e pode ser exercida por pessoas físicas e jurídicas, além de entidades que representem setores econômicos, sociais ou defenda causas coletivas. Para isso, no entanto, o lobista precisa se cadastrar nos órgãos em que atuará. Todas as reuniões e audiências com representantes do governo serão registradas num sistema unificado, com data, horário, local, participantes e motivo do encontro.

“Tecnicamente, o lobby é a defesa oral do que se deseja. Quando seu filho pede um brinquedo, ele está fazendo lobby para consegui-lo”, explica Guilherme Cunha Costa, presidente da Abrig (Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais), entidade representativa do setor com mais de 200 associados. Mas, para exercer essa “defesa oral” junto a agentes governamentais será preciso dominar 91 competências listadas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). As principais são habilidades para negociação, construção de relações inter-pessoais e estratégia. Além disso, a atividade precisa se apoiar em três pilares: ética, transparência e isonomia de acesso —ou seja, não se pode oferecer vantagem ao interlocutor no governo.

QUARENTENA O profissional de RIG pode apresentar sugestões de emendas parlamentares, substitutivos e requerimentos num processo legislativo ou regulatório. Também pode fornecer ao agente público estudos, pesquisas e relatórios para embasar uma tomada de decisão. O que ele não pode, em nenhma hipótese, é fazer pressão econômica para que sua pauta seja encaminhada. O projeto proíbe que a profissão seja exercida por pessoas envolvidas em casos de corrupção, tráfico de influência, obtenção de vantagem indevida e improbidade administrativa. Quem exerceu função pública precisa se submeter a uma quarentena de doze meses. Chefes do poder executivo só podem atuar na área depois de quatro anos.

“Esse projeto é um passo na direção correta e vem se somar às medidas anticorrupção que já existem”, diz Rodrigo Navarro, coordenador do MBA de Relações Governamentais da Fundação Getúlio Vargas e presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat). “Não adianta a empresa criar um departamento de compliance e depois colocar uma pessoa despreparada para as relações governamentais”, conclui.

O decreto, aliás, está alinhado com as práticas da Transparência Global e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). E deve substituir um projeto de lei de 2007 do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) que trata do mesmo tema e ainda aguarda deliberação no plenário da Câmara.

“O projeto do deputado Zarattini inspira-se na lei americana daquela época”, explica Guilherme Cunha Costa. “Doze anos depois, sabemos que ela não foi uma boa alternativa.”Rodrigo Navarro concorda: “Nos Estados Unidos, endureceram de tal forma a legislação que o lobista começou a se classificar como ‘advogado’ ou ‘consultor’ para fugir das regras. O que nós fizemos aqui foi simplificar o projeto para que ele se tornasse aplicável com transparência e legitimidade. Há inclusive uma discussão para que o cadastro seja voluntário. Afinal, aquele que não se cadastrar é que vai ser olhado com desconfiança pela sociedade.”

A regulação do lobby é uma tendência mundial e já ocorreu em países como EUA, Inglaterra, México, França e Chile. “O ambiente externo ficou muito importante para as empresas”, diz Rodrigo Navarro. “As más práticas não afetam mais apenas a reputação, mas também o faturamento delas.” O Brasil só tem a ganhar.