Ela é compridinha, branca e mede pouco mais de 2 centímetros. Não promove milagres, não promete a cura do câncer, nem é capaz de aniquilar o HIV. Mas está causando uma revolução na indústria farmacêutica. A razão de tanto alvoroço tem nome: Lipitor. É a droga mais vendida da história da humanidade. Consumida diariamente por 42 milhões de pacientes em 80 países, tornou-se o medicamento mais comercializado no último ano, com 42% de participação de mercado e receitas de US$ 7,9 bilhões. Mas a droga está longe de atingir seu pico. Estimam analistas que, em dois anos, ela deve romper mais uma barreira da indústria e gerar US$ 10 bilhões em vendas. Sozinha, será dona de 55% do faturamento da Pfizer, o maior laboratório do mundo.

Não se espante, entretanto, se você nunca tiver ouvido falar do Lipitor. Afinal, quando se pensa em Pfizer, a primeira coisa que vem à cabeça é aquela pilulazinha azul para a impotência, o Viagra. O medicamento, lançado em 1998, recebeu tanta publicidade, que poderia levar qualquer um a apontá-lo como o mais importante da companhia. Ledo engano. Comparado com o Lipitor, o Viagra não consegue levantar nem os sorrisos dos executivos. Basta lembrar que, em 2002, ele teve vendas mundiais de US$ 1,75 bilhão ? cinco vezes menos que o Lipitor.

A trajetória deste medicamento confunde-se com as descobertas médicas da própria doença. ?Na década de 80, o colesterol passou a ser visto como fator de risco para doenças coronarianas e derrames?, conta Valdair Pinto, diretor médico da Pfizer do Brasil. Tempos depois, os laboratórios sintetizaram as estatinas (princípio ativo do Lipitor). ?Nos anos 90, o composto foi considerado o mais eficaz contra a doença?, lembra o cardiologista Protásio Lemos da Luz, do Instituto do Coração (Incor). Seria, então, muito fácil entender o sucesso desta droga. Mas como explicar a explosão das vendas do Lipitor, que só chegou às farmácias dez anos após a descoberta do composto? Aí é preciso falar da força por trás dela, o gigante Pfizer. Quando o órgão de regulamentação americano, o FDA, aprovou o uso do Lipitor, em janeiro de 1997, ele era apenas mais um na luta contra o colesterol. Relatórios médicos, entretanto, garantiam que o produto era melhor que os da concorrência. A Pfizer não deixou por menos. Em uma frente, lançou uma campanha de marketing focada nos médicos e colocou um batalhão de 13 mil vendedores nas ruas. ?O tamanho da força de vendas garantiu o sucesso desta nova droga?, conta Marcos Macedo, analista da AT Kearney. Em outra frente, barateou o preço do Lipitor, derrubando pela metade o custo do tratamento contra colesterol. Com essas armas, um ano depois, a pílula da Pfizer já detinha 18% do mercado. A batalha foi coroada em 2002, quando, pela primeira vez, a fabricante fez publicidade direcionada aos consumidores finais.

Mas o Lipitor não é uma fórmula dotada de fazer dinheiro. No Brasil, alguns estudos médicos admitem que 40% da população tem problemas com colesterol e menos de 5% são tratados com medicamentos. ?Significa dizer que há um tremendo potencial não realizado?, calcula Pinto. ?Poderíamos quintuplicar as vendas.? A força não vem só da possível entrada de mais uma leva de consumidores no receituário do Lipitor. Algumas evidências clínicas apontam para a utilização ainda mais ampla do medicamento. Por exemplo? ?Já estamos estudando os efeitos antiinflamatórios e o uso para evitar rejeições após transplantes de órgãos?, explica. Há também testes clínicos para o uso das estatinas em doenças como esclerose múltipla e mal de Alzheimer.

Apesar de estar no olimpo, a Pfizer tem alguns problemas a resolver. O primeiro é o medo em relação aos efeitos colaterais da estatina após o uso prolongado. Em 2001, o Baycol, da Bayer, foi retirado do mercado após a morte de 31 pacientes. Além disso, os laboratórios começam a se mexer em busca de novas drogas contra colesterol. O Astra Zeneca, por exemplo, deve colocar no mercado no meio do ano o Crestor, que pertence a uma família mais avançada da droga. Mas analistas calculam que há mercado para dois blockbusters neste setor. Com o envelhecimento da população, o mercado global de medicamentos contra colesterol deve aumentar de US$ 18,8 bilhões para US$ 23,6 bilhões em 2007. Aí, sim, o Lipitor pode passar a ser tão conhecido como aquela pilulinha azul para impotência.